Chega
a época de Natal, com o dia mais pequeno do ano e a noite mais longa. Frio e
calor, à volta de um cepo de sobreiro à porta da igreja ou junto ao cruzeiro. Dou
comigo a lembrar o tempo de criança. Havia a missa do galo e, depois, convívio na
sala-cozinha. Na chaminé, o fogo e o foco de intimidade. A melhor iguaria seria
o pastel de grão, feito em casa. Preparava-se a massa (farinha, ovo, sal…),
estendida, com um rolo; em cima, punha-se um montinho com uma colher – o doce
de grão –, virava-se a «folha» de massa de modo a as duas extremidades se
sobreporem, os dedos marcam o sítio onde está o doce para colar e a carretilha,
rodeia, em jeito de meia lua, cortando no lado do encontro das duas metades da
«folha». Deixa biquinhos, uma espécie de serrilha.
O
dia mais pequeno e a noite mais longa simbolizam o recolhimento, a
concentração, nas famílias e em comunidade; alegria, amor, consciência do
sofrimento de alguns. Mesmo a natureza sofre e dela somos parte. A noite de 25
de Dezembro é iluminada pela celebração do nascimento de Jesus; nasce todos os
anos e a natureza com Ele, na tradição arreigada na terra portuguesa…
Tenho
vindo a pensar há algum tempo numa coisa humilde, de barro, quase confundível
com lama, coisa normalmente depreciada. De barro se diz na Bíblia que somos
feitos, querendo lembrar a nossa condição transitória. E a mensagem do Natal é o
convite, a exortação a procurar, construir, salvar o que mais importa: as
pessoas, em viver solidário. Em pequenas e grandes atenções e tarefas.
Na
ceia de Natal, em criança, certamente não pensava no púcaro. Se pensasse, havia
de encontrá-lo, ao menos na «pucareira», espaço ao canto, ao lado da chaminé,
com o cântaro, a bilha, a panela e outra louça. Aos poucos, a certa altura
comecei a pensar. Procurei, tenho procurado e não encontro o púcaro. Sei,
agora, que há o púcaro rico, mas só conheci o púcaro pobre, de barro. É este
que procuro reencontrar.
Quando
li ALGUMAS PALAVRAS A RESPEITO DE PÚCAROS
DE PORTUGAL, de Carolina Michaëlis, chamaram-me a atenção a tese muito
provável por ela defendida «de que púcaros
e búcaros* têm a sua pátria na
Península», contra «o dogma antigo das origens americanas», (p. 10), o facto de irem
à mesa de reis para matar a sede e outros usos, pouco vulgares entre nós, ao
contrário de Espanha, como seja a bucarofagia, púcaros odoríferos, pôr flores e
humidificar certos aposentos… E mais ainda me terá chamado a atenção a completa
ausência do púcaro mais popular, a que chamo pobre, nas imagens publicadas. Só
são apresentados exemplos de púcaro com bojo ou bochechas, como se lê nos
versos de Afonso Lopes Vieira e nem um com a forma cilíndrica que trago na
memória e de que encontrei confirmação junto de várias pessoas com quem falei e
me pareceram dignas de fé.
O
púcaro «rico» ia à mesa de reis, pela qualidade do barro, a porosidade, que
fazia chiar quando se enchia, sobretudo quando era novo e refrescava a água. Todavia,
era usado apenas uma vez…
Para
concluir, devo confessar o espanto e alegria, ao descobrir pela boca do dono da
Olaria Armando Caetano em Pinhal de Frades – Ericeira que o «púcaro rico»,
previamente esvaziado de ar, era usado para curar dores nas costelas,
encostando-lhe a boca à zona dorida. Um meu conhecido a viver no Sarge e
natural do vizinho concelho do Sobral conta o caso de dois endireitas, pai e
filho, que faziam o mesmo com um copo de vidro, vendo-se a carne do paciente
ser aspirada pelo copo-ventosa como pequena bola.
*
Búcaro é o equivalente castelhano do português púcaro.
P. S. A definição mais simples que encontrei é a que vem a seguir à terceira imagem, abaixo. O «senhor de idade aproximada à minha», de boa presença, tinha ar de pessoa conhecedora.
Sobreiro,
7 de Abril de 2018
Na
aldeia do Sr. José Franco
Um
senhor de idade aproximada à minha: o púcaro tem o bordo recurvado para fora e
uma asa. É de chacota (não envernizado).
***
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10003.001.023http://mmap.cm-stirso.pt/proto-historia/
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=121970
https://books.google.pt/books?id=URhxSzKOEZoC&pg=PA577&lpg=PA577&dq=p%C3%BAcaro+penado&source=bl&ots=y8-DFu3kFV&sig=iVPGz9Y2fNru75qZ05aEdhw7bjE&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwiFkojGiM_eAhWRyYUKHf3UAEQQ6AEwAHoECAkQAQ#v=thumbnail&q&f=false
https://www.uc.pt/uid/celga/recursosonline/cecppc/textosempdf/24avisitadasfontes (Índices de Formas e Concordâncias)
Tirar nabos da púcara
Avô Zé, com as tenazes “conchegava” os chamiços que
ardiam; avó Ana encostava o púcaro de barro ao brasido cheio de água da Fonte
Velha, quando começava a ferver deitava para dentro uma ou duas colheres de
café, era tão bom, tão bom, perfumava toda a casa.
Para assentar, punha dentro do púcaro uma
brasa; sabia tão bem!
(http://dosenxidros.blogspot.com/2017/10/)
https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Meninas_(Vel%C3%A1zquez)
https://www.khanacademy.org/humanities/ap-art-history/early-europe-and-colonial-americas/reformation-counter-reformation/v/vel-zquez-las-meninas-c-1656
https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Meninas_(Vel%C3%A1zquez)
https://www.khanacademy.org/humanities/ap-art-history/early-europe-and-colonial-americas/reformation-counter-reformation/v/vel-zquez-las-meninas-c-1656
Recorte da imagem de wikipedia commons, Museu do Prado, google earth