9 de Abril de 2025
Ao meu irmão Manuel
... dedico este encontro com Espiga na sempre saudosa e presente Estremoz (é assim que a sinto, sempre que volto a pisar o seu chão). Penso que andámos os dois nesta visita. Lembro a amizade entre ambos de que fiquei a saber já tarde, no outono das nossas vidas. O Manuel deslocou-se ao Porto, na ocasião do falecimento de Espiga Pinto. Conviveu com ele, entre outros rapazes em Évora, no período de 1956/1957 (viveu em Évora sem se matricular), 1957/1958 e 1958/59. Em 1959/1960 foi para Lisboa. Espiga frequentou a ESBAL -- Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa entre 1957 e 1960.
*
Saídos da exposição OS ESPANCA -- Histórias de Uma Família Singular, demandámos o sítio da Adega-Restaurante Howard's Folly, em cujas instalações está a galeria com a mostra de obras de Espiga. Pelo que me disseram na Biblioteca, ideei um caminho simples: poucas dezenas de metros até ao Rossio do Marquês de Pombal, ladeá-lo até à Avenida 25 de Abril (com pequenino e lindo «Scala» de Milão, o Teatro Bernardim Ribeiro), pouco antes da parte final entroncando na Avenida Tomaz Alcaide e entrando na Avenida 9 de Abril. Tomamos a direita e vamos seguindo, que no seu termo é o nosso destino. Adiante, os olhos, ainda a uma certa distância, encantam-se com o mural do que foi «cantor no palco e na vida», do outro lado da via. Atravessamos e queremos ver mais de perto. O edifício deve ter feito parte das instalações da CP.
Chegamos, enfim.
***
Depois de ver a exposição, passei a conhecer o José Manuel Espiga Pinto um pouco melhor (já o conhecia, sim, bastou a pintura numa das paredes do Centro Educativo Alice Nabeiro (1) que fez em poucos minutos perante crianças a ver surgir um rosto, o busto de camponesa, com gestos-pinceladas circulares). Aquela camponesa, linda, elegante, parece habitá-lo e vir juntar-se às tintas na paleta do autor, descendo da sua alma à tela. Há outras presenças de mulheres, desta falamos... Aqui a encontrámos em Estremoz em mais do que um quadro...
Fui contrastar a imagem que formei com alguma leitura e a em que me revejo e aprendo é a do artigo de Luísa Cardoso (2). Espiga oferece-nos o olhar sobre o mundo que o rodeava e bebeu, criança, em Vila Viçosa, qual leite materno. Na Vila Bela (Calipolis), coroada pelo suave monte do castelo e da igreja de Nossa Senhora da Conceição, foi criança, o Paço, conventos, igrejas, casas senhoriais, outras mais modestas, num conjunto formoso e branco, com memórias da família real e, antes, ducal!, tudo foi absorvendo, avidamente, sem dar por isso. Alimentava-se do ar. Não se vive do ar, dizemos, às vezes. Mas, sim, há ar e ar. Pelo ar lhe vinha a família, as pessoas, na obra da série Alentejo, os campos, os trabalhos e os dias.
Em menino, o céu, o mistério e encanto infantil, de que se pode ter um eco na parte de carta (linda) escrita pelo menino José Manuel, exposta na mesa com fotografias que adiante reproduzimos.
Dele se disse ser a obra dos anos 60 «uma espécie de neo-realismo» tardio, o que indica alguma aproximação; o que sobressai é uma visão serena, ironia e sentido festivo. José-Augusto França situa-o no terceiro modernismo. No quadro Sem Título (Camponesas), o fundo, com apenas sugestão de outra mulher atrás, diz profundidade, elas parecem levitar, irreais e modernas, incompletas na sua aparição...
O desenvolvimento posterior já é aparente nos anos 60. Passagem da superfície ao volume, do bidimensional ao pluridimensional, os corpos, o cosmo. Releva nele desde sempre o gosto, a envolvência, o caminho na criação de comunidade.
Hernâni Matos (3) perguntou-lhe uma vez, em entrevista que de momento não consigo localizar, se era neo-realista e sobre a sua sensibilidade política e Espiga confirmou o neo-realismo e o gosto, a alegria pelo 25 de Abril.
Alguns escritores neo-realistas: Manuel da Fonseca, Alves Redol... (A Barca dos Sete Lemes), o autor de O Trigo e o Joio (Fernando Namora), Vergílio Ferreira nos primeiros livros. Pintores, ilustradores... Manuel Ribeiro de Pavia...
Também gosto de Urbano Tavares Rodrigues. E sobre o Alentejo (e não só), Manuel Ribeiro, infelizmente com um único romance editado em período mais próximo do tempo presente, notável, A Planície Heróica. E Garibaldino de Andrade, com Sete Espigas Vazias e o pequeno-grande livrinho O Homem e o Sardão, a sua melhor obra, para o amigo Raul Cóias, que sobre ele falou em sessão no âmbito do seu trabalho cultural na Câmara de Ponte de Sor.
Alguém bate à porta...
-- Entre!
É Domingos Monteiro.
