quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Os egocentras


         Nadir Afonso
            (Chaves, 4 de Dezembro de 1920 —  Cascais, 11 de Dezembro de 2013)

13-12-2013
Mais uma vez, ouvindo a Antena 2. As palavras surgem e fico preso. Nadir Afonso deixa cair uma, que afeiçoou à sua maneira: egocentra, os egocentras. Depurou o «egocêntrico», adjectivo. Egocentra faz entrar mais nas pessoas. Dir-se-ia que egocentra ocupa o espaço todo, substancial. Percebemos melhor, ouvindo o próprio Nadir. Lendo, ouvindo e vendo. Faz-nos sorrir. Fazem-nos sorrir. Nadir e os companheiros, por si retratados. Estes egocentras cativaram-me, pela mão de Nadir. Confessa-se materialista, mas apetece chamar-lhe um materialista espiritual. Niilista, também, pedindo reserva a Luís Caetano, como para que ninguém os ouça.


Nadir morreu e começo a conhecê-lo. Quis voltar a ouvir a conversa com Teresa Pizarro, no programa MOLDURAS. A partir daí, pesquisei e termino, deixando, no essencial, uma pequena antologia e referências, com notícias e informação, sobre Nadir Afonso, por ocasião da sua morte, e mais antigas.

*

A pesquisa teve o efeito de uma pedra lançada à água, com círculos cada vez mais vastos gerados pela onda inicial. E, assim, se tornou forçoso o máximo de simplicidade e clareza, com o texto íntegro da conversa com Luís Caetano e do que foi dito no documentário de Jorge Campos, 1993. Do filme de Jorge Campos damos informação a título indicativo, pequena amostra da riqueza de imagens de pinturas, cidades e paisagem, intimamente associadas à figura de Nadir Afonso. Nadir. Boa escolha para uma estrela. Genial. Mas, antes de aqui chegar, ficam algumas notas e apontamentos do nosso trabalho, sem esquecer, ao fim, imagens de pinturas de Nadir sob o título AS CIDADES e AO PÉ DO MAR. E mesmo, no anexo, uma «pedra» de Fernando Guedes, bela evocação dos tempos de mocidade no Porto.


*


Molduras, 13 de Dezembro de 2013, com Teresa Pizarro
[…] Conviveu com Léger, com Le Corbusier*.
— A relação é sempre difícil. … … Porque eles são indivíduos que são egocentras. Um artista é egocentra. Pode ser muito bom homem e era um bom homem, mas há sempre um egocentrismo difícil de combater.
— E o que é que retirou desse convívio?, dessa vivência toda de Paris, à época?
— Compreendi isto. É que um indivíduo, um artista, está só, está só, tem que trabalhar ele próprio. As relações humanas são muito interessantes. Eles eram afáveis, mas, na arte, cada ser humano tem de trabalhar sozinho, porque há uma reacção [?], em cada artista, egocentra. As relações entre os artistas, é difícil.
— E o Nadir, também é difícil?
— Talvez seja difícil; isto é como o sarampo, é capaz de se pegar e é natural. Eu tenho mantido [?] reacções com jovens, talvez eles me tenham condenado a minha atitude, mas…, há um egocentrismo nos artistas. No Corbusier, era evidente. No Niemeyer, com quem convivi, também era evidente o seu egocntrismo. Eles…
— E o Nadir Afonso?
— E eu também sou capaz…, porque um indivíduo trabalha e prende-se à sua obra e tem dificuldade em levar essa sua obra ao conhecimento dos outros. Os outros são sempre pessoas estranhas à nossa própria vivência. A nossa obra é que nos fascina mais. Se bem que eu tenha tido relações com outros artistas, eu sempre pensei que a minha obra, que era uma obra realmente extraordinária. Eu pensei sempre que a minha obra é qualquer coisa de extraordinário. E eles devem ter pensado todos eles a mesma coisa: «a minha obra é que é», porque é o fruto da sua própria existência. É natural que um indivíduo seja egocentra.
* Sobre Le Corbusier e Óscar Niemeyer, ver, abaixo em REFERÊNCIAS, mais desenvolvidamente, o que é dito no livro Nadir Afonso conversa com Agostinho Santos, citado no blogue umjeitomanso.
Nadir
     NADIR, s. m.  Ponto do céu em que terminaria a vertical que se tirasse do ponto em que estamos e passasse pelo centro da Terra; ponto do céu que se opõe ao zénite; ponto mais baixo; tempo ou lugar onde ocorre a maior depressão: «Na Astrologia está o ponto no zénite, nadir e pólos», D. Francisco Manuel de Melo, A Feira dos Anexins, III, 3, p. 221. ▪ Fig. O menor grau: «Por isso o zénite do vosso espírito nunca chega ao nadir do ínfimo dos emamos», Mário Barreto, Cartas Persas, XVIII, p. 36. (Do ár. natir, ponto diametralmente oposto a outro).
     GEOG. e METEOR. Lugar da abóbada celeste que é atingido pela extremidade inferior da vertical prolongada através do centro da Terra em direcção aos antípodas.
     (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, volume XVIII, p. 345, col. 2 e 346, col. 1)
     
     Nadir, s. Do ár. naTīr [...]
     (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de J. P. Machado, quarto volume M - P, Livros Horizonte, 2003)

     NADIR [...] Del ár. naẓîr [...]
     (Breve Diccionario Etimológico de la Lengua Castellana, de Joan Corominas, Ed. Gredos, 2005)

     ... nome raro, e «raro» é o significado deste nome em hebraico, o pintor Nadir Afonso faz, hoje, 93 anos.
     (Luís Caetano, n'A Ronda da Noite, de 4 Dez. 2013, Antena 2.)

       Já em hebraico e em árabe nadir significa “raro”.
     (Ver http://antropologiausp.blogspot.pt/2010/10/nadir.html), 1.º parágrafo.

     Nadir, nome de origem persa que em hebreu significa "raro".
     (Ver http://www.publico.pt/cultura/noticia/entrevista-a-nadir-afonso-se-tiver-um-metro-quadrado-de-espaco-para-trabalhar-sou-tao-feliz-como-numa-grande-cidade-1364509).

