Transcrevo, com a devida vénia, um artigo do Público.
A grande falácia do acordo é que não devia haver acordo nenhum… Não havia necessidade... O Congresso brasileiro não aprovou o Acordo de 1945... Durante muito tempo, não entendi e julguei mal a reforma ortográfica de 1911, por unilateral, em relação ao Brasil. Hoje, a minha compreensão é outra. Afinal, em 1911 Portugal esteve certo; a rejeição em 1945, da parte do Brasil, também... Certos, só na medida em que a língua que se fala dos dois lados do Atlântico pelos dois povos, sendo ainda a mesma, não é a mesma e está em lenta, constante evolução. Como tal, não vale a pena querer enclausurar uma delas (o que parece ser o caso) ou as duas numa lógica sufocante complexamente simplificadora. A mutabilidade das línguas está fora de questão, mas não urge acelerá-la. E reformas ortográficas certas não há, pois subsistem formas aceitas como excepção à regra, por consagradas pelo uso. Nas decisões, o convencional está presente...
O VOC ressuscitou ao fim de 14 dias de silêncio, sem comentários. Nuno
Pacheco diz que não os haverá, para que os haja, pois «eles» gostam de
contrariar. Ver o P. S.
***
O
vocabulário oficial do Acordo Ortográfico está morto há dias e ninguém deu por
nada!
Depois da anunciada penúria do IILP, agora foi o VOC.
Quem tentava lá entrar, recebia uma resposta em inglês: “Congratulations!”
Catorze dias depois, reagindo a este texto, ressuscitaram-no.
23 de Janeiro de 2020, 7:30 actualizada às 12:21
Sinto-me honrado. Nunca me deram os parabéns tantas
vezes e em tão pouco tempo. Por algum texto? Por fazer anos? Nada disso. A
história é mais bizarra. Começa numa mania que mantenho com regularidade: consultar
o chamado Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (dito VOC)
do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP),
de nome pomposo e misérrimas vestes, para ver se algo mudou ou para confirmar o
monumental absurdo de tal “empresa”. Devo ser, aliás, um dos raríssimos
visitantes daquela inutilidade, criada na sequência do enorme embuste que foi o
Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
Mas no dia 13, ao clicar no VOC, deram-me os parabéns.
E em inglês: “Congratulations!” Como naquelas mensagens que nos dizem,
matreiramente, que ganhámos qualquer coisa para depois nos levarem à certa.
Pensei que era um erro e insisti: parabéns outra vez. Não podia ser. Tentei
mais tarde e a coisa repetiu-se. Nesse dia e nos seguintes. Até ontem. Esteve
assim durante semana e meia e ninguém deu por nada. Nenhuma explicação, nenhum
pedido de desculpas (género “estamos a remodelar o VOC, voltaremos em breve”).
Silêncio total.
Só a mensagem ali continuava a repetir-se, impassível.
Soube, entretanto, que já no dia 9 alguém tentara entrar no VOC e tivera a
mesma resposta. Primeiro, um “Congratulations!” em letras grandes. Depois isto:
“You’ve successfully started the Nginx Proxy Manager. If you’re seeing this
site then you’re trying to access a host that isn’t set up yet. Log in to the
Admin panel to get started.” Pois. Trocando em miúdos: isto não está configurado;
ou o lugar onde esta coisa estava alojada fechou-lhe as portas. Pelos vistos, o
cheque “extraordinário” de 200 mil euros enviado por Portugal chegou tarde…
Adeus!
Quem não chegou a conhecer o defunto, ainda pode
espreitar uma “foto” esquecida algures no infinito espaço virtual. Basta
carregar em iilp.cplp.org/voc/ e lá aparece a Página Inicial
do dito VOC, mas sem nenhum préstimo, pois apesar de ainda ter algumas ligações
activas, nenhuma delas vai dar ao vocabulário. Lá estão, à esquerda, as nove
bandeirinhas, mas de nada vale tentar clicar nelas. Antigamente, lia-se:
“Selecione [sic] a versão do VOC a usar”. Isto significava carregar numa das
oito bandeirinhas correspondentes aos países da CPLP ou então numa outra, a
nona, que era uma espécie de saco-de-gatos com todas as variantes lá dentro.
