domingo, 11 de junho de 2023

A Água no Sudoeste Alentejano

Divulgo um texto de pessoa amiga, publicado sem os dois primeiros parágrafos no jornal SUDOESTE.

Revejo-me na atitude do autor, perante a natureza entendida de maneira larga. É assim que tenho olhado para o mundo que nos rodeia. Preocupado. Com uma nova colonização aqui no rectângulo, como chamamos, talvez carinhosamente, ao nosso país.

Queremos que seja um país...
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ÁGUA

Direi, antes de começar, que em 1981 fui um dos três cidadãos, com Jorge Fidalgo e José Pedro Simões, criadores da associação ambientalista SOSSUDOESTE. Iniciativa tímida que viria a soçobrar quando a pessoa que ficou à frente das actividades, passou a confraternizar com Thierry Roussel, mais os ministros de Cavaco Silva que aos fins de semana vinham banquetear-se com o dito empreendedor “inovador da agricultura nacional” (dixit Cavaco Silva) nesta zona agora desfigurada, e que pouco depois da criação da associação, ganhou o estatuto de PAISAGEM PROTEGIDA, mais tarde de PARQUE NATURAL.

Quero por acréscimo, enquanto praticante de uma agricultura familiar, que já em 1985 antes de se perspectivar a falta de água à escala actual, instalei uma rede de distribuição subterrânea com saídas estrategicamente localizadas, complementada com tubagem amovível acima do solo para que a água saísse exactamente junto das culturas a tratar, e, com a chegada da electricidade, a rega com aspersão e gota-a-gota,

 

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Quando o projecto de Roussel faliu deixando os destroços pela área intervencionada, outros lhe tomaram o lugar aproveitando a brecha legal com que Cavaco Silva contradisse a decisão especializada do biólogo Luís Palma do PNSACV.

Testemunhamos a partir de então, o abate de coberto florestal para abrir espaços, e a práticas proibidas dezenas de anos antes na Alemanha, para esterilização dos solos com etanoato de sódio, destinada a eliminar os micro-organismos do ecossistema de base, beneficiando deste modo em exclusivo as monoculturas, com a agravante de, por saturação dos solos, se ter verificado escorrência para o mar com danos acentuados na flora e fauna costeira.

A região de entre Mira e Seixe, tonou-se cobiçada maioritariamente por estrangeiros. O argumento de que estes projectos iriam criar milhares de postos de trabalho esvaiu-se, quando os novos colonizadores descobriram que seria mais barato pagar a intermediários para traficarem gente do sueste asiático, seduzida pela propaganda do “eldorado” português; imigrantes que, como sempre aconteceu ao longo dos tempos, caíram nas malhas de indivíduos e organizações sem escrúpulos, muitas delas criadas na circunstância, e especializadas na exploração de quem mal consegue sobreviver. Grandes beneficiários deste esquema, os novos exploradores alijam responsabilidades que, com a maior paz de espírito, atribuem aos intermediários.

Assim, o que sobra do ganho de quem duplamente explorado aqui vem trabalhar, escoa-se para o outro lado do mundo.

 

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Ouço argumentar, que ficam os impostos das empresas, os descontos para a Seg. Social e as receitas das vendas no estrangeiro.

Lembro a propósito, que uma grande empresa nacional do ramo dos hipermercados, transferiu a sua sede para a Holanda, devido aos impostos serem lá mais baixos. Temos cá colonizadores ingleses, americanos, chilenos, espanhóis, outros, e alguns portugueses. Creio que será ingenuidade admitir que essas empresas de quem escuso dizer os nomes porque não as conheço todas, tenham transferido as sedes fiscais para Portugal sabendo que aqui lhes espera o IRC português. Quanto ao produto das vendas de frutos vermelhos e outros, quase totalmente exportados para essa Europa, quem é que acredita que o dinheiro regressa ao território que possibilita tal riqueza, sabendo-se dos esquemas de transferências tão bem dominadas por especialistas ao serviço dessas internacionais?

Voltando à questão da água, lembro-me de ouvir há mais de quarenta anos, que modelos de previsão climática alertavam para a desertificação do sul de Portugal segundo um processo lento, mas irreversível, das alterações climáticas.