       [...] foi registado com um nome de origem persa e hebraica. Nadir significa raro, em hebreu.
          (Ver  http://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?P_pagina=1005955).



Como foi posto o nome Nadir
     Ontem, A Ronda conversou com o pintor Cruzeiro Seixas, no dia em que fez 93 anos. Hoje, A Ronda  vai conversar com o pintor Nadir Afonso, no dia em que faz 93 anos. [...] Vai ser, assim, A Ronda. [...] Esta é a Sinfonia das Cores, de Arthur Bliss, que ouvimos no momento da cor púrpura, pela Orquestra do Ulster, direcção de Vernon Handley. Antes da conversa dum homem de nome raro, e «raro» é o significado deste nome em hebraico, o pintor Nadir Afonso faz, hoje, 93 anos. quis o acaso que, ontem, a mesma idade fosse celebrada por Cruzeiro Seixas, que ouvimos n'A Ronda da Noite. A vida de Nadir Afonso foi feita de acasos, também de encontros decisivos, muitas histórias de uma incessante procura do conhecimento, que lhe  chegou pela intuição, sentida e interpretada nas muitas telas de que é feita esta vida de 93 anos. Já a seguir, uma convrsa com Nadir Afonso, celebrando-o em dia de aniversário.
[Música.]

      — Este nome, Nadir, de onde lhe vem?
      — Ora, bem! O meu pai era também poeta. O meu pai era poeta e engraçou com o nome. Vem daí. 
É muito pouco habitual.
— Mas…, há uma história ligada a tudo isso. Há uma história. Eu, quando fui baptizado, ou melhor, quando o meu pai pegou em mim ao colo, para me ir registar, encontrou no caminho — nós vivíamos nos arredores de Chaves — e encontra no caminho um cigano. Isto, acho que é verdade. Pelo menos, é assim que o meu pai me contou a mim. E o cigano perguntou-lhe: «Ó Artur, onde é que tu vais?»
— Ah, eu vou aqui — levava-me ao colo —, vou aqui com o catraio, vou registá-lo.
— Então, que nome lhe vais pôr ao pequeno?
— Eu vou pôr Orlando. — E diz o cigano:
— Orlando? Muito orlando há-de ser ele.
Não sei o que é que o homem queria dizer com isso…; mas, disse. Então, mas «muito orlando há-de ser ele».
— Põe-lhe, antes, Nadir.
E o meu pai engraçou com o nome e… fiquei Nadir. Por sugestão do cigano. Isso é a minha mãe e o meu pai que me contaram, depois, mais tarde.
— Olha, tu és Nadir porque um cigano que encontrámos no caminho é que se lembrou desse nome. E está muito bem.

Muitos encontros, ao longo da vida, lhe hão-de ditar outros caminhos, que não talvez aqueles que tivesse previsto…, já vamos voltar a esses encontros.
(De A Ronda da Noite, de Luís Caetano)
Períodos na obra de Nadir Afonso
     A obra de Nadir Afonso é pautada por vários períodos que são o resultado de um desenvolvimento natural da sua pintura. Se o início aborda a representação do real, uma evolução conduziu-o desde o expressionismo em que pintou intensamente a cidade do Porto às actuais composições que chamamos período fractal dedicado às grandes metrópoles.
(Da wikipédia)
*
A hipersensibilidade
     — Acha que há grandes pintores em Portugal em número suficiente ou existem poucos?
     — Há poucos.
     — Porquê?

     — Porque é difícil ser-se hipersensível e a natureza está muito bem feita. Um hipersensível sente as relações matemáticas mas, em compensação, é um infeliz porque se a hipersensibilidade é boa para resolver um quadro também é má para a vida em sociedade.
     (De http://espacillimite.blogs.sapo.pt)

*
Fui artista e fui esteta
     «Eu tentei encontrar as leis que regem a obra de arte.»
     «Mas eu tenho a impressão, Teresa, que fui o único homem à superfície do planeta (...) que compreendeu o mecanismo da condição artística.»
     «(...) tentei compreender os impulsos intuitivos.»
     «Fui artista e fui esteta.»
     Diz Nadir: A obra de arte obedece a leis matemáticas, a arquitectura, não. Arquitectura: o esteta. Os objectivos são diferentes; na arquitectura, a perfeição, a qualidade do  objecto, cuja função responde à nossa necessidade; na obra de arte, a lei matemática. A qualidade perfeição é distinta da qualidade matemática.
     O raciocínio não intervém na elaboração da obra de arte. Há percepções que são inconscientes; é regida por leis de que o indivíduo não tem consciência. O que o indivíduo expressa nas telas, na arte, são leis matemáticas.
       (As frases transcritas são da conversa com Teresa Pizarro; o restante texto segue de perto o que disse Nadir.)

O círculo, o quadrado e o triângulo
     Ao contrário de Kant:«A exactidão das formas é o espectáculo da minha vida.» (No filme de Campos, aos 28 min. ±) O círculo, o quadrado e o triângulo  integração e desintegração.


Relação do autor com o mercado
«Eu nunca me promovi.» (2.ª parte da entrevista conduzida por Luísa Rego)

Sobre Paula Rego e a Casa das Histórias Paula Rego
Horrível; execrável. (2.ª parte da entrevista conduzida por Luísa Rego)

*
No tempo d'Os Convencidos da Morte
(Os extractos que seguem, à excepção do que está entre  [[ ]], pertencem ao documentário de Jorge Campos, 1993.)

     Os Convencidos da Morte (38 min. 24 s.) No início da década de quarenta, formou-se o grupo dos Independentes (entre outros, Júlio Resende, Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Amândio Silva, Nadir). «Eu acho que nós começámos por nos intitular Os Convencidos da Morte; [...] irriter le bourgeois(39 min. 23 s.)

      Aos 18 anos: 

     (40 min. 21 seg.) ...nessa altura, o centro das nossas atenções era a mulher. 
        (40 min. 25 seg.) Ouve-se canção, com voz feminina. A letra, o acompanhamento musical, podem dar uma atmosfera,  explicar a afirmação de Nadir. (It's Been a Long, Long Time)

Unidade estética nos membros d'Os Convencidos da Morte?

