Em 30 de Janeiro de 2023, uma excursão da Universidade Sénior de Torres Vedras — a AUTITV — deslocou-se em visita de estudo a Dornes e ao Centro Geodésico de Portugal, passando também por Vila de Rei (Museu do Fogo e da Resina). As inscrições estavam abertas aos alunos da disciplina de Oficina da Fotografia e a outros que quisessem participar.
Este pequeno vídeo quer
honrar a importância do lugar, pela categoria do marco geodésico padrão e sua
centralidade no país.
O giro que se procurou fazer
(360 graus) é uma saudação a todo o continente português e ao ir dizendo adeus,
com a mão erguida, imaginamos toda a terra que vemos e mais a que não vemos até
às ilhas do Atlântico... Foram momentos de despedida. Fiquei com vontade de
voltar e tocado pelo encanto simples de Dornes..., numa visita breve. Um
vislumbre...
Um agradecimento aos professores António Lourenço Luís e Maria Rita Sarreira, das disciplinas de Oficina da Fotografia e História de Portugal, respectivamente, pela preparação da visita e a distribuição do habitual guião, desta vez intitulado de ROTEIRO FOTOGRÁFICO, com informações lembrando pontos básicos para «fazer» (ia dizer «tirar»!) uma colheita proveitosa de fotografias: a exposição, as regras de composição e sugestões. Muita coisa em «ão», mas é a língua que temos, e não deve ser por acaso que o órgão do sentimento se chama entre nós «coração». A parte histórica coube à Dr.ª Rita, cheia de ensinamentos úteis de história, lenda, arte e aspectos de vida social e política de quem nos precedeu até uns milhares de anos...
*
Começo a escrever, usando o teclado do computador, para filtrar um pouco a alma, sem a perder. A letra manuscrita tem qualquer coisa de pintura ou poesia, mas fique agora um pouco de lado. Poderá mais e poderá menos, neste caso, em que pretendo ser objectivo.
*
— Vamos tomar um café a Dornes? — A Tormes? — A Doornes!
«Vamos tomar um café a Reguengos», disse
um dia o Dr. Miranda ao meu irmão Manuel no final dos anos sessenta. Fiquei
admirado, quando soube desta mudança do lugar diário de convívio no café
Portugal, em Évora. Achei caro!? Compreendo, agora, melhor, como é importante
tomar um café com alguém. O que se agiganta é a distância, o percurso em que
somos envolvidos numa bolha, que desde o momento da partida se dilata e nos
acompanha até à despedida no final do regresso. Já estamos no espírito do café
à partida, junto à estação ferroviária de Torres Vedras, e só quando saímos do
autocarro ao fim do dia a bolha se dissipa. Despedimo-nos, saímos do «café» e
esperamos pelo próximo convite, daqui a um mês… O que digo de dois professores
do liceu de Évora, um em começo de carreira e o outro perto de findá-la,
veio-me à mente. Quem se admirou com o gesto imprevisto, «largo, liberal e
moscovita»[i]
do Dr. Miranda nos anos idos de sessenta, não se admiraria, hoje, conhecendo
melhor quem foi o Dr. Alberto Miranda, e acha natural ir «tomar um café a
Dornes», neste caso, o café propriamente dito, depois de almoço.
Lá fomos, cumprindo o programa: 07:30 – Torres Vedras → Dornes → Vila de Rei (Museu do Fogo e da Resina → Centro Geodésico de Portugal) – 20:30 – Torres Vedras.
A – Dornes; B – Museu do Fogo e da Resina; C – No Centro Geodésico de Portugal Continental
A – Em Dornes
Dornes foi de longe a parte mais
interessante, para mim, pese embora não termos podido entrar na igreja de Nossa
Senhora do Pranto, talvez por ser segunda-feira, dia em que os museus estão encerrados.
Comecei por pensar que Dornes era a terra do engenheiro António Guterres, por
onde já tinha andado em companhia de alguns companheiros de Torres, perto da
aldeia de Nossa Senhora do Cabo, à beira da serra da Gardunha. Não, essa é Donas.
Mas, foi um motivo de interesse… Brinquei, depois, com a etimologia, derivando
Dornes de Dornas, pois às vezes, os povos gostam de dar um ar menos prático às
coisas…E esta derivação antiga vem afirmada no sítio da Câmara Municipal de
Ferreira de Zêzere, afinal… De «Dores» há quem goste para a origem do nome da
povoação e uma lenda acolheu-o, associando-o a Nossa Senhora das Dores (do
Pranto, da Piedade, Pietá). É lenda
referida em documento antigo e ligada a Guilherme de Pavia, feitor da Rainha
Santa Isabel. Vem recolhida no livro de Fernanda Frazão, Lendas Portuguesas, vol. IV, pág. 75-79. Ed. Multilar. Lisboa, 1988.