Obs.: No final, pode explorar as hiperligações, ver a secção Provas, Frases, Curiosidades e, como complemento à parte «Espiga, por si mesmo», visionar a extraordinária entrevista do escultor, pintor e mais e mais. Cheia de encanto e simpatia, da parte do entrevistado e da entrevistadora... Escultor lhe começa por chamar Raquel Santos. A resposta de Espiga põe em primeiro lugar, o desenho; desde sempre que o ser humano nos deixou pinturas nas cavernas, o desenho. Podíamos dizer: no princípio era o desenho. O desenho, o gesto, a escrita simbólica, a escrita. A geometria, estrutura do universo; nos próprios gestos, em pinturas suas, vai, mais tarde descobrir a estrutura geométrica, o número de ouro. O exemplo do girassol... Os canteiros de Vila Viçosa, os escultores, vão tirar dum bloco de pedra a escultura que lá estava dentro. Esta visão da obra que estava escondida na pedra teve-a em menino e rapaz, na sua terra. O fascínio, ... o fascínio, ... o fascínio é palavra que sai e torna a sair dos lábios do José Manuel, saída do seu interior. Deslumbramento, também... E a espera pelo dia seguinte. O dia seguinte é que importa...
O CAMINHO PARA LÁ
1. Biblioteca Municipal 2. Edifício que albergou o Orfeão Tomaz Alcaide no piso superior. Actualmente, o orfeão tem a sua sede no Centro Cultural Dr. José Lourenço Marques Crespo.
As setas indicam o percurso. O endereço de Howard's Folly, com alçado também para a Avenida de Santa Isabel, é Rua General de Norton de Matos, n.º 13.
À direita, na porta a seguir a esta, no mesmo conjunto edificado, se entrava para as instalações do Orfeão Tomaz Alcaide. A cidade tem, ainda, placa comemorativa na casa em que o cantor nasceu, outra no Teatro Bernardim Ribeiro, estátua, da autoria de Domingos Soares Branco, inaugurada por Mário Soares em 1987 e mural no edifício anexo à antiga estação de caminhos de ferro de Estremoz.
LÁ
Beleza no interior
Alegria
À entrada da galeria, lado esquerdo
À entrada da galeria, lado esquerdo
Cavalo em festa
1966
xilogravura sobre papel
66 x 48,5 cm
À entrada da galeria, lado direito
Carro de Palha
1965
xilogravura sobre papel
59 x 44,5 cm
Aspecto da galeria, a partir da entrada
Sem título (Camponesa)
1960
sanguínea sobre papel
61 x 43 cm
Mulher Roda
1962
bronze com base em pedra calcária
35 x 25 x 31 cm
Roda
1965
acrílico sobre madeira
122 x 180 cm
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Feira 1963 técnica mista sobre papel 42,5 x 57 cm |
Sem Título (Homem com mulas)
c. 1962
tinta-da-china e aguarela sobre papel
54 x 46,5 cm
Sem título (Carro)
1965
acrílico sobre papel
44 x 58 cm
Sem título
c. 1966
têmpera sobre madeira
38,5 x 11,5 cm
Sem título (Par de coices)
1966
têmpera sobre madeira
50,5 x 22,3 cm
Sem título (Cavalo em festa - cabeça)
1967
têmpera sobre madeira
38,5 x 11 cm
Touro
1966
óleo sobre madeira
121 x 122 cm
Camponesa com pendão de festa
1965
técnica mista sobre papel
47,5 x 33 cm
Touro
1964
técnica mista sobre papel
51,5 x 20 cm
Sem título (Homem a cavalo em festa)
1966
técnica mista sobre papel
47 x 18,5 cm
Ceifeira
1966
tinta-da-china sobre papel de cortiça em base de tela
138 x 78 cm
Sem título (Cavalo)
1966
tinta-da-china sobre papel de cortiça
28 x 18 cm
Série Alentejo
1962
tinta-da-china e aguarela sobre papel
29 x 62 cm
Sem título
1962
tinta-da-china e aguarela sobre papel
37 x 35 cm
Sem Título (Mulher à janela)
tinta-da-china e aguarela sobre papel
33 x 16 cm
Sem título (Senhora ao postigo )
c. 1962
tinta-da-china e aguarela sobre papel
16 x 15,5 cm
Na parede do fundo
Sem título (Camponesa)
1966
guache e tinta-da-china sobre papel
70 x 39 cm
Lado direito
Sem título
c. 1966
têmpera sobre madeira
38,5 x 11,5 cm
Sem título
1964
acrílica sobre cartolina
50 x 35 cm
Sem título
1964
acrílica sobre cartolina
50 x 35 cm
Caiança
1963
acrílico sobre papel
27 x 19,5 cm
Sem título
1966
têmpera sobre madeira
20 x 40,5 cm
Sem título
1966
têmpera sobre madeira
18,5 cm x 30 cm
Sem título
1966
técnica mista sobre madeira
16,5 x 23 cm
Sem título (Lavra)
c. 1968
têmpera sobre madeira
15 x 30 cm
Sem título (Camponesa com chapéu)
1963
bronze com base em pedra calcária
36 x 3 x 6 cm
Sem título (Camponesas)
1966
tinta-da-china sobre papel
23 x 19 cm
Sem título (Duas camponesas
1964
técnica mista sobre papel
33 x 38,5 cm
Sem título (Camponesa)
1965
tinta-da-china sobre papel de cortiça
49, 5 x 25,5 cm
Sem título (Camponesa - cabeça)
1965
tinta-da-china sobre papel de cortiça
13 x17 cm
Sem título (Homem a cavalo)
1965
tinta-da-china sobre papel de cortiça
15 x 11 cm
Série Alentejo
1964
tinta-da-china sobre papel de cortiça
70 x 75 cm
Série Alentejo
1962
tinta-da-china e aguarela sobre papel
53 x 49 cm
***
*
***
Edição de Tartaruga, Porto
289 mm x 200 mm x 30 mm, 535 p., © 2003
Depois da assinatura, Espiga escreve «2004» (p. 3)
O mesmo
*
Espiga Pinto no CEAN em 2008
Para a Escola / Centro Educativo Alice Nabeiro
ESPIGA
2008
Campo Maior
*
(1) «À direita, um quadro na parede fascinou-me. Está ali tão bem... É quase uma bandeira do CEAN (cé-ã). Contou a senhora directora-executiva que Espiga Pinto, primeiro, explicou às crianças, como pintava, misturava as tintas, e depois, já com as coisas preparadas, noutro local e perante o mesmo público infantil começou a pintar. Os seus gestos largos, esboço de círculos... Imagino repetidos movimentos de dança com o pincel, um ballet. Aí, gerou-se um silêncio total. Religioso. De espanto?» (Visita na festa final de ano, 30 de Junho, 2015)
(2) Ver no segundo linque, abaixo.