      — A meu ver, não. (41 min. 31 seg.)

[[


39. Grupo de amigos das Belas Artes do Porto 1944 (da esquerda para a direita: primeira fila, de pé- Nadir Afonso, Amândio Silva, Carlos de Almeida; fila do meio, sentados – Fernando Lanhas, Martins da Costa, Júlio Pomar, António Lino, Raúl David;
No Chão – Júlio Resende e Israel de Macedo).

40. “Os Independentes” 1944 - Nadir Afonso (o quarto em baixo, da esquerda para a direita).
 [Pág. 50, de PANIFICADORA DE VILA REAL/UM MODERNO CONDENADO À MORTEde Carolina Joana dos Santos Rodrigues. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, sob orientação do Professor Doutor Joaquim Almeida, Departamento de Arquitectura, FCTUC, Julho de 2013.]


Durante a sua estadia na Escola de Belas Artes foi fazendo várias amizades com os seus colegas, acabando por se envolver em vários movimentos de grupos intelectuais e artísticos com o objectivo de partilhar as suas ideologias. Destaca-se assim o grupo intitulado de “Os Convencidos da Morte” que mais tarde se tornou nos “Independentes” para o qual Nadir contribuía com trabalhos de pintura cuja modernidade e qualidade eram inquestionáveis. O grupo foi crescendo passando a integrar vários artistas, maioritariamente pintores, escultores e também alguns arquitectos que tiveram alguma projecção, dos quais se destacam Raúl David, Fernando Lanhas, Carlos Almeida, Victor Palla ou mesmo o Mestre Carlos Ramos e Fernando Távora. Os “Independentes” tinham assim como objectivo reunir um grupo de artistas de formações diferentes, para em colectivo difundirem livremente a sua arte, refutando a filiação a qualquer “ismo” e contrariando a tradição da Escola de Belas Artes. Pode assim perceber-se que nesta fase da sua vida, Nadir Afonso esteve rodeado por gente, quer do seu curso quer de outras áreas, que estiveram activos no processo de abertura à modernidade, fazendo com que o seu envolvimento nestes grupos de pensadores tão heterogéneos, tenham também sido fundamentais para a sua formação. Em 1945 parte para Paris aventurando-se numa cidade que na altura representava o centro artístico cheio de oportunidades na esperança de se dedicar à pintura50, mesmo sem ter defendido o seu CODA (Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitectura). Deixa para trás um país onde os seus ideais modernos não eram compreendidos, a arquitectura tornava-se cada vez mais uma “tendência nacionalista - fascizante”51. Os seus colegas e amigos que permaneceram em Portugal, defensores da arquitectura moderna, em 1947 criam o grupo ODAM52 que, como vimos anteriormente, acabam por ter um papel fundamental na divulgação e continuidade dos princípios desta arquitectura no cenário português, do qual Nadir não fez parte por se encontrar fora do país.


50 CEPEDA, João Silva - op. cit., p. 27
51 TOSTÕES, Ana - Arquitectura moderna Portuguesa: os Três Modos. In TOSTÕES, Ana [et al.] - Arquitectura moderna
portuguesa: 1920-1970, p. 125

52 ROSA, Edite – op. cit., p. 43

[Pág. 51, no mesmo.]

Ver, aqui, o estudo de Carolina Rodrigues, com a devida vénia, à U. C. ]]


*
O círculo na parede
— Muitos encontros ao longo da vida lhe hão-de ditar ouros caminhos, que não talvez aqueles que tivesse previsto..., já vamos voltar a esses encontros. Durante essa infância em Chaves, quando é que começou a pintar? Ouvi falar num círculo…
— E é verdade, é… Isso é verdade, é… Eu tinha uns quatro ou cinco anos e a dada altura lembrei-me de pintar um círculo, lá na parede da sala. Pintei um círculo, porque aquela perfeição impressionou-me. E a minha mãe zangou-se comigo. 
— Então, estás a sujar a parede?
— Então, eu era capaz!?
— Quem é que sujou a parede? — E eu respondi:
— Eu seria capaz de fazer um círculo tão bem feitinho? — Para me desculpar, disse que não fui eu.
— Eu seria capaz de fazer um círculo tão bem feitinho? — E a minha mãe:
— Bem, realmente, o catraio não seria capaz de fazer este círculo.

De maneira que desculpei-me dessa maneira. Dizem, também, contam. Da cena já não me lembro. Da cena já não me lembro. Lembro-me, depois, os meus pais me contarem essas peripécias.
— Para todos os e, efeitos, foi o seu primeiro contacto com a geometria,
— Pois foi, …, sim.
— com as formas perfeitas, até por essa perfeição que dizia ser quase pouco natural para uma criança de quatro anos. O Nadir há-de seguir pela vida e há-de entrar em arquitectura, por um outro desses encontros, tal como o do cigano, que lhe há-de mudar um pouco o caminho, pelo menos durante uns anos.    …    … [De A Ronda da Noite.]


