sexta-feira, 25 de março de 2016

Caminhada na herdade da Mitra, em Valverde


Na herdade da Mitra, ao longo da margem esquerda da ribeira de Valverde

O que segue foi o que pude passar ao papel, enquanto ouvia o doutorando Mauro Raposo, da Universidade de Évora, e tirava fotografias. Preenchi uma ou duas lacunas e no caso do medronheiro procurei o texto de Plínio, o Jovem, para deslindar melhor a palavra «unedo». Algum erro é da minha responsabilidade.
Eu e a minha acompanhante, que se vê nas duas primeiras fotos de grupo, olha para mim, lá de longe, e que bem que está!, tínhamos tomado o pequeno-almoço e já não nos detivemos no local da concentração. Estas caminhadas fazem-nos jovens, convive-se com os outros caminheiros e com a natureza. A natureza somos nós; quero dizer que somos natureza e a que dizemos estar fora de nós, no fundo faz parte de nós, tenhamos ou não clara consciência disso. Ao diminuí-la, diminuímo-nos. Caminhar é bom. Quem caminha tem consciência do que estou a dizer.
Passámos de carro e ali estavam, ainda, à frente da sede da Confraria da Moenga— Avenida D. Sebastião, as pessoas do grupo de caminheiros, prestes a partir, mas com ar tranquilo, convivendo calmamente. Foi assim que os «vi», pois na confraria, certamente ninguém se enfada ou enerva, senão a vida seria uma moenga.
Às nove horas, como combinado, estava tudo a postos. Destaque para o acto simbólico da plantação de um sobreiro, feito com grande alegria pela cavadora de serviço e seu coadjuvante. Após esta cerimónia, seguimos sempre perto da ribeira de Valverde, orientados pelo nosso guia. Falar do valor das plantas autóctones na gastronomia alentejana é, aqui, desnecessário, pois os não naturais desta região bem o sabem e os de cá foram criados nos cheiros, perfumes e paladares de sopas dignas de reis.
A letra pequenina que estou a usar visa dar todo o destaque ao que nos foi dizendo Mauro Raposo sobre o tema deste passeio. É um pobre apanhado, mas é o que há e dá uma ideia.

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Nesta herdade antropizada*, os gados foram tirados. O mato começa a crescer.
Catacus — «regionalismo BOTÂNICA planta herbácea, da família das Poligonáceas, espontânea e frequente em Portugal», da Infopédia. «Planta herbácea, que se cose com legumes e de que se faz esparregado.» (Da internet.)
Funcho — Planta utilizada em culinária, perfumaria e com uso medicinal.
Saramago — Tem aplicações medicinais. As suas folhas levemente picantes são muito nutritivas e ricas em vitaminas e sais minerais.As folhas podem ser usadas na alimentação.
Cardo — É usado na alimentação, apenas o caule, para fazer sopas.
Espargo — É usado na alimentação, por exemplo, migas com espargos.
Erva de S. Roberto — Secar as folhas à sombra.
Orquídea (orchis morio) — Indústria do gelado; antigamente, sopa.
Urtiga — Um quilo de planta = 20 litros de água; a urtiga é repelente de insectos e piolhos.
Trovisco (daphne gnidium).— O gado nunca a come. Filamentos usados para cordas.
Abrótea — Não comestível, medicinal: o rizoma é aproveitado para tratamento da pele, eczemas, não nas feridas, mas depois de tratada a ferida. O gado não a come. O rizoma da abrótea, ainda pequena, é aproveitado directamente na pele (queimaduras e eczemas).
Medronheiro (arbutus unedo) — aguardente e não só. Unedo: comer um de cada vez. Tóxico. Unedo . «O medronho é um fruto pouco considerado, como o indica o seu nome (unedo): vem de que não se come senão um (unum edo)»**. (Tirado daqui.) Unum edo traduz-se literalmente: como um.
Alecrim — Para carnes de caça. Bom para o cabelo (infusão – fortalece o cabelo).
Freixo — junto à linha de água. O exemplar observado está um pouco afastado da linha de água. Consegue sobreviver, devido a alguma água subterrânea. As folhas de freixo, dizem que combate o reumático, em infusão.
Murta — As bagas são utilizadas para fazer murtinhol (licor). Jardins antigos têm pátios só com murtas. Aromática.
Orégãos — Erva aromática, das mais conhecidas na gastronomia alentejana.
Zambujeiros — Há zambujeiros enxertados de oliveira. Em baixo, zambujeiro; em cima, oliveira.
Salgueiro — A aspirina é produzida, a partir do salgueiro.
Arruda — Cultivada nos jardins, as suas folhas são muito aromáticas; são utilizadas para fazer chá, com fins calmantes.
Silva — As folhas jovens servem para alimentação.
Rosmaninho (lavandula pedunculata) — Escapes florais com grande pedúnculo. As ovelhas mordiscam as folhas desta lavandula, mas não da outra (pedúnculo menor).
Erva prata (paronychia argentea) —anti-inflamatório: estômago, úlceras, intestinos e limpa o aparelho digestivo.
Esteva — Vi uma flor de esteva, branca, nas mãos de um caminheiro. Gostava de a ter fotografado, para apresentar aqui.
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A ribeira de Valverde
A ribeira de Valverde tem lontras. A certa altura alarga-se em pequena albufeira, pois um pouco adiante, mas em ponto a que não chegámos, há uma pequena barragem. O que nos foi dado ver é uma zona verde, de frescura. Bela a zona rochosa, a jusante, onde a água corre e cai apertada pelos grandes rochedos.
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** Ver, aqui, livro XV, capítulo XXVIII, páginas 559 e 560 da 1.ª parte da História Natural, de Plínio, o Jovem.
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O chaparrito vai crescer e tornar-se um grande sobreiro


