Quis
encomendar Os Irmãos Inimigos, de Nikos Kazantzaki, cuja leitura recente
me deu grande prazer. E me devolveu a velocidade de ler do tempo em que li Eça, com encanto. Os irmãos inimigos são os Gregos, boinas vermelhas e
boinas negras; na capa, de cabeças voltadas em direcção oposta, exactamente
iguais. Só a boina os distingue.
Já não adquiri a obra que destinava como oferta a um/uma familiar. Venho a
saber, no texto do blogue
assinado pelo livreiro, Jaime Bulhosa, com data de 27 de Fevereiro, que a Pó dos Livros encerrou as portas em 31 de Março. Mais um que
se vê forçado a fechar...
*
Ver, também, no suplemento Ípsilon do Público:
Livraria Pó dos Livros fecha portas no final de Março
No blogue da
livraria, Jaime Bulhosa admite que já previa este fim desde Março de 2011,
altura em que escreveu um texto sobre como "um abutre" planava sobre
a livraria, desde que esta abriu portas em Setembro de 2007.
Lusa
28 de
Fevereiro de 2018, 16:45
A livraria
Pó dos Livros, em Lisboa, vai encerrar no dia 31 de Março, uma morte anunciada
há sete anos, altura em que o sócio-gerente desta livraria independente, Jaime
Bulhosa, escreveu um texto, no qual "já previa este fim".
Numa nota
publicada na terça-feira, no blogue da livraria, Jaime Bulhosa escreve que
"chegou a hora de a livraria Pó dos Livros 'celebrar o dia da liquidação
total'", pois "no dia 31 de Março de 2018, mais esta livraria passará
a ser uma mera recordação, um pedaço de pó na memória de poucos".
Sobre as
razões que levam a este fecho, o responsável afirma que escreverá mais tarde,
como fará "os devidos agradecimentos" a quem sempre apoiou o
projecto, "porque percebe qual importância da existência de uma rede de
livrarias independentes em todas as nossas vilas e cidades".
No blogue da
Pó dos Livros, Jaime Bulhosa admite que já previa este fim, pelo menos desde
Março de 2011, altura em que escreveu um texto, que agora recorda, sobre como
"um abutre" planava sobre a livraria, desde que esta abriu portas, em
Setembro de 2007.
"Nunca
passava para cá da linha da porta. No entanto, rondava de perto, dava uma
bicada, ou duas, nos nossos pés e ficava inquieto à espera que chegasse a hora
fatal, grasnando num som surdo, como só os abutres sabem fazer: 'Quando é que
chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde, todas as livrarias
irão fechar'".
Nesse mesmo
texto, o responsável da livraria lembra como tentaram "enxotar para longe"
o abutre e como ele "voltava sempre", olhando "de viés" e
procurando "aromas de moribundo".
"Contudo,
ainda não tinha chegado a nossa hora e voou com notícias de defunto, vindas de
outras paragens".
A situação
agravou-se nos anos seguintes, como escreve nesse texto, que recorda como o
abutre regressou "acompanhado com mais amigos, urubus, corvos e outros
necrófagos", todos "vestidos a rigor de plumas negras reluzentes,
entoando já a marcha fúnebre de Chopin" e repetindo a sentença:
"Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde,
todas as livrarias irão fechar".
Mas mais uma
vez, ainda não tinha chegado a hora e, nesse Março de 2011, as aves foram-se
embora.
Sete anos
depois, Jaime Bulhosa reconhece ter chegado a hora de "celebrar o dia da
liquidação total".
Desde a
fundação, a livraria gerida por Jaime Bulhosa e Isabel Nogueira foi distinguida
como Melhor Livraria Independente, pela Revista Ler e a Booktailors,
recebeu o prémio de Melhor Blogue de Livraria ou Editora da Blibie, e foi
eleita a segunda Livraria Preferida de Lisboa, na votação promovida pela
Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, com as Bibliotecas Municipais de
Lisboa, em 2013.
No seu
blogue, a Pó dos Livros define-se como "uma livraria de bairro,
independente, alternativa, com livreiros experientes".
Situada,
originalmente, na avenida Marquês de Tomar, transferiu-se, mais tarde, para a
actual localização, no n.º 58A da avenida Duque de Ávila, na esquina com a
Conde de Valbom.
Num local e no
outro, Jaime Bulhosa procurou criar um ambiente próximo das "antigas e
tradicionais livrarias de Londres, com estantes altas, negras, de madeira
trabalhada, e com as paredes coloridas", dirigindo-se a "um público
diferenciado do das livrarias de grande superfície, clientes mais exigentes,
mais selectivos".
"Oferecemos
um largo conjunto de livros, que passa pelas novidades editoriais dos autores
mais valorizados, pelo fundo de catálogo, livros raros e usados, pelos
clássicos da literatura que, cada vez mais, são difíceis de encontrar nas
livrarias de centro comercial. Tentamos dar o máximo de visibilidade aos
catálogos das pequenas editoras, a edições de autor e a textos
esquecidos", lê-se no blogue da loja.
"Privilegiamos,
sem nenhum pudor (...), as editoras e chancelas de qualidade", escreve
Jaime Bulhosa, destacando a exigência na selecção dos livros infantis e
juvenis, por ser "quase sempre nestas faixas etárias que se ganha o
apetite, ou não, pela leitura", e a disponibilidade para "satisfazer
aqueles pedidos que ninguém quer aceitar, porque dão muito trabalho e pouco
retorno financeiro", que impõem "périplos pelos alfarrabistas, feiras
de usados (...), em busca de um só livro que há muito se encontra
esgotado".
O nome da
livraria tem origem numa passagem de A Sombra do Vento, de Carlos Ruis
Zafón, sobre "um cemitério de livros esquecidos", cheios de pó, que
recordou a Jaime Bulhosa uma história passada com seu pai, em que este lhe
explicou que os livros com pó são os mais importantes, por serem aqueles que
"resistiram ao tempo".
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