*
Apontamentos retirados do documentário
Nadir Afonso
 Parte 1/2: O Pensamento e a Obra
Canal C Cascais, Câmara Municipal de Cascais. Entrevista conduzida por Luísa Rego. Imagem e Edição de António Maria Correia. Maio de 2012.  
«Retoco.»
O artista regional e o artista universal.
«E retoco, mas nem sempre.»
«Encontro erros.»
Às vezes, quadros antigos. «Caramba! Acertei. Não tenho nada a pôr nem a tirar.»
Nadir face a face com Einstein
Dizia, aí, mais ou menos: «A luz não tem velocidade constante.» e «o tempo não existe» e «há apenas movimento e espaço». (6 min. 50 s.)
Essa percepção adquiriu-se, agora, ou…
— Eu penso, mas não tenho a certeza, que tenho andado a meditar nessa lei, há longos anos. Eu penso que o tempo não existe, mas já há muitos anos. Mas só pouco a pouco é que eu consegui traduzir em palavras esse sentimento. Eu hoje tenho já nos textos que têm solidez, que se justifica O Tempo Que não Existe. E a pessoa que diz: Este macaco tem razão. Este indivíduo tem razão.
— Quando começava uma obra de raiz, como é que começava esse processo? (8 min. 15 s.)
— dos pintores mais conhecidos, há assim nomes que aprecie? (10 min.)
— Max Ernst, Giorgio de Chirico. Eles encontram muito bem as leis da geometria.    … O Van Gogh, também, mas o Van Gogh tinha dificuldades económicas. Pintava num só dia. Num dia pintava uma obra. E eu penso que é necessário, como eu disse há pouco, namorar o quadro, para se descobrir as leis. E o Van Gogh mete muita água.
— Van Gogh, como Picasso, também procurava as mesmas leis que o mestre procura?, …quando viu a obra deles? (10 min. 23 s.)
— Procuravam, mas de uma maneira intuitiva. Eles não tinham, como eu tenho, a noção que eles procuravam a exactidão matemática. Eles procuravam a exactidão matemática, sem disso ter consciência. Eu tenho a impressão, e isto é uma confissão que vos faço, imediata. Eu estou convencido, de tudo aquilo que li, sobre aquilo que escreveram os estetas. Eu tenho a impressão que sou o único indivíduo que apreendeu a exactidão matemática. A exactidão matemática. Eles nunca falam disso. A essência da obra de arte está na matemática.
Nadir Afonso
Parte 2/2: Cascais e a Vida do Pintor
Nos anos 40, candidata-se a um lugar na Câmara de Cascais, como arquitecto; foi reprovado. Diz: «Eu tive muita sorte em ser reprovado. Teria destruído a minha carreira de pintura. Estoril. Obras suas inspiraram painéis de azulejos, agora no novo túnel no Estoril. Gostou. Deve-o ao presidente da Câmara, António Capucho. É bom para promover a obra dos artistas. O facto de a obra de um artista aparecer em público promove as suas obras. Nisto, concorda com os artistas que se promove. «Eu nunca me promovi.»
A Casa das Histórias Paula Rego — horrível. Quando aprecia o trabalho de outros artistas, não é muito lisonjeiro. A arquitectura da Casa das Histórias — execrável. «Eu acho aquela pintura horrível; acho a arquitectura execrável.»
Olhando a vila de Cascais, acha harmoniosa?
A função da vila é responder às necessidades do Homem. Luísa Rego: «Se a vila fosse um quadro, estava harmonioso?» A arquitectura e a pintura. Os estetas.
Luísa Rego: «Até que ponto, as suas raízes de transmontano influenciaram a sua obra?»
«A arte é intuitiva. Está a fazer uma pergunta à razão.» «Não sei responder.» «A minha impressão é que não há interferência do meio.» «Não sei.»

Apontamentos retirados do filme de Jorge Campos
Nadir Afonso
(1993)


(00 min. 47 seg.) a emoção do objecto e a emoção pura, sem qualquer sugestão de objecto.
(06 min. 55 seg.) Como o artista trabalha; a necessidade de compreensão; «as formas tornam-se exigentes».
(06 min 09 seg.) As ligações de Paris: falam Roger Aubry, Georges Candilis, André Wogenscky, Iannis Xenakis, Catherine – filha de Nadir, Yvaral – filho de Vasarelly; vai falando o próprio Nadir.
[(10 min. 43 s.) La Chansonnette, pela cançonetista Patachou.]
(24 min 17 seg.) Fim da 1.ª parte.
(25 min. 58 seg.) O círculo
(27 min. 04 seg.) As formas geométricas e Kant.
(29 min. 20 seg.) A essência da obra de arte; as formas elementares da natureza são integradas, desintegradas, segundo uma lei, que o  espírito apreende da natureza, igualmente.
 A pintura era um círculo vermelho na parede da sala da sua casa, de tal modo perfeito que ninguém se atreveu a repreendê-lo. (31 min. 40 s. ±) (Legenda no documentário)
(33 min. 04 seg.) Identificação com a paisagem da sua infância.
(34 min. 01 seg.) «A paisagem torna-se humana e o homem torna-se paisagem.»
     «Tudo o que há entre os homens é coado através da natureza; é sentido através da paisagem.» (34 min. 15 seg.)
     «A paisagem torna-se humana e o homem torna-se paisagem.» (34 min. 26 s.)
     «Na minha infância, tentei transmitir à tela, justamente, essa simpatia, por tudo aquilo que nos rodeava.» (35 min. 35 seg.)

Os Convencidos da Morte (38 min. 24 s.) No início da década de quarenta, formou-se o grupo dos Independentes (entre outros, Júlio Resende, Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Amândio Silva, Nadir). «Eu acho que nós começámos por nos intitular Os Convencidos da Morte; [...] irriter le bourgeois(39 min. 23 s.)

O centro da nossa atenção era a mulher. (40 min.) [Canção, cantada por mulher: Kiss me once and kiss me twice / Then kiss me once again /It's been a long, long time / Haven't felt like this, my dear / Since I can't remember when / It's been a long, long time / … It’s been a long, long time foi cantada por Louis Armstrong, entre outros.]

     «Eu pinto para ver se compreendo a razão por que pinto.» (40 min. 7 seg.)
     A sua, foi uma longa evolução. (41 min. ±)

 A Ópera (42 min. 17 seg). «A cor na arte joga como um factor genético. O que é que isto quer dizer? Neste quadro, o fundo é branco. Aqui a cúpula da ópera, isto pretende representar a ópera, é amarela. É um amarelo claro. Este amarelo claro não é uma cor bonita, nem este vermelho é um vermelho bonito. O que acontece é uma coisa. É que a cor amarela, pela sua intensidade, em relação ao branco, harmoniza-se.»
A propósito da Ópera: «A cor na arte joga como um factor geométrico.»  (42 min. 30 seg.)

(43 min.) A cidade de S. Paulo.

