segunda-feira, 13 de abril de 2015

Selecção de ontem

A minha selecção vai para José Diogo Quintela, que já tenho lido. Desta vez achei muito bom. Ia a dizer «perfeito».
Análise da 17.ª Jornada do Campeonato da Empatia
Há 15 dias, fiquei angustiado com o acidente aéreo da Germanwings. Vi os noticiários de todos os canais; andei pela Internet a pesquisar os parâmetros de segurança da cabine do Airbus A320; concordei com o meu vizinho de cima quando, no elevador, me disse que era um horror; cliquei em coraçõezinhos de várias fotografias do Instagram. Ao nível técnico-empático, estive estupendo. Mas estraguei tudo na semana seguinte, ao não dedicar a mesma atenção ao massacre na Universidade de Garissa. Vi só o telejornal da noite e nem sequer me dei ao trabalho de ir ao Google Maps ver onde fica Garissa. Beneficiei os Alpes em detrimento do Quénia.
Sou relapso nesta inconsistência. Já me tinha acontecido o mesmo depois do massacre no Charlie Hebdo. A aflição pelo que aconteceu em Paris não foi a mesma em relação às chibatadas aplicadas a Raif Badawi, o bloguista saudita.
 Felizmente, posso sempre contar com a multidão de apontadores de hipocrisia que, de imediato, assinalam incoerências na intensidade dos compadecimentos.
São os super-heróis da comiseração. Depois das equipas de salvamento à procura de caixas-negras, vêm os guardiões da empatia há procura de ovelhas negras que não dediquem exactamente o mesmo grau de tristeza a todas as tragédias. Pesam o pesar, em pequenas balanças pleonásticas. À velocidade com que denunciam a dualidade de compaixão, é provável que também meçam a olho.
 Pugnam pela equidade na lamentação, opõem-se a hierarquias de transtorno. E exigem que todas as calamidades tenham o mesmo espaço nos jornais, seja uma inundação em Alcântara ou em Manila. Esta semana, voltei a falhar. Enquanto a morte de Manoel de Oliveira me fazia pena, lembrei-me que não lamentei o falecimento de Wu Tianming, o realizador chinês que se finou no ano passado. Eram ambos cineastas venerandos, assisti ao mesmo número de filmes de Wu Tianming e de Oliveira (cerca de zero), estão igualmente cadáveres. O que me faz borrifar na equidistância?
Ainda por cima, sou faccioso não só na resposta a grandes catástrofes e desgraças menores, mas também face a bagatelas sem carga dramática. Por exemplo, há tempos li uma notícia sobre os possíveis nomes para a filha do Príncipe William e, após breve reflexão, concluí que não sei o nome de nenhum dos 25 filhos do Rei Mswati III, da Suazilândia. Aliás, na altura nem sabia que o Rei Mswati III tem 25 filhos. Ou, sequer, que é o Rei da Suazilândia. Aliás, ignorava que a Suazilândia é uma monarquia. Vou ser franco: nem sabia que é um país, julgava que era um parque temático. Tive de me wikinformar para escrever este texto.
 Tenho inveja dos paladinos da equidade, que conseguem racionar a mesma quantidade de lágrimas para uma morte na família, a morte de um vizinho ou a morte de um estranho. Apresentam uma notável regularidade exibicional na comiseração. Devem ter descoberto o segredo para se comoverem o mesmo por todos. Desconfio que seja não se comover por nenhum.
            [Na Revista do Público, 12-4]

4 comentários:

  1. O autor omite (ignora é ofensivo!) a manipulação (se preferirmos: a selecção) que as televisões executam, obedecendo a critérios ideológicos, políticos ou lobbies, de captação de audiências.

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  2. Li o texto, num certo registo, lembrando o Eça de Cartas Familiares e Bilhetes de Paris. Uma senhora lia no jornal as catástrofes. Um terramoto na ilha de Java, morrendo duas mil pessoas... Ninguém comentou. Foi-se aproximando, nas notícias que lia, de Portugal. Hungria, Bélgica... Começou a ouvir-se qualquer reacção, a princípio murmurante. A senhora, calmamente, lê. No fim, depois do crescendo de interesse e preocupação, tanto da parte da bondosa leitora, como dos assistentes, «a sala inteira se alvoroçou num tumulto de surpresa e desgosto». A Luísa Carneiro, da Bela-Vista,... «Estas manhã! Desmanchou um pé!»
    Neste registo, gosto do texto, embora a questão da distância não se aplique aqui inteiramente.
    Num escrito nunca se diz tudo. Não sei se o nosso humorista é ofensivo. Quanto ao resto, sou levado a concordar contigo.

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  3. Pois, julgo mesmo que o Diogo Quintela se inspirou no Eça. Eu não disse que ele era ofensivo, disse: "O autor omite (não escrevo "ignora" porque seria ofensivo)...
    Abraço

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