Quando funcionava, clicava-se em três bandeiras e não dava nada: Angola,
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe (os dois primeiros países não ratificaram o
AO90; e São Tomé ratificou-o, em condições mais que duvidosas, mas não tem
vocabulário que se veja). As restantes conduziam a cinco vocabulários com nomes
diferentes: Vocabulário Ortográfico Cabo-Verdiano da Língua Portuguesa, Vocabulário
Ortográfico Moçambicano da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico de
Timor-Leste, todos eles incorporando o nome dos respectivos países, e os
dois restantes sem identificação nacional: Vocabulário Ortográfico do
Português (o de Portugal) e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
(o do Brasil). Para quem prometia um Vocabulário Ortográfico Comum, esta
multiplicação é patética.
Quanto ao defunto, e depois de várias buscas, eis que
surge em linha uma luz: um “Concurso Internacional de Design de Projetos do
IILP”, pretendendo dar “a oportunidade a um talento do design de criar duas
marcas para dois projetos” [sic], sendo um deles o VOC. Ora aqui está: o
vocabulário vai ser remodelado, e ainda que péssimo vai ter nova cara. Puro
engano: o anúncio é de 2013 e diz isto [sic]: “O projeto
VOC – Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, visa implementar em
uma plataforma digital o vocabulário oficial da Língua Portuguesa, constituído
de forma inovadora pela soma dos diversos Vocabulários Ortográficos Nacionais
(VON), dos países da CPLP. A partir dos Vocabulários Nacionais de Angola,
Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, o
Vocabulário Comum da Língua Portuguesa, pela primeira vez, incluirá numa grande
base de dados lexicais de gestão comum, o vocabulário de todos os países
escrito na nova ortografia, com inúmeras utilidades, o que abrirá uma fase nova
para a língua portuguesa.” Vírgulas fora do sítio e o “esquecimento” da
Guiné-Bissau são mesmo do texto, aqui em transcrição literal.
É duvidoso que algum “talento do design” tenha
arriscado nome e tempo em tal façanha, pois o resultado, tanto gráfico como
utilitário, sempre foi miserável. A “fase nova” para a língua portuguesa também
está à vista e não se recomenda. O que vão fazer, então, as baixíssimas “altas
instâncias”? Passar mais cheques? Ou aceitar de vez o funeral, levando por
arrasto no féretro o IILP (que sem VOC deixa de ter qualquer justificação) e o
Acordo Ortográfico de má memória, que desuniu em vez de unir o amplo espaço da
Língua Portuguesa? Decidam depressa, que o cadáver começa a entrar em
decomposição e urge o respectivo enterro. E desactivem lá o “congratulations” –
ao menos ali, dêem-nos os parabéns em português!
P.S.: – Anotem esta data: ao 14.º dia de silêncio, o VOC
ressuscitou do seu estado publicamente cadavérico: precisamente às
12 horas e 4 minutos de 23 de Janeiro de 2020, quatro horas e 34 minutos após a
publicação desta crónica. Percebe-se: no estado declarado de penúria em que se
encontra, o IILP não devia ter dinheiro para o funeral. Só
que o morto ressuscitou tal qual fenecera – ou seja, mau. Podiam ter aproveitado
os 14 dias para melhorar alguma coisinha. Mas isso dá muito trabalho. Fácil é
repor o que não presta. E de preferência sem comentários, porque não há nem
haverá (escrevo isto para que haja, já que eles são muito mais rápidos a
contrariar os outros), em todo o sítio do IILP, uma explicação, mais do que
devida, para esta falha anormal e aberrante. Enquanto isso, entretêm-se a
fingir que propagam a língua portuguesa aos quatro ventos no Universo. Pobres
de nós...
https://www.publico.pt/2020/01/23/culturaipsilon/opiniao/vocabulario-oficial-acordo-ortografico-morto-ha-dias-ninguem-deu-nada-1901129
https://www.publico.pt/2020/01/23/culturaipsilon/opiniao/vocabulario-oficial-acordo-ortografico-morto-ha-dias-ninguem-deu-nada-1901129