(44 min. 46 s.) «O período egípcio?, sei lá bem! É... um quadro meu, começa hoje e vai acabar, não sei quando [...].»
O período egípcio: do barroco da igreja dos Grilos, no Porto, a... (45 min.)
     Anos 50: Niemeyer, Cavalcanti, Portinari. E, ao longo de quase trinta anos de Paris, convive com homens como Magnelli, Bertrand, Guevan e, naturalmente, Le Corbusier. (46 min.) 

      — A propósito, Nadir, como era o Corbusier? Era uma pessoa difícil? (46 min. 28 seg.)

      — Era. Era difícil, era. Era difícil. Tinha coisas do arco-da-velha, aquele homem.» Era simples, fácil, «mas quando se lhe falava na arte, aí, era o diabo!» (46 min. 29 seg.)

     Ideia péssima sobre o mercado da arte: uns mafiosos.  O mercado da arte: «Deus nos livre!» (48 min. ±)

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TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DA CONVERSA COM LUÍS CAETANO




[Pequeno trecho musical.]
Boa noite! Ontem, A Ronda conversou com o pintor Cruzeiro Seixas, no dia em que fez 93 anos. Hoje, A Ronda vai conversar com o pintor Nadir Afonso, no dia em que faz 93 anos. Vamos também conversar na Última Edição, sobe a obra do islandês Halldór Laxness, escutar a poesia de Eduardo Pita, dita pelo próprio, e ouvir a sinfonia Júpiter, de Mozart, no Espaço Semibreve, de Andrea Lupi. Vai ser, assim, A Ronda. Esta é a Sinfonia das Cores, de Arthur Bliss, que ouvimos no momento da cor púrpura, pela Orquestra do Ulster, direcção de Vernon Handley. Antes da conversa dum homem de nome raro, e «raro» é o significado deste nome em hebraico, o pintor Nadir Afonso faz, hoje, 93 anos. Quis o acaso que, ontem, a mesma idade fosse celebrada por Cruzeiro Seixas, que ouvimos n'A Ronda da Noite. A vida de Nadir Afonso foi feita de acasos, também de encontros decisivos, muitas histórias de uma incessante procura do conhecimento, que lhe chegou pela intuição, sentida e interpretada nas muitas telas de que é feita esta vida de 93 anos. Já a seguir, uma conversa com Nadir Afonso, celebrando-o em dia de aniversário.
[Até aqui, a música de A Sinfonia das Cores, como fundo. Agora, até começar a conversa com Nadir Afonso, reina sozinha, durante 3 min. e 23 seg.]

— Este nome, Nadir, de onde vem?
— Ora, bem! O meu pai era também poeta. O meu pai era poeta e engraçou com o nome. Vem daí.
— É muito pouco habitual.
— Mas…, há uma história ligada a tudo isso. Há uma história. Eu, quando fui baptizado, ou melhor, quando o meu pai pegou em mim ao colo, para me ir registar, encontrou no caminho — nós vivíamos nos arredores de Chaves — e encontra no caminho um cigano. Isto, acho que é verdade. Pelo menos, é assim que o meu pai me contou a mim. E o cigano perguntou-lhe: «Ó Artur, onde é que tu vais?»
— Ah, eu vou aqui — levava-me ao colo —, vou aqui com o catraio, vou registá-lo.
— Então, que nome lhe vais pôr ao pequeno?
— Eu vou pôr Orlando. — E diz o cigano:
— Orlando? Muito orlando há-de ser ele.
Não sei o que é que o homem queria dizer com isso…; mas, disse. Então, mas, «muito orlando há-de ser ele».
— Põe-lhe, antes, Nadir.
E o meu pai engraçou com o nome e… fiquei Nadir. Por sugestão do cigano. Isso é a minha mãe e o meu pai que me contaram, depois, mais tarde.
— Olha, tu és Nadir porque um cigano que encontrámos no caminho é que se lembrou desse nome. E está muito bem.

— Muitos encontros, ao longo da vida, lhe hão-de ditar outros caminhos, que não talvez aqueles que tivesse previsto…, já vamos voltar a esses encontros. Durante essa infância em Chaves, quando é que começou a pintar? Ouvi falar num círculo…
— E é verdade, é… Isso é verdade, é… Eu tinha uns quatro ou cinco anos e a dada altura lembrei-me de pintar um círculo, lá na parede da sala. Pintei um círculo, porque aquela perfeição impressionou-me. E a minha mãe zangou-se comigo.
— Então, estás a sujar a parede?
— Então, eu era capaz!?
— Quem é que sujou a parede? — E eu respondi:
— Eu seria capaz de fazer um círculo tão bem feitinho? — Para me desculpar, disse que não fui eu.
— Eu seria capaz de fazer um círculo tão bem feitinho? — E a minha mãe:
— Bem, realmente, o catraio não seria capaz de fazer este círculo.
De maneira que desculpei-me dessa maneira. Dizem, também, contam. Da cena já não me lembro. Da cena já não me lembro. Lembro-me, depois, os meus pais me contarem essas peripécias.
— Para todos os efeitos, foi o seu primeiro contacto com a geometria,
— Pois foi, …, sim.
— com as formas perfeitas, até por essa perfeição que dizia ser quase pouco natural para uma criança de quatro anos. O Nadir há-de seguir pela vida e há-de entrar em arquitectura, por um outro desses encontros, tal como o do cigano, que lhe há-de mudar um pouco o caminho, pelo menos durante uns anos.    …    …
[O encontro com o contínuo, na Escola de Belas Artes, do Porto, onde foi para se inscrever em pintura. Foi convencido a inscrever-se em arquitectura. Rasga o requerimento e faz outro.]
— Também houve um encontro imprevisto. Houve um encontro imprevisto. E eu fui arquitecto também de uma maneira improvisada. Eu não era, eu quando peguei no meu requerimento e me dirigi à Escola de Belas Artes do Porto, para me inscrever em Pintura, eu vinha de Chaves e era Pintura que eu trazia no pensamento. E quando che…, não sei se o Luís conhece aquela entrada das Belas Artes do Porto. Há um hall…, depois, há umas escadinhas, e depois há lá umas balaustradas, e numa dessas balaustradas estava um empregado lá da das Belas Artes, um funcionário, estava a dormitar. Estava ali sentado e estava a dormitar, encostado à balaustrada. E eu, com os meus dezoito anos, cheguei, timidamente, e perguntei-lhe:
— O senhor faz-me um favor? Diz-me onde é a secretaria? — E o homem abriu o olho, olhou para mim, puxa-me pelo requerimento e leu:
— Então, o senhor tem o curso dos liceus e vem-se inscrever em Pintura? Ó homem, a pintura não alimenta o seu homem! — palavras do funcionário. — Vá, antes, para Arquitectura. — «Vá antes para Arquitectura», porque a Arquitectura, naquela altura, isto é há setenta anos, ninguém se lembrava com um curso dos liceus ir para Pintura, porque ia-se para a Pintura, sem a instrução primária. Naquela altura. O próprio director das Belas Artes, um tal Joaquim Lopes, director, teve que fazer o exame de instrução primária para ser director da escola; porque ninguém pensava na… E eu, também, a minha ideia era a pintura, mas ele meteu-se em mim, pressionou-me e eu, cobardemente, rasguei o requerimento e fiz outro. «Eu venho, respeitosamente, requerer a V. Ex.ª que se digne aceitar-me como aluno de Arquitectura. E fui para arquitecto.

