quarta-feira, 2 de julho de 2014

Sophia de Mello Breyner

     Pode-se ouvir, aqui, e aqui, poemas de Sophia de Mello Breyner, no programa da Antena 2, A Vida Breve, de Luís Caetano; poesia dita pelos próprios autores.

     O Público publica um artigo de Luís Queirós em homenagem a Sophia: Panteão Nacional abre esta quarta-feira as portas à grandeza poética e cívica de Sophia.

     Hoje, os restos mortais de Sophia foram trasladados para o Panteão Nacional.

             Musa

Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
O canto para todos
Por todos entendido

Musa ensina-me o canto
O justo irmão das coisas
Incendiador da noite
E na tarde secreto

Musa ensina-me o canto
Em que eu mesma regresso
Sem demora e sem pressa
Tornada planta ou pedra

Ou tornada parede
Da casa primitiva
Ou tornada o murmúrio
Do mar que a cercava

(Eu me lembro do chão
De madeira lavada
E do seu perfume
Que me atravessava)

Musa ensina-me o canto
Onde o mar respira
Coberto de brilhos
Musa ensina-me o canto
Da janela quadrada
E do quarto branco

Que eu possa dizer como
A tarde ali tocava
Na mesa e na porta
No espelho e no copo
E como os rodeava

Pois o tempo me corta
O tempo me divide
O tempo me atravessa
E me separa viva
Do chão e da parede
Da casa primitiva

Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
Para prender o brilho
Dessa manhã polida

Que poisava na duna
Docemente os seus dedos
E caiava as paredes
Da casa limpa e branca

Musa ensina-me o canto
Que me corta a garganta

(Em Antena 2, A Vida Breve, 01-07-2014.)


           Ariana em Naxos

Tu Teseu que abandonadas amadas
Junto de um mar inteiramente azul
Invocavam deixadas
No deserto fulgor de Junho e Sul

Junto de um mar azul de rochas negras
Porém Dionysos sacudiu
Seus cabelos azuis sobre os rochedos
Dionysos pantera surgiu

E pelo Deus tocado renasceu
Todo o fulgor de antigas primaveras
Onde serei ou fui por fim ser eu
Em ti que dilaceras

                Os deuses

Nasceram, como um fruto, da paisagem.
A brisa dos jardins, a luz do mar,
O branco das espumas e o luar
Extasiados estão na sua imagem.
(Em A Vida Breve, 02-07-2014.)

3 comentários:

  1. Uma traladação merecida.....
    Sempre admirei a Sophia de Mello Bryner Andersen e gosto muito dos seus poemas...

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Eu tenho uma relação ainda um bocado ambivalente. Conheço dois ou três contos e talvez mais nada. No dia do seu funeral, quis estar alguns momentos na igreja da Graça, em Lisboa, porque achei que era uma grande poetisa nossa, por acreditar na opinião geral, praticamente unânime. Em 1969, fui a uma sessão cultural, no Técnico, em que ela interveio. Estava na mesa e os estudantes, na assistência. Disse algumas palavras sobre o ser. Gostei. Fui com dois amigos e a minha irmã. Foi uma sessão muito agradável, que «descambou» para a boa disposição, com a assistência a cantar o Baleizão adaptado: «queira o Marcelo ou não queira»... Há uma relação afectiva que vem desde então. (Removi o comentário anterior, porque foi a maneira de emendar a data que estava -- 1869.)

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