Cardo

Cardo seco






Medronheiro

O guarda-chuva do guia serve de ponteiro, para sinalizar um medronho. Só se deve comer um, segundo Plínio, o Jovem. Eu diria: um, de cada vez.


Ramo de alecrim

O guia fala-nos do freixo

Salgueiro.
Também servia para fazer portas de «pauzinhos» ligados entre si por uma arame próprio, que, permitindo a entrada e saída de pessoas na lida da casa, não deixavam entrar as moscas.


Silva

Rosmaninho



Abrótea

Rizoma da abrótea

O mesmo

Pinheiro com um casulo grande de lagarta do pinheiro, praga que é preciso debelar e se propaga facilmente.


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Camião utilizado para transplantar árvores

Valverde, do outro lado da ribeira


Colmeias




Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas

Conventinho do Bom Jesus da Mitra, vulgo Conventinho. Faz hoje parte dos edifícos da Universidade de Évora - pólo da Mitra

4 comentários:

  1. Muito tenho já ouvido falar na "Herdade da Mitra" , mas não tive ainda oportunidade de lá ir...!!
    Este texto e fotos respectivas deixaram-me curiosa..., ainda mais curiosa...
    Tenho de agendar uma visita...
    Páscoa feliz..
    AG

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    1. Faz bem. Voltei a Évora uns dias depois e foi muito bom.Entre outras coisas, integrei-me na procissão do Enterro do Senhor, que saiu às 22 h. da igreja do Calvário para a igreja da Misericórdia. A procissão foi um grande acontecimento, que nunca pude apreciar enquanto estudante, pois nessa altura deixava a cidade.
      Páscoa feliz
      JL

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  2. Que experiência linda! Gostava de a ter vivenciado...mas... ainda não posso! Talvez no futuro...
    Mas agradeço esta belíssima partilha!
    MC

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  3. Obrigado, Manuela.Um dia destes, voltando a Évora, passo pela aldeia de Valverde. Fui lá depois da caminhada, visita muito breve. Na mesma ocasião, fomos pela primeira vez ver o menir dos Almendres e, a 1,3 km, o cromeleque, na herdade do mesmo nome.
    Olhando para a aldeia, a partir da mitra, na parte final do percurso, lembrei-me da nova aldeia da Luz em Alqueva. Fiquei com a ideia de que quase toda a povoação é relativamente recente.

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