(3) Ver o que mais diz Hernâni de Espiga Pinto e das marcas que deixou em Estremoz, no sexto linque apresentado a seguir e nas frases dele extraídas na secção PROVAS, FRASES, CURIOSIDADES...
.***
https://gulbenkian.pt/cam/read-watch-listen/doacao-de-obras-de-espiga-pinto (artigo de Luísa Cardoso)
terceiro modernismo
PROVAS
FRASES
CURIOSIDADES
Espiga, por si mesmo:
«"Pés na terra, cabeça no cosmos, ilustra o que sou, o que vivo e o que penso", refere Espiga Pinto, evocando a atitude por si assumida já na década de 70, quando começou a introduzir a simbologia cósmica no seu trabalho. (No blogue: https://espigapinto.blogspot.com/2011/06/)
«Nas palavras do próprio artista, tomara a decisão de "Cantar o Alentejo" revisitando os "campos, o trabalho, os camponeses e cavalos, numa simbiose entre a dureza do trabalho de sol a sol e a vivência da tradição do vestuário, das feiras, dos lagares de azeite, das festas populares, religiosas-pagãs, as festas do acabamento da apanha da azeitona..."» (Luísa Cardoso, ver também a nota [3] no seu artigo)
*
Neo-realismo, terceiro modernismo
Uma «espécie de neorrealismo tardio, já nos anos 1960 e 1970, mas onde era possível vislumbrar uma capacidade de autoironia e mesmo humor». (David Santos, Público, 1 de Outubro de 2014)
«O historiador de arte José Augusto França coloca-o na "terceira geração de artistas modernistas portugueses".» (https://espigapinto.com)
«Apesar de esta caracterização da sua produção ser acertada na sua generalidade, esta doação permite problematizá-la. As obras datadas da década de 1960 apresentam, na sua maioria, temáticas do mundo rural alentejano com afinidades neorrealistas, mas não só a sua expressão formal varia, como observamos já a presença da abstração.
Obras como Sem título, 1960 (inv, 20DP4647), ou Sem título, 1966 (inv. 20DP4648), exploram o tema da camponesa com uma expressão plástica bastante próxima de algum modernismo português mais convencional.» (https://gulbenkian.pt/cam/read-watch-listen-doacao-de-obras-de-espiga-pinto/)
Ver, também, os parágrafos seguintes, neo-realismo, seriedade ou angústia, denúncia da injustiça: «Ora, nas obras de temática rural de Espiga há uma ironia e jocosidade que se afastam desse aspecto emocional. O artista representa o mundo rural que lhe é familiar, sobretudo na sua expressão mais alegre e festiva, com humor e ironia.»
*
Os anos 60, os anos 70 e a possibilidade de criação de comunidade
«O imaginário de Espiga nos anos de 1970 concilia tecnologia, ficção científica, poeticidade ou misticismo cósmico e elaboração de uma utopia onde parece reconhecer na arte o potencial de reconectar as pessoas e criar uma sociedade alternativa.»
Vemos que da bidimensionalidade se evolui para a tridimensionalidade e a «representação de um mundo rural se transmuta na criação de uma simbologia cósmica. A unir os dois momentos, a mesma crença numa possibilidade de criação de comunidade.»
(Do último parágrafo do texto que temos vindo a apresentar e merece ser lido na íntegra.)
Espiga Pinto em Estremoz e as marcas que ali deixou:
«Em segundo lugar, foi igualmente decisivo ter conhecido Espiga Pinto na minha juventude, pois eu frequentava o Externato Liceal de São Joaquim e o pintor, seis anos mais velho do que eu, era professor de Desenho na Escola Comercial e Industrial de Estremoz, o que aconteceu no período 1960-1965. Foi a época em que deixou marcas da sua intervenção no café Águias de Ouro, com trabalhos de forte registo etnográfico, que me fascinaram desde logo. Era presença habitual na Livraria e Papelaria Aníbal, a qual eu também frequentava. Todavia, só em 2018 comecei a adquirir trabalhos seus.» (texto incluído em mensagem, sexto linque, acima)
Esboços, desenhos
«Alguns destes desenhos serão concretizados tridimensionalmente (sendo assim estudos para esculturas, projectos de intervenção urbana e performances, tal como podemos observar em algumas vistas de exposições reunidas no blogue do autor (a Lanterna Onírica surgirá com alguma recorrência) e em registos audiovisuais de instalações e performances do artista.