[Le Corbusier, Niemeyer]
— E desses tempos, guarda boas memórias, da experiência, alguém que não queria ir para Arquitectura, que o vai por um encontro súbito [N. A. Fortuito...] com um contínuo adormecido, acabou por ir parar ao convívio com alguns dos melhores, Le Corbusier [N. A. Le Corbusier...], em Paris, Niemeyer...
— É verdade, é verdade.
— Guarda, apesar desse caminho, que não era a opção principal [N.A.: «Desses encontros.»], guarda boas memórias disso?
— Guardo boas memórias, pois conheci esses homens, que…foi, encontro interessante, sempre. É sempre interessante. Se bem que eu não seja de acordo com eles. No meu ponto de vista estético, foi sempre um encontro agradável e...
— Com quem é que se deu melhor!?, com Corbusier ou Niemeyer?
— Ora bem! O Le Corbusier era mais sério. O Niemeyer era um pouco espalha-brasas, era impulsivo. Insurgia-se facilmente. Era de um homem difícil. O Óscar Niemeyer era difícil. Era bom homem e tal, está tudo muito bem, mas, no tocante à arquitectura, disparatava. Às vezes…, eu tive problemas com ele, quando ele era impulsivo. Porque, eu, então, seria nessa altura impulsivo… E houve fricções. Mas acabaram por…, acabámos por ser amigos. Depois, eu pude ir para Paris, algumas vezes relacionámos…
— Mantiveram-se em contacto?
— Tivemos, tivemos contacto ainda muito tempo. Escreveu-me para Paris e eu respondia-lhe. Mas, mas houve problemas. Porque, o Niemeyer, eu tive problemas.
[Com a mulher e a filha, surge a necessidade de voltar a Portugal.]
— E não se sentiu tentado a ficar em Paris?
— Queria ficar, mas havia problemas de alojamento(s) e, depois, já…, e depois, eu, havia a minha mulher, francesa, e depois tive uma filha, e depois já não sabia onde é que, onde é que, onde é que ia, como é que, há um termo, até, não sabia onde é que ia pendurar o pote. Tive dificuldades, tive dificuldades. E senti a certa altura necessidade de voltar para Portugal. Porque senti que a minha vida era difícil. A minha vida era difícil. Enquanto eu fui só, eu vivi em qualquer parte, naqueles hotéis, naqueles hotéis do Bairro Latino, muito frequentados pelos argelinos e por aquela malta, os árabes, eu era nesse ambiente, que vivi, mas quando nasceu a minha filha, já tinha mais responsabilidades, senti muito mais responsabilidade e tive que resolver a minha vida. E voltei para Portugal. Porque senti que eu já, problemas de… Porque eu vivia num apartamento, mas o apartamento não era meu. De maneira que a pessoa que…, quis o apartamento para ela e expulsou-me. Bem, isto, em termos…
[Em 65, afasta-se da arquitectura, com perto de cinquenta anos. Tem obras na exposição da Maison des Beaux Arts e um americano compra-lhe duas telas. Uma dessas telas voltou para Portugal.
Como aluno das Belas Artes, no Porto: «Eu não fazia arquitectura; eu pintava arquitectura. Eu tinha a paixão da pintura. Eu pintava. Dava molho à minha composição e o professor aí embirrou com essa coisa.»]
— Muito sintéticos.    … Nadir, em sessenta e cinco, sensivelmente, afasta-se da arquitectura [Nadir Afonso: «Sim, sim.»]. Foi uma libertação?
— Pois foi, foi. Eu tive, eu tive, em dada altura, a possibilidade de me afastar da arquitectura, porque fiz uma exposição em Paris, numa…, na Maison des Beaux Arts, fiz uma exposição em Paris, e as coisas correram-me bem, contra a evolução natural, eu nunca tinha vendido um quadro, com perto de cinquenta anos, já, talvez, perto de cinquenta anos, eu nunca tinha vendido um quadro, e nessa exposição que fiz em Paris, na Maison des Beaux Arts, apareceu-me um americano, que me comprou duas telas. Salvou-me, aí, em certa medida. Para mim foi importante.
— Mais um encontro importante.
— Foi um encontro importante. Esse homem foi um indivíduo, realmente, era americano! Eu até sabia o nome dele. Ele deve ter morrido, porque uma dessas telas voltou para Portugal. Um dia, chamaram-me, para ver essa tela, e eu, em Leiria. Eu fui a Leiria e vejo uma tela que já não via há…, eu tinha, talvez, já não me lembro. Mas…, já há muitos anos. Quando vi a tela, fiquei impressionado.
— Foi uma grande surpresa.
— Era um grande surpresa. Era muito linda. Estou-me a gabar a mim próprio.
— Quem pode, merece.
— Apareceu-me, lá, até, um antigo professor meu, aqui das Belas Artes do Porto, com quem eu nunca me dei muito bem.
— Mas foi uma alegria encontrarem-se.
— Caímos nos braços um do outro. Caímos nos braços um do outro. Tanta vergonha teve ele, como eu. Passámos a ser grandes amigos. Ele apareceu na exposição e eu abracei-o. E fomos, e ele realmente foi, passou a ser um grande amigo meu; quando eu, nós, houve problemas. Eu cheguei a ser expulso das Belas Artes do Porto. Eu cheguei a ser expulso. Bem, mas isso, ó Luís, isso era…
— Mas, diga-me lá porque é que foi expulso.