O sudoeste alentejano e o Algarve são desde que há memória, a parcela do território português com o menor índice de pluviosidade. A barragem de Santa Clara foi criada para atenuar essa tendência, considerando modelos de agricultura sustentável, e não as superproduções intensivas e mono culturais que pelo menos em alguns casos, à revelia de legislação protectora, iniciaram a destruição dos sistemas microbiológicos, que são a base de toda a vida e fertilidade dos solos.

Assistimos ao longo dos anos à descida implacável do nível das águas da barragem de Stª Clara, e lembremo-nos, de que as explorações intensivas são responsáveis por mais de oitenta por cento do consumo da água do Mira. Não se tratando já só, da destruição da paisagem considerada há quarenta anos como natural e biologicamente diversificada, essas explorações agrícolas apresentadas como modelo de poupança dos recursos hídricos, estão de facto 24 sobre 24 horas a escoar as reservas.

A água pode vir a acabar? “Depois logo se vê”. Mas atenção aos alheados, que este “logo se vê” está a chegar irreversivelmente, em proporções cada vez maiores.

Diz a experiência que, quando algo proporciona lucro fácil e rápido, mobiliza mimeticamente todos os que querem aproveitar a oportunidade. Quem chegar primeiro, tem sucesso assegurado. Ignoram, ou fingem ignorar, que o que compensa para cinco, leva cinquenta à ruína.

Acaso ignoram os responsáveis pelo ordenamento do território, e pelo Ambiente, a tragédia ambiental e brevemente a económica, que está a acontecer no Parque Doñana no sul da Andaluzia?

Que incapacidade é esta, de aprender com o erro mesmo quando se trata do de terceiros, para tomar as necessárias e urgentes medidas preventivas?

 

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Tardiamente a ministra da agricultura emitiu uma portaria proibindo a implantação de novos equipamentos, excepto os já autorizados. No meu entendimento, também estes deveriam ser suspensos, cumprindo compensações legais, se tal forem devidas.

Fala-se agora, de considerar recursos alternativos para dispor de água, concretamente da abertura de furos. É do conhecimento geral, que muitos agricultores e floreiros se adiantaram ao processo administrativo furando clandestinamente. A propósito desta alternativa chamo à consciência, que a consequência imediata devido à redução dos lençóis freáticos, é a secura de poços, nascentes naturais e a morte de ribeiras, a que se associa a doença ou a morte de indivíduos que compõem a floresta, e que já se verifica. A água no subsolo é perfeitamente comparável ao sistema circulatório de todos os seres vivos. A extracção desenfreada desse sangue telúrico, pode comparar-se à sangria das sanguessugas, quando sugam o sangue dos animais que, sedentos, bebem a água estagnadas dos charcos. Alguém desejará uma terra exangue? Há décadas que os espanhóis construíram transvases com centenas de quilómetros.

Se entre nós, as cheias do Mondego ultrapassam a capacidade de contenção da barragem da Aguieira com ruinosas inundações, como são exemplo as de Coimbra até à Figueira da Foz, porque não a condução dos excessos dos rios de grandes caudais, para as regiões ao sul do Tejo?

Sem impedimento de que isso possa um dia ser concretizado, proponho que sem perda de tempo, se comecem a instalar centrais de dessalinização, pois ninguém duvida de que o oceano, aqui tão à nossa beira, é fonte inesgotável.

E não vale a pena perderem tempo e dinheiro a criar equipas para “estudar” o que já se faz muito significativamente em Israel (90% da água para o país), na nossa ilha de Porto Santo e brevemente no Algarve. Repliquem-se em série as existentes enquanto se melhora a tecnologia, e instalem-se ao longo da faixa costeira, tanto para a agricultura, como, por razões de proximidade, para as populações do litoral. Quanto à energia necessária para o seu funcionamento, não nos falta o sol para centrais fotovoltaicas. E se, antes das sedentas estufas e afins, a água disponível alimentava as necessidades de uma agricultura sustentável (leguminosas de sequeiro, fonte de proteína vegetal e outras que importamos, podendo produzi-las aqui), reservem-se as águas fluviais para uma agricultura sustentável recuperadora da biodiversidade.

Precisamos de racionalidade política que faça uma gestão duradoira da água tendo em atenção o futuro dos naturais e residentes do PNSACV.

Não cortem a água a quem nasceu e vive nesta terra e que precisa dela para viver, em vez de privilegiar quem chegou para colonizar enquanto der e em proveito próprio, aquilo que, até ver, conserva ainda o estatuto de Parque Natural.

Fernando Fonseca

Roma 16 ABR2023 11h40m