(Este excerto refere-se ao happening na Casa da Carruagem; a nota
[5] envia-nos para
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/exposicao-de-espiga-pinto/; a nota [6]
leva-nos a RTP - ESPAÇO ARTE - OFICINA DO ESPIGA (6.º episódio) ,
https://www.youtube.com/watch?v=tm839BW9KUU&t=132s.)
*
Espiga Pinto e o Cineclube de Estremoz
«A exposição é composta por materiais produzidos pelo cineclube, em que o cuidado gráfico, as gravuras originais (de homens como Aníbal Falcato Alves, António Quadros, Armando Alves, Espiga Pinto e Rogério Ribeiro) e a qualidade dos textos, apresentados nos boletins e programas, dão conta da enorme preocupação e empenho na divulgação do cinema.» (Exposição comemorativa, 2 a 20 de Abril de 2024.)
Livro anunciado sobre a Vida e Obra de Espiga Pinto
Presentes no acto inaugural da exposição, em 16 de Março, alguns ex-alunos de Espiga Pinto
«Depois de falarem entre si, esses antigos alunos de Espiga Pinto, tiveram oportunidade de falar também com os filhos do pintor, Aurora e Leonardo, ficando a saber que os mesmos têm em preparação um livro, visando perpetuar a Vida e Obra do Artista. Conclui-se então que tinha bastante interesse recolher informação que permitisse traçar o perfil biográfico de Espiga Pinto, enquanto professor da Escola Industrial e Comercial de Estremoz. Para tal é importante o depoimento daqueles que na época foram seus alunos.»
(Do texto de Hernâni Matos, 17 de Março de 2025, reproduzido no facebook dos Antigos Alunos das Escolas de Estremoz no dia seguinte, de que se transcreve, ainda: «O signatário da presente nota informativa, foi encarregue pelos filhos do pintor, de organizar este Encontro, pelo que vos solicita o seguinte: (...)»
«Foi assim que no último dia da exposição e no local da mesma, foram recolhidos a partir das 15 horas, os testemunhos individuais de antigos alunos que foram gravados em vídeo para memória futura. Presentes António Mourato, Arcângela Figueiredo, Conceição Baleizão, Filomena Proença, José Manuel Varge, Hilário Modas, João Proença, João Fortio, José Capitão Pardal, José Luís Garcia e Teodora Mau-Homem Dimas. No final do Encontro era visível a satisfação patente nos seus rostos após o relato da sua vivência com o professor e pelo reencontro de alguns que já não se viam há bastante tempo.
*
A bem do universo
No seu blogue, (ver, acima, primeiro linque), a última mensagem, publicada por Tartaruga Editora em 6 de Novembro de 2014, e primeira para quem o visita, reproduz a imagem de Nossa Senhora da Conceição e a Oração a Nossa Senhora Mãe Divina, com um pedido e apelo «exclusivamente a bem do universo». Na última linha, a palavra, «amém», à esquerda, e no outro extremo em simetria, «Espiga». Abaixo, estas palavras, ao centro
José Manuel Espiga Pinto
Vila Viçosa, 16 de Março de 1940
Porto, 1 de Outubro de 2014
Esta oração saiu no livro de Manuela Morais, 55 Orações Marianas, editora Tartaruga Editora, Dezembro de 2013, e vem, também, transcrita no blogue, em 11 de Julho de 2014, com a indicação: «Capa, Desenhos e esta Oração - ESPIGA».
Entrevista
a Espiga Pinto, escultor, realizada por Raquel Santos,
no atelier do pintor, em Vila Viçosa, 4 de Maio de 2006
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/espiga-pinto/
Entrevista
a Espiga Pinto, escultor, realizada por Raquel Santos
Música...
Começa
a entrevista.
—
Seja bem-vindo ao Entre Nós; estamos em Vila Viçosa no atelier do escultor
Espiga Pinto, nosso convidado de hoje. Espiga Pinto, muito obrigada por ter
aceitado o nosso convite. Tem uma obra multifacetada, que se divide entre a
escultura, entre a pintura, a serigrafia, mas também a medalhística, e também
já trabalhou em tapeçaria. Se tivesse de eleger uma destas expressões
plásticas, qual seria para si a nuclear?, a escultura, imagino…
—
Talvez, mas essencialmente, antes da escultura, o desenho…, depois, a escultura
e, depois, o cinema. É um fascínio…
—
Porque, também, fez cinema na década de 70, creio.
—
Sim, sim, sim…
—
Trabalhou para [fiz] a televisão…
—
Sim…, sim. Fiz vários filmes sobre a…
—
Duas séries de filmes [Pois…], de trinta minutos cada.
—
De cada, certo. E é um fascínio, o cinema, ainda espero fazer um dia uma longa
metragem.
—
E a temática, tinha tudo que ver com isto.
—
Só desenho. Era, a temática, era o desenho, a forma, a luz, a cor, a
tridimensionalidade, a bidimensionalidade, mas tudo integrado no quotidiano.
—
Nuclear é, assim, portanto, o desenho… Tudo começou com o desenho?