— Um dia, o meu professor era Carlos Ramos. Era o Carlos Ramos. Era o director das Belas Artes do Porto. Carlos Ramos. Disse-me esta coisa. Disse-me isto: «Eu vejo que o senhor tem habilidade. Eu vejo que o senhor perce…, tem qualidades para ser arquitecto, mas não tem paciência nenhuma. A sua, os seus trabalhos são, não são, são descurados; não tem, não tem…» Eu não fazia arquitectura; eu pintava arquitectura. Eu tinha a paixão da pintura. Eu pintava. Dava molho à minha composição e o professor aí embirrou com essa coisa. Achava que os meus trabalhos eram, não eram bem terminados, havia aí uma certa negligência. Havia negligência, havia. Ele tinha razão, mas eu nessa altura só via pintura, não via mais nada. «Sinto que o senhor tem dificuldade de material. A sua, o seu trabalho, vê-se que é, que tem qualidades, mas é negligenciado. Eu vou-lhe oferecer um estirador. Eu vou-lhe oferecer um estirador. E eu: «Ó Mestre, não preciso nada, eu precisar, não, obrigado, agradeço, mas não quero, não preciso do estirador.» Ele não ligou importância àquilo que eu disse. Eu entro no meu quarto, na Rua Barão de S. Cosme, no Porto, entro no meu quarto e vejo lá um estirador. Ele tinha, tinha mandado um estirador, mas uma coisa moderna, uma coisa com roldanas, uma coisa que eu nunca tinha visto, ninguém usava aquilo, ainda, era um estirador realmente fora de série, um móvel grande… A verdade é esta. É que eu, o meu trabalho, que eu fiz nesse período, passou a ser exactamente igual aos períodos anteriores. Ele ofereceu-me o estirador, ele ofereceu-me o estirador. Eu achei que foi um gesto formidável, mas eu não respondi, porque o meu trabalho continuou a ser negligenciado, era um trabalho…
— Era o pintor a fazer arquitectura…
— Era o pintor… E quando eu apresento o meu trabalho nesse período, eu chego às Belas Artes do Porto, estavam as notas, na…, estavam as notas no hall, eu vou por aí fora, e n…, n…, Nadir Afonso; onze valores! Baixou-me a nota. Lá me dava uns catorzes, uns quinzes, mas ele sentiu que eu fui injusto. Eu não melhorei. O meu trabalho não melhorou em nada. Ele pensou: «Bem, ofereci-lhe o estirador e ele vai ser muito mais exímio.» E não. Era a mesma coisa. De maneira que ele baixou-me a nota. Ele tinha razão. A verdade é esta. Eu só tinha os meus vinte anos, era espirra-canivetes e quando vejo a minha nota baixar, eu cometi a estupidez, eu hoje só considero isso uma estupidez, como é que uma pessoa muda! Fiquei tão incomodado, quando vi que ele que me baixou a nota, e percebi: «Baixou-me a nota porque eu devia ter respondido…»
— Ele esperava mais de si.
— Esperava mais...
— Devolveu-lhe o estirador.
— Eu fiz, fiz, assim… Fiz essa imprudência, essa injustiça. Pego no estirador, pego, pedi a uma funcionária que estava lá em casa, uma empregada… «Pega daí!» E, ambos, arrastámos o estirador até às Belas Artes. A Rua Barão de S. Cosme é perto, felizmente. E entrei nas Belas Artes do Porto, com o hall cheio de alunos que viam as notas…, a dizer incoerências. «Eu pinto qualquer, eu trabalho de qualquer maneira. Não preciso de atelier, não preciso nada do estirador. Comecei a dizer burrices. E devolvi o estirador. Ele não disse uma palavra. Encaixou. Mas, expulsou-me. E arranjou um pretexto, que não era… arranjou um pretexto que nada tinha a ver com… Eu fui expulso. Um mês.
— Foi suspenso.
— É verdade. E, depois, a minha vida foi muito difícil, sempre. Mas, acabei o curso, acabei o curso.
— Acabou o curso, teve essa magnífica experiência em Paris e resolveu depois entregar-se à pintura. Em Portugal, a sua afirmação é progressiva, a partir dos anos 60.
— Como é que o Nadir Afonso pode apresentar a essência da sua arte?, como é que pode apresentar os seus trabalhos?
— Ó Luís, eu fui toda a vida um coca-bichinhos. Geralmente, um pintor, penso eu, geralmente os pintores, de uma maneira geral, pintam de maneira intuitiva. Pintam. Eu também faço isso. Mas, acrescentava sempre uma dúvida. Porque é que eu ponho aqui um círculo e não ponho um quadrado? Era, eu interrogava-me. Eu queria saber a razão porque é que estes impulsos são dirigidos à forma A e não são dirigidos à forma B. Eu tive sempre essa preocupação de compreender, coisas que não vejo no…, não me parece ver nos outros pintores. Um pintor, geralmente, é intuitivo e pinta. E, depois, se a coisa lhe agrada: «É o meu mundo interior que eu expresso na pintura. É o meu mundo interior, é… É a linguagem da minha alma. É o espiritual.» E… a minha tendência é materialista. Eu nunca acreditei nisso; nunca acreditei no espiritual, que o indivíduo acrescenta à obra e é essa obra que gera a obra de arte. O que tenho a impressão e que tive nessa altura já, que há qualquer coisa, qualquer lei, apanhada de maneira intuitiva e o indivíduo exprime essa qualidade.»
— E essa lei, vem da natureza [Nadir: «Ora, bem!»], da matemática?
— Ora, bem! Essa lei é uma lei de fonte matemática. O que é que é intuitiva e os estetas ainda não perceberam isso, Luís. Porque o indivíduo pode não ter consciência do que faz, mas sente as leis. O artista pinta, emprega leis intuitivas.    …    A obra de arte é regida por leis matemáticas, mas essa matemática não é racionalizável. O indivíduo sente e sem se aperceber que está a sentir matemática. Pensa que está a expressar o seu mundo interior.     …    E não. É o que pensam os estetas. «A obra de arte é a natureza, vista através de uma sensibilidade artística; é o mundo interior do artista que se revela na pintura». E eu digo: «Não! Há leis! Há leis.» E depois eu na minha luta. A minha luta foi acreditar que, além da perfeição, da originalidade, da evocação que o artista imprime à sua obra, há uma qualidade que não se apercebe, porque é regida por leis puramente intuitivas. E o indivíduo emprega leis que realçam as outras qualidades. Isto é que é interessante.
