Divulgo um texto de pessoa amiga, publicado sem os dois primeiros parágrafos no jornal SUDOESTE.
ÁGUA
Direi, antes
de começar, que em 1981 fui um dos três cidadãos, com Jorge Fidalgo e José Pedro Simões, criadores da associação
ambientalista SOSSUDOESTE. Iniciativa tímida que viria a soçobrar quando a
pessoa que ficou à frente das actividades, passou a
confraternizar com Thierry Roussel, mais os ministros de Cavaco Silva que aos fins de semana vinham banquetear-se com o dito empreendedor “inovador da agricultura nacional”
(dixit Cavaco Silva) nesta zona agora
desfigurada, e que pouco depois da criação da associação, ganhou o estatuto de PAISAGEM PROTEGIDA, mais tarde de PARQUE
NATURAL.
Quero por
acréscimo, enquanto praticante de uma agricultura familiar, que já em 1985 antes de se perspectivar a falta de água à escala
actual, instalei uma rede de distribuição subterrânea com
saídas estrategicamente localizadas, complementada com tubagem amovível acima do solo para que a água saísse exactamente junto das culturas a tratar, e, com a
chegada da electricidade, a rega com
aspersão e gota-a-gota,
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Quando o
projecto de Roussel faliu deixando os destroços pela área intervencionada, outros lhe tomaram o lugar
aproveitando a brecha legal com que Cavaco Silva contradisse a decisão especializada
do biólogo Luís Palma do PNSACV.
Testemunhamos
a partir de então, o abate de coberto florestal para abrir espaços, e a práticas proibidas dezenas de anos antes
na Alemanha, para esterilização dos solos com etanoato de sódio, destinada a
eliminar os micro-organismos do ecossistema de base, beneficiando deste modo em
exclusivo as monoculturas, com a agravante de,
por saturação dos solos, se ter verificado escorrência para o mar com danos acentuados na flora e fauna costeira.
A região de
entre Mira e Seixe, tonou-se cobiçada maioritariamente por estrangeiros. O argumento de que estes projectos iriam
criar milhares de postos de trabalho esvaiu-se, quando os
novos colonizadores descobriram que seria mais barato pagar a intermediários para traficarem gente do sueste
asiático, seduzida pela propaganda do “eldorado” português; imigrantes que,
como sempre aconteceu ao longo dos
tempos, caíram nas malhas de indivíduos e organizações sem escrúpulos, muitas delas criadas na circunstância, e especializadas na exploração de quem mal consegue
sobreviver. Grandes beneficiários deste esquema, os
novos exploradores alijam responsabilidades que, com a maior paz de espírito, atribuem aos intermediários.
Assim, o que
sobra do ganho de quem duplamente explorado aqui vem trabalhar, escoa-se para o
outro lado do mundo.
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Ouço
argumentar, que ficam os impostos das empresas, os descontos para a Seg. Social e as receitas das vendas no estrangeiro.
Lembro a
propósito, que uma grande empresa nacional do ramo dos hipermercados, transferiu a sua sede para a Holanda,
devido aos impostos serem lá mais baixos. Temos cá
colonizadores ingleses, americanos, chilenos, espanhóis, outros, e alguns
portugueses. Creio que será ingenuidade admitir que essas empresas de quem escuso dizer os nomes porque
não as conheço todas, tenham transferido as sedes fiscais para Portugal sabendo
que aqui lhes espera o IRC português. Quanto ao produto
das vendas de frutos vermelhos e outros, quase totalmente exportados para essa
Europa, quem é que acredita que o dinheiro regressa ao território que possibilita tal riqueza, sabendo-se dos esquemas de transferências tão bem dominadas por
especialistas ao serviço dessas internacionais?
Voltando à
questão da água, lembro-me de ouvir há mais de quarenta anos, que modelos de previsão climática alertavam para a
desertificação do sul de Portugal segundo um processo lento, mas irreversível, das alterações climáticas.
O sudoeste
alentejano e o Algarve são desde que há memória, a parcela do território português com o menor índice de
pluviosidade. A barragem de Santa Clara foi criada para atenuar essa tendência, considerando modelos de agricultura sustentável, e não as superproduções
intensivas e mono culturais que pelo
menos em alguns casos, à revelia de legislação protectora, iniciaram a destruição dos sistemas microbiológicos, que são a
base de toda a vida e fertilidade dos solos.