—
Não. O desenho é essencial para fazer seja o que for. Qualquer construção que
nós imaginamos ou criamos, a estrutura inicial é a do desenho. E quando
queremos explicar algo muito rapidamente é através do desenho. Já na
pré-história assim era, já alguma coisa, as imagens começavam a aparecer na
mente de nós, como seres humanos, não é?, para comunicar, havia os gestos, a
mímica e, logo a seguir, havia o riscar, o riscar na areia, no chão ou no barro
ou na terra, como sinais, não é?, como símbolos, depois, afinal, a partir dum
dado momento nós temos de fazer o início do desenho, quer dizer, a
essencialidade do desenho como expressão do ser humano. Depois, transformou-se
em escrita, primeiro, a escrita simbólica e depois a escrita, os critérios de
escrita, e hoje nós comunicamos através da palavra, mas não pomos de parte os
livros, mesmo com toda a grande quantidade dos meios de comunicação que
existem, a escrita e o desenho são essenciais.
—
Mas, também, o poder de observação, que em si e canalizado para as artes
visuais, surge muito cedo o reconhecimento dessa observação surge muito cedo,
porque tive oportunidade de ler uma entrevista sua já de alguns anos em que
refere a importância que tinha para si observar a pintura de um determinado
pintor, que era feita junto ao castelo, desta localidade onde nos encontramos,
mas, também, da observação directa das pessoas que passavam à sua porta, das
situações quotidianas que o marcaram e que tiveram uma entrada muito directa,
também, em muitas das suas obras!...
Sim,
é essencial. Toda a minha vivência da minha infância foi muito marcante, não só
em termos de imagem, como em termos de sentimentos, era uma família que gostava
de ser afectuosa, não é?, por isso, a afectividade partia, digamos, de todos
nós para todos nós. E havia uma, uma…, um fascínio da minha parte, de ir para a
janela ver, não é?, o que se passava e naquela altura era com grande frequência
que aparecia os burros, os cavalos, as pessoas a cavalo, os carros, não é?,
porque havia várias cocheiras, inclusive na minha rua…, não é? E fazia parte do
quotidiano.
—
Aqui, em Vila Viçosa?
—Aqui,
em Vila Viçosa. Era parte do quotidiano. O meio rural era desenvolvido. E todas
as pessoas tinham hipóteses de, ou tinham um cavalo ou tinham uma mula para ir
ao campo ou tinham um carro por razões de trabalho, não é!?, e por isso vivia
rodeado da família, que eram…no fundo, era a minha família mais feminina, não é
? O meu pai estava mais distante, tinha o seu trabalho, mas em casa era a
família feminina, não é!? A mãe, a minha tia, a minha avó, as empregadas, as
minhas primas…
—
Era uma família matriarcal.
—
Era, era… Só havia praticamente, havia um tio meu, mas também havia…, essencialmente
era o meu pai, não é?, e o resto era tudo as, a família de mulheres, não é?
Também me fascinava, não é?, e o afecto que me deram e continuei, digamos, a
ter esse afecto e a desenhar e a fazer as esculturas da…, o desafio (comigo…)
—Era
um trabalho marcadamente figurativo e em que a forma feminina também é quase
uma constante da sua obra!? — Sim.
—
Vem da infância, vem da infância, vem também do que acabou de dizer, esta, esta
familiaridade com a figura feminina que o faz trabalhar renovadamente a
mulher?!...
—
Sim… Quer dizer, o cavalo, por razões, também, digamos, de forma, que, depois
de ser bem [… de estética?] analisada foi sempre um grande motor ligado ao
trabalho do ser humano, não é? E depois substituído por outros motores, não é?,
mas também dada a situação lúdica. E a mulher…
—
Mas, curiosamente, também eles muitas vezes definidos por cavalos, não é?
—
[Ri…] Mas isso, é já outra versão, não é?, agora, a figura feminina foi,
digamos, a afectividade, mas depois é o fascínio do ser humano, não é!?, como
homem, o fascínio pela mulher, não é!?, e a partir dum dado momento o gostar de
desenhar, não é?! E esse gostar não foi só por sentimento, e depois também
apareceu a informação de outros escultores, de outros pintores que pintavam a
mulher e a partir dum dado momento, quer dizer, tinha que haver simbiose, não
é?!, entre aquilo que eu ia pensando e sentindo, era muito jovem, não é?, e a
partir de um dado…
—
Creio que a primeira exposição surge aos quinze anos? — Quinze anos, aqui em
Vila Viçosa, exposição individual. Eu faço, agora, cinquenta anos de exposições
individuais.
—
Cinquenta anos de carreira…
—
Cinquenta anos, não é? E…
—
E como é que surge essa exposição aos quinze anos?
—
Foi um convite… do director da do Turismo de Vila Viçosa, dos Amigos de Vila
Viçosa, onde era também o Turismo. Vi-o na rua, eu tinha oito, dez anos, doze, treze, catorze, já andava na rua com
um cavalete que eu tinha feito, a pintar no castelo, nas ruas, ia ver, naquela
altura havia normalmente pintores ou missões estéticas que apareciam aqui em
Vila Viçosa a fazerem períodos de tempo de pintura, com…, vinham com um mestre,
não é?!, faziam aqui uma espécie de mestrado, não é?!, e é claro era um
fascínio ir para a rua e ver aparecer aquelas telas brancas e depois, cheias de
cor, não é?!, e com a regra de ouro… era uma metamorfose, o mesmo acontecia
quando via passear ou quando passava nas portas dos… das oficinas dos
canteiros, as pedras, ver surgir aquelas pedras, as esculturas que estavam lá
dentro, tínhamos que lá ir buscá-las, não é?!, batendo, não é?!, com o martelo
e escopro, não é?!