— Isso quer dizer que um artista nunca é completamente livre, porque tem regras a cumprir?
— Pois não é; essa liberdade é um mito. O artista emprega leis que estão na natureza. A matemática está na natureza. E é essa matemática que realça as outras qualidades. O indivíduo pode, se ele é realmente um ser sensível, pode até ir à perfeição, pode ter originalidade, mas, se não trabalhou as formas, se não trabalhou as formas, se não criou uma apetência às leis que regem a obra de arte, que são leis matemáticas, ele não faz obra de arte; porque um virtuoso pode muito bem fazer uma cara muito bonita,    … um rosto, é bonito!, mas se não tem apreendido as leis da, as leis na natureza, a que eu chamo leis de harmonia, que são leis matemáticas, ele não faz obra de arte. É, a meu ver, na medida em que o artista realça essas qualidades de perfeição, de originalidade e tal de leis matemáticas, que realiza a obra de arte.
— Quando é que essas fórmulas, quando é que essa harmonia está completa? Quando é que sabe que uma obra de arte…
— Ora, bem! Isso foi sempre a minha pergunta a mim próprio. Há o absoluto. Há o absoluto. Em dada altura em que as formas se organizam de tal modo, que não há nada a tirar nem a pôr. Eu penso nisso, mas para atingir esse absoluto é extremamente difícil; porque é intuitivo. Isto é uma coisa do diabo. A matemática está e é a essência da obra de arte. A matemática está na obra de arte; é a essência, mas essa qualidade é-lhe dada por leis intuitivas. O indivíduo sente e não se apercebe, ao nível do raciocínio, que são leis matemáticas. E é por isso que a minha luta anda há anos e anos contra os estetas, porque eu leio os estetas, ainda hoje leio os estetas, não há meio de falarem uma única vez da harmonia de fonte matemática. Falam em perfeição, em originalidade, em isto, mais aquilo, o mundo interior do artista…;  sobre as leis da matemática, não há, não vejo um único esteta que se refira a elas.
— É por isso que se preocupa tanto, também, em conhecer, em pensar, em escrever sobre o pensamento. O Nadir tem também essa faceta. Há uns anos, um livro seu sobre Van Gogh foi considerado o melhor livro de arte na feira de Frankfurt, mas falámos também há uns dois, três anos, do seu livro Face a Face com Einstein, e agora temos um novo livro-manifesto, O Tempo não Existe.
— Que manifesto é este, Nadir Afonso?
— Bem, eu refiro-me ao tempo, refiro-me às leis que regem a obra de arte, de fonte matemática, e faço uma pequena, uma pequena introdução à evolução da espécie humana.
— Porque é que o Nadir retoca tanto as suas obras? Sei que até o faz nos livros. Porquê, Nadir?
— Porque, geralmente, há essa necessidade da perfeição total, a harmonia total, há o absoluto, eu creio que há um absoluto na pintura. Eu creio que em dada altura na pintura não há nada a pôr e a tirar. Está exacta. A conjugação das formas é plena. Há leis matemáticas. E ali não há nada a pôr nem a tirar. Mas, para chegar a essa precisão, é um longo trabalho…. Para apreender as leis da matemática, é um trabalho, é uma vida. Eu, hoje, olho para os meus trabalhos de há trinta ou quarenta ou cinquenta anos e encontro defeitos; encontro defeitos. Já estou mais frágil, fisicamente estou mais frágil, mas espiritualmente sinto mais, mais a perfeiç…, mais a harmonia das formas. Sinto mais a matemática.
— E intervém.
— E intervenho… E modifico, modifico.Olho para muitos quadros meus, antigos, e retoco…, retoco. É uma necessidade. Mas é uma necessidade, Luís, a tal ponto, que quando eu entro na exposição e vejo lá quadros meus que já não via há quarenta ou cinquenta anos, e se de repente encontro um defeito, porque encontro, porque já estou com outra acuidade às leis, tenho a impressão que todo o mundo viu, toda a gente que estava na exposição viu. Aquilo é como quem faz um strip-tease. «Há ali um erro; há ali um erro.» E é uma obsessão. Eu encontro um erro num quadro e já tenho a tarde perdida. Tenho, tenho necessidade de retocar o quadro. Se o quadro já não é meu, eu peço licença para retocar o quadro.
— E dão-lhe essa licença?
— Isto tem dado problemas. Isso dá problemas…, porque há pessoas que dizem, assim: «Não! Este quadro é isto! E já foi reproduzido, assim. Já está em livros, assim. Não quero que o senhor mexa no quadro.» E eu não mexo; mas se a pessoa acredita em mim, eu retoco o quadro. E então os quadros que estão ainda em meu poder, eu retoco-os, com esta certeza absoluta que estou a melhorar o quadro.
— NADIR AFONSO SEM LIMITES foi o título dado à exposição que vimos no Museu do Chiado. É assim que se sente? Alguém que foi vencendo os limites, ao longo da vida?
É... Eu acho que sim. O artista é isso. Vai e vai corrigindo o seu trabalho, à medida que ele vai evoluindo, e vai corrigindo. Porque há uma matemática. Isto é tão