Assistimos
ao longo dos anos à descida implacável do nível das águas da barragem de Stª Clara, e lembremo-nos, de que as
explorações intensivas são responsáveis
por mais de oitenta por cento do consumo da água do Mira. Não se tratando já só, da destruição da paisagem
considerada há quarenta anos como natural
e biologicamente diversificada, essas explorações agrícolas apresentadas como modelo de poupança dos recursos
hídricos, estão de facto 24 sobre 24 horas a escoar as
reservas.
A água pode
vir a acabar? “Depois logo se vê”. Mas atenção aos alheados, que este “logo se vê” está a chegar irreversivelmente, em
proporções cada vez maiores.
Diz a
experiência que, quando algo proporciona lucro fácil e rápido, mobiliza mimeticamente todos os que querem aproveitar a
oportunidade. Quem chegar primeiro, tem sucesso assegurado.
Ignoram, ou fingem ignorar, que o que compensa para cinco, leva cinquenta à ruína.
Acaso
ignoram os responsáveis pelo ordenamento do território, e pelo Ambiente, a
tragédia ambiental e brevemente a económica, que está a acontecer no Parque Doñana
no sul da Andaluzia?
Que
incapacidade é esta, de aprender com o erro mesmo quando se trata do de terceiros, para tomar as necessárias e urgentes
medidas preventivas?
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Tardiamente
a ministra da agricultura emitiu uma portaria proibindo a implantação de novos equipamentos, excepto os já
autorizados. No meu entendimento, também estes deveriam
ser suspensos, cumprindo compensações legais, se tal forem
devidas.
Fala-se
agora, de considerar recursos alternativos para dispor de água, concretamente
da abertura de furos. É do conhecimento geral, que muitos agricultores e floreiros se adiantaram ao processo
administrativo furando clandestinamente. A propósito desta alternativa
chamo à consciência, que a consequência
imediata devido à redução dos lençóis freáticos, é a secura de poços, nascentes naturais e a morte de ribeiras, a que
se associa a doença ou a morte de indivíduos que compõem a
floresta, e que já se verifica. A água no subsolo é perfeitamente comparável ao sistema circulatório de todos os
seres vivos. A extracção desenfreada desse
sangue telúrico, pode comparar-se à sangria das sanguessugas, quando sugam o sangue dos animais que, sedentos,
bebem a água estagnadas dos charcos. Alguém desejará uma terra exangue? Há
décadas que os espanhóis construíram transvases com centenas de quilómetros.
Se entre
nós, as cheias do Mondego ultrapassam a capacidade de contenção da barragem da Aguieira com ruinosas inundações, como são
exemplo as de Coimbra até à Figueira da Foz,
porque não a condução dos excessos dos rios de grandes caudais, para as regiões ao sul do Tejo?
Sem
impedimento de que isso possa um dia ser concretizado, proponho que sem perda de tempo, se comecem a instalar centrais de
dessalinização, pois ninguém duvida de
que o oceano, aqui tão à nossa beira, é fonte inesgotável.
E não vale a
pena perderem tempo e dinheiro a criar equipas para “estudar” o que já se faz muito significativamente em Israel (90%
da água para o país), na nossa ilha de Porto Santo e brevemente no Algarve.
Repliquem-se em série as existentes enquanto se melhora a tecnologia, e
instalem-se ao longo da faixa costeira,
tanto para a agricultura, como, por razões de proximidade, para as populações do litoral. Quanto à energia necessária
para o seu funcionamento, não nos falta o sol para centrais fotovoltaicas. E
se, antes das sedentas estufas e afins, a
água disponível alimentava as necessidades de uma agricultura sustentável (leguminosas de sequeiro, fonte de
proteína vegetal e outras que importamos, podendo produzi-las aqui),
reservem-se as águas fluviais para uma agricultura sustentável recuperadora da biodiversidade.
Precisamos
de racionalidade política que faça uma gestão duradoira da água tendo em atenção o futuro dos naturais e residentes do
PNSACV.
Não cortem a água a quem nasceu e vive nesta terra e que precisa dela para viver, em vez de privilegiar quem chegou para colonizar enquanto der e em proveito próprio, aquilo que, até ver, conserva ainda o estatuto de Parque Natural.
Fernando Fonseca
Roma 16 ABR2023 11h40m