—
É o sentimento que tem, ainda hoje, que as esculturas estão lá dentro?
—
Sim. No barro é diferente. O barro temos que aglomerar para a ver, mas na
pedra, é, a pedra está lá dentro, assim como na madeira.
—
Ainda que não trabalhe muito a pedra… É natural de Vila Viçosa, mas trabalha
muito pouco, elege o bronze, também já trabalhou em alumínio fundido, algumas
esculturas, mas pouco a pedra.
—
Pouco a pedra porque a nível de organização, de estrutura de atelier para
trabalhar em pedra é completamente diferente. É outro mundo de estrutura. E eu
não tenho uma compleição atlética, não é?!, não sou nenhum atlas, não é?! Mas
tinha que organizar mais com algumas máquinas e para isso tinha que estruturar
um atelier todo para poder trabalhar com pedra, aqui dentro, não é? E depois…,
quer dizer…
—
O material, o bronze sugere também alguma coisa, contribui para a escultura ou
não? Como é um processo terminal, na sequência da feitura da peça, também lhe
sugere alguma coisa na sua concepção?
—
Sim, com certeza, a peça, quando é criada é pensada para um determinado
material, o desenho, os desenhos pequenos, depois, os desenhos à escala um dez,
depois, os desenhos em escala real, eu desenho tudo na escala real, também…, e
depois…
—
E tem muitos esboços aqui no atelier, podemos também observar algum deles…
—
Sim, mas estes desenhos são todos estruturas, para a escultura e para a
pintura, e para as medalhas, mas há uma referência relacionada, com, digamos,
com o fascínio da metamorfose. Quando se cria, e ao longo do desenho, dos
estádios do desenho, ao longo do pens…, dos momentos de pensar e de recriar as
obras ou de as transformar até adquirirem a sua expressão exterior, visível do
bronze ou da pedra, é uma metamorfose contínua, não é?, tanto em termos do
próprio acto de estar a trabalhar, como o fascínio mental, de ver aparecer
depois como se fosse por artes mágicas algo que estava dentro da minha mente e
que depois apareceu.
—
E é sempre um deslumbramento!?
—
Para mim, é. A vida é um deslumbramento do ser.
—
E um contentamento, portanto, no final fica agradado com o resultado?!
—
Nem sempre; vejo sempre defeitos na minha obra. E muitas obras, passado uns
anos estou a mexer-lhe. Aliás, eu tenho uma pintura que nunca aca…, por outra,
continuei a pintá-la desde 1970 e poucos e só a concluí o ano passado, em 2005.
Disse… Nos meus cinquenta anos de exposições individuais é o limite, para
acabares em auto-análise, não é?!, e em monólogo, [–Para fechar um ciclo?] é o
limite, é o limite para acabares esta pintura. É uma pintura com dois metros e
vinte de diâmetro, mas concluí-a o ano passado, como tinha determinado. Tinha
que ser.
—
E encontrou aquilo que buscava?
—
Aaa…, sim, acho que sim. Aliás, é uma pintura que vai estar presente, agora, na
exposição da galeria de S. Mamede, é a única pintura grande que vai estar lá
presente.
—
Muito bem! Estou curiosíssima, no final do programa podermos observar algumas
imagens dessa mesma exposição. Há, contudo, elementos, já referimos a mulher, o
cavalo, que são elementos muito presentes em algumas das suas obras, mas há
também uma descoberta pessoal de há uns anos a esta parte que é a geometria.
Estudou geometria; a geometria tomou conta de muitas das suas obras, a par do
fascínio do cosmos. É assim?
—
Aaa…, a geometria está em nós…, nas nossas células, está na nossa estrutura,
está na arquitectura do universo, a geometria existe [R. S.: nos nossos gestos,
também], por si própria, nos nossos gestos, não é!?, Matil Aidica fez uns
estudos óptimos sobre essa situação. E a partir dum dado momento, a geometria,
por estudos já feitos por outras pessoas, e que me fascinaram, por conversas
com o Mestre Almada Negreiros, em 1969, …
—
Um ano importante para si?
—
Foi, foi um ano importante, foi uma decisão de, eu também vou estudar a
geometria e comecei por fazer os vegetais sobre as pinturas que eu já tinha
feito, para me aperceber se a minha estrutura gestual tinha algo que me pudesse
dar como certeza de que os gestos estavam ligados a geometria sagrada, a
geometria sagrada, não a geometria euclidiana, mas a geometria sagrada, a do
número de ouro. E o que é certo é que, realmente, depois de fazer esses estudos
sobre as minhas obras, feitas antes, eu fui encontrar nas próprias pinturas,
que não tinham essa estrutura geométrica, eu fui lá encontrá-la. Ela existia já
nos meus gestos. Por isso, a partir daí para a frente, o estudo da geometria
foi, digamos, uma descoberta também quase que alquímica, não é?!, para que
depois se encontre a obra final.
—
E também descobriu uma construção pessoal própria que disse há alguns anos
atrás que possivelmente iria revelar. Recorda-se desta frase?
—
Recordo-me, sim, mas essa construção tem, está relacionada com algo que está
perdido. Perdido no tempo, é como se fosse uma pedra perdida. Eu aqui, há,
quando fiz os meus vinte e cinco anos de exposições, na galeria de São Mamede,
a capa da exposição, do catálogo da exposição, tem uma pintura que se chama Encontro com a pedra perdida. E que é
uma estrutura dum rectângulo de ouro e que está integrada dentro, por outra,
tem uma pedra integrada dentro desse rectângulo de ouro. E tem uma mão, por
baixo, a tentar atingir, a segurar a pedra, não é?, mas não a segura, não é?!
Por isso, há o encontro com a pedra perdida. Isso é a exteriorização de nós
próprios com o que o universo tem, não de escondido, mas de grande estrutura, e
que nós, através dos estudos, do pensamento, do diálogo, vamos continuando a
procurar e, e de vez em quando, encontramos alguma coisa mais próxima, nos
teólogos, na cosmologia, na física…
—
Nas obras de arte?
—
E nas obras de arte, também. É o reflexo [que é uma expressão (E.P.)] desse
estudo. Cada obra de arte reflecte mais um passo no seu estudo?
—
Sim, sim, acho que sim. Porque, cada estrutura geométrica que eu faço, encontro
sempre coisas novas; arranjos novos. É como se estivéssemos a construir uma
partitura de música. Eu não sei…
—
E não tem contradições?
—
Não. É muito raro. Às vezes, estou é muito, digamos, com grandes dificuldades
de resolver algumas estruturas geométricas porque gostava que elas se
desencadeassem de uma determinada maneira e eu não estou a encontrar a
sequência, porque, com os números de ouro, por vezes, quer dizer, há estruturas
que não encaixam nas ideias iniciais. Eu faço os estudos, mas os estudos não
têm geometria.
—
Para que possamos compreender um pouco melhor; isso tem que ver com, com o
posicionamento, por exemplo, na pintura, na escultura não tem que ver, por
exemplo, na pintura, com as opções de cor?
—
Não. A cor é muito mais emocional. A estrutura da cor é muito mais emocional. É
programada, digamos, com a grande preocupação emocional de encontrar um
ambiente, ou por razões muito directas, vou pôr uma lua ou vou pôr um sol, ela
tem uma cor já definida embora tenhas grandes variantes, não é?, dentro das
cores que posso representar o sol ou representar a lua!?, mas há uma realidade
que é a do próprio, a própria peça que foi criada, não é?, que tem na minha
mente um espaço de contra-luz ou tem uma grande luminosidade e é o sol que
invade ou que é uma noite, e por isso tem uma estrutura que se passa, digamos,
num cosmos em que o filamento é negro, e por isso a pintura há-de ter uma zona
muito negra onde se passa toda essa estrutura luminosa, como se fossem estrelas
ou estrelas-cadentes ou então uma estrutura, lá está, a estrutura geométrica,
que não é visível, mas que está dentro das nossas células, está, sei lá, está
no girassol, não é?!, naquelas sementezinhas que vemos no girassol, estão todas
localizadas, digamos, dentro duma estrutura geométrica, mas de cálculo
matemático de precisão. Aquilo é um exemplo, o girassol, é um dos grandes
exemplos, as sementes, como estão localizadas, é um dos grandes exemplos de
como a vida é estruturada no universo. E não só, quer dizer, a vida neste campo
que nós estamos agora aqui a falar, a estrutura da vida cósmica, porque não é
um acaso que nós não estamos a sentir que há um planeta e que há um sol e que
tudo isto, quer dizer, talvez amanhã seja diferente. Não, nós temos as
estrelas, conforme as constelações, que têm aquelas distâncias relativas, que
mantêm aquela leitura, não é?!, embora haja variantes, porque nós se formos
ver, no tempo do Egipto, no termo dos textos que existem, há uma relação muito
directa com os estudos que se fizeram agora e há realmente a confirmação de que
não estão nas mesmas zonas do céu, quer dizer, não nascem no mesmo sítio, quer
dizer, há uma, há uma variante, não só do eixo da terra, como há uma variante relacionada
com a própria estrutura, digamos, do universo, que vai-se expandindo, não é?!,
e existe aquela relação visual na nossa imagem, que é um fascínio, não é?!,
mas, para além desse fascínio de ver, não é?!, das estrelas numa noite de luar,
não é?!, há o outro fascínio, que é o de ir ao encontro do que é que está na
estrutura desta constelação, o que é que está na estrutura deste universo que
se mantém e que nós andamos aqui, muitas vezes ao cimo da terra, a grande
maioria das pessoas, nós andamos ligados ao trabalho, sem pensar que realmente
nós somos uma obra de arte fabulosa, não é?!, dum criador!...
—
Então, nesse sentido, as suas obras de arte em que é que vai acrescer…, se são
reflexo daquilo que acabou de dizer?
—
É uma homenagem; eu, quando faço uma pintura ou uma escultura, é como uma…,
estar em estado de graça, é uma homenagem a uma entidade que eu, para mim, é
uma deusa a nível do universo.
—
Uma entidade feminina?
—
É uma entidade feminina, é uma mãe, é a mãe do universo e que tem uma
realidade, para mim, que é de... eu presto-lhe homenagem. A homenagem que eu
presto, em termos de ser vivo, para com esse universo, é construir aquilo que
sou capaz de construir melhor. Ou que, pelo menos, estou convicto de que sou
capaz de construir melhor.
—
Muito bem. Depois de podermos observar as suas obras em pormenor seguramente
que há pessoas interessadas em descobrir um pouco mais sobre a geometria, sobre
esta construção que acabou de referir…, que é surpreendente, sem dúvida
nenhuma. Vai pontuando o seu trabalho, entre pintura e escultura, como disse
ainda há pouco, mas também muito medalhística, mas também moedas e há uma
notícia que é do conhecimento público, mas talvez não à escala que deveria ser
conhecida; o Espiga Pinto obteve um prémio internacional para a melhor moeda,
que foi atribuído no ano 2000 por uma moeda que fez, alusiva ao Ano
Internacional dos Oceanos em 98.
—
Sim, é certo.
—
Como é que recebe este prémio? Ficou surpreendido, naturalmente…
—
Totalmente surpreendido. Que eu, normalmente, eu não trabalho para prémios, não
é? Inclusive essa moeda foi enviada para essa entidade nos Estados Unidos, sem
o meu conhecimento. Foi através da Casa da Moeda, que enviou. Eu só soube
depois, eu quando tive o prémio é que eu soube que realmente tinha tido o
prémio da melhor moeda do mundo em… no ano 2000, no meio de cem moedas do mundo
inteiro. Foi…, é fascinante, não é?!, mas não é, não é redutor, acho que um
prémio é um, é uma [É um reconhecimento. (R.S.)], é um momento, é um momento
que no momento é gratificante, e há uma sensação «que bom», alguém reconheceu,
mas principalmente, alguém viveu, na presença daquela moeda, algo que eu
transmiti; mas eu tenho um…
—
… quer fazer rapidamente o descritivo desta moeda alusiva ao Ano Internacional
dos Oceanos, quais foram as suas opções, o astrolábio…
—
O astrolábio, que não era essencial, a ursa menor, com a estrela polar, que era
essencial, também, para o nosso tempo dos descobrimentos, não é?!, uma…, as
velas, e tem normalmente punha-se numa, na figura de proa, nos navios, uma
sereia ou era um outro elemento, não é?! Eu escolhi um cavalo-marinho…, não é?!,
por razões, digamos, de manter, digamos, a imagem do cavalo…, de um
cavalo-marinho, até porque tem uma estrutura, também,
—
E até porque é muito bonito, também.
—
Pois! Mas tem uma estrutura, também, de espiral, não é?, e a espiral, a espiral
cósmica é algo de fabuloso, também, relacionada com a estrutura do universo.
—
Falta falar dos seus mapas, estamos quase a terminar a conversa do Espiga
Pinto, dos seus mapas e vou perguntar-lhe porquê, porque é que atribui tanta
importância aos mapas futuros, não aos mapas presentes.
—
Aaa…
—
Esta questão dos mapas, há que dizer que dizer que surge há alguns anos atrás,
quando recebeu uma obra que tinha por base Os
Lusíadas, portanto, tinha por base Luís de Camões. Depois de trabalhar para
essa obra, ficou absolutamente rendido aos mapas. Fazia mapas de tudo. Mas, os
eleitos são os futuros.
–Sim,
foi salvo erro em 1965 que eu tive essa encomenda. E o fascínio, depois, dos
mapas, não são só os mapas geográficos, passaram a ser, também, os mapas da
memória, quer dizer, o percurso pela minha memória. E eu tenho muitos temas que
são mesmo mapa da memória, o mapa da memória de Camões, o mapa da memória d’Os Lusíadas…, mapas da memória são
(es)tão presentes, digamos, na minha obra. Mas há uma, digamos, há uma
realidade em relação aos mapas, que não são só os mapas geográficos, são algo
que nós temos que, que é intrínseco a nós próprios. Há uma realidade que
pode ser mapeada, quer dizer, e talvez seja, digamos, o fascínio que me dá em
pensar nos mapas futuros, porque para mim o fascínio da minha obra é aquilo que
eu tenho na minha mente e que futuramente irei fazer, porque aquilo que faço,
tenho o fascínio e aquela grande sensação de entusiasmo, de construir, mas
tenho a sensação de que realmente, para mim, o muito, muito, muito importante é
o que eu poderei fazer no próximo dia. O que eu fiz já não tem grande
importância, o que eu vou fazer no próximo dia é que é o fascínio.
—
E de alguma forma também poderá ser melhor compreendido no futuro? Tem alguma
coisa que ver com isso?
—
Não, eu não trabalho para ser compreendido. É que a minha obra, tudo o que eu
faço é com uma realização pessoal e, depois, penso que deve ser óptimo eu poder
transmitir a outras pessoas momentos de felicidade, quer dizer, é um pouco como
a frase do Camões, «cantando espalharei por toda a parte», não é?!, «se a tanto
tiver (o) engenho e arte». É um pouco essa situação ou talvez, profundamente,
muito forte.
—
Muito obrigada, por esta conversa, obrigada por ter aceitado o convite.
Felicidades para a sua arte.
—
Agradeço muito ter-se lembrado de mim.
—
Muito obrigada. Agradeço-lhe também a si, por nos acompanhar ao longo da
emissão de hoje… Sabe que se quiser entrar em contacto, pode escrever-nos para
o e-mail entrenos@univ-ab.pt. A equipa do
ENTRE NÓS despede-se, marca encontro consigo no próximo programa, até lá! Fique
bem.