A paisagem na envolvência de Dornes é
cheia de montes, lembrando como as viagens nestes sítios deviam ser demoradas e
sinuosas. A sensação de algum isolamento, de estarem distantes do litoral, de
Coimbra, de Lisboa deve ter sido sentida para as pessoas daqui. Quase como um
ninho de águia devia parecer Dornes, quando o rio Zêzere mais deixava ver as
margens fundas e talhadas quase a pique…
Estavam, contudo, relativamente perto de Tomar, sede da Ordem dos
Templários, a que estavam ligados, religiosa e civilmente, de que é testemunho
a inscrição na pedra embutida na parede ao lado esquerdo da porta da fachada
lateral sul. Os nomes de algumas ruas, e são poucas, felizmente não foram
mudados, pois ajudam a ter a perspectiva do viver de séculos. Rua Guilherme de
Pavia, Rua da Barca, Rua de Nossa Senhora do Pranto, Rua da Rainha Santa
Isabel. Sem excluir a actualidade, pois o Padre Artur Mendonça das Neves é
recordado em nome de rua e, ainda, junto a parede da igreja matriz em fonte que
é um pequeno monumento e momento comemorativo; ostenta sobre secção de coluna
placa de mármore, com homenagem ao sacerdote, na seguinte inscrição:
DOS
PAROQUIANOS DE DORNES / COMO PROVA DE GRATIDÃO / NO DÉCIMO ANIVERSÁRIO DE
PRESENÇA E SERVIÇO ENTRE / NÓS DO PÁROCO PADRE / ARTUR MENDONÇA DAS NEVES /
DORNES 12 DE OUTUBRO 1968
Almoçámos na Associação de Melhoramentos,
Cultura e Recreio de Dornes, tempo sempre especial de encontro.
Há um sinal moderno em casa da Travessa
das Escadinhas, indicativo de alojamento local – AL. Esta travessa nasce na Rua
Guilherme de Pavia, muito perto, também, da Rua da Barca, sinal de ter sido
caminho para o local de atravessamento do Zêzere. Do lado de lá é distrito de
Castelo Branco (já não há distritos, mas que os há, há…), Do lado de cá,
Santarém. Em termos religiosos, pertence à diocese de Coimbra.
A Rua de Nossa Senhora do Pranto está
nestes dias despojada de escola primária e de sede da Junta de Freguesia, localizada
na Frazoeira, com a designação de Junta de Freguesia de Nossa Senhora do
Pranto, criada por agregação das freguesias de Dornes e Paio Mendes, pela Lei
n.º 11-A/2013, de 28 de Janeiro.
Dornes tem posto de Turismo. Deixamos uma menção aos percursos de caminhada e às pequenas ilhas, nascidas com a subida das águas, devido à barragem do Castelo de Bode.
Está situada numa pequena península, comprida e estreita, como um bico de águia a ensaiar o voo sobre a albufeira do Zêzere.
B –
No Museu do Fogo e da Resina
Neste museu podemos observar em imagens e
textos exemplos da importância do fogo, desde há cerca de 500 000 anos na
vida do Homem, primeiro para cozinhar alimentos e, depois, para fins
industriais, na cerâmica e na metalurgia… «[…] há cerca de
3 000 anos o povoado do Cerro do Castelo, na freguesia de Vila de Rei, foi
destruído pelo fogo, levando a sua população a construir muralhas defensivas.»
«Neste período, o fogo está também presente nas cerimónias de morte, atestado
nos rituais de cremação.» Na relação com o fogo é lembrada «a importância da
floresta e a arte tradicional da exploração da resina».
O Museu do Fogo e da Resina está instalado no edifício que foi da Delegação Escolar e dispõe de sala de exposições, pequeno auditório e loja de recordações (Segui nesta secção o Roteiro...)
C – No Centro Geodésico de Portugal
O Centro Geodésico de Portugal inclui no seu espaço o Museu da Geodésia,
inaugurado em 2002, no âmbito de uma parceria entre o Instituto Geográfico
Português e a Câmara Municipal de Vila de Rei. Ali se encontram painéis com
imagens e textos esclarecedores do visitante. São-nos apresentadas a história
dos antecedentes e primórdios da construção deste marco geodésico e a evolução
científica que o tornou possível. O museu «reúne, entre outros instrumentos, o
Nível de Precisão de Brito Limpo, a Luneta de Passagem Repsold ou o Cronógrafo
Favag». **[ii]
Conta, ainda, com bar e loja de recordações. Junto ao marco geodésico padrão
TF4, em placas comemorativas e num dos lados da pirâmide (de primeira ordem),
há informações relevantes.
Era preciso regressar e com quase toda a gente já nos seus lugares, foi-nos
lançado um lembrete, um apelo a que se fizesse fotografias, aproveitando o
pôr-do-sol. A montanha, com a sua aura sagrada e a luz privilegiada da hora,
assim impunham. Um pequeno grupo de voluntários respondeu à chamada, dirigiu os
passos na direcção do poente e, serenamente, em intimidade com a sua máquina,
fez o que tinha a fazer, salvando a honra do numeroso grupo.
Com paragem numa área de serviço, terminámos a jornada à hora prevista, junto à estação da CP - Torres Vedras.
[i] Àlvaro de Campos, em OBRAS COMPLETAS DE
FERNANDO PESSOA, II, POESIAS DE ÁLVARO DE
CAMPOS, pp. 126-129. Lisboa, Edições Ática, s/d.
[ii] Consultei, também, o artigo de
Célia Domingues, em e-cultura.pt/património…, intitulado «Museu da Geodésia».
P. S. - Ficou por ver, devido ao facto de o templo estar fechado, contrariamente ao que se tinha acordado, a igreja de Nossa Senhora do Pranto, que só por si justifica uma deslocação a Dornes. Entre outras coisas, pelos azulejos, oito imagens do século XVI, em pedra, de que se destaca a de Santa Catarina, e uma pintura sobre madeira, do último terço do século XVI, O Descanso na Fuga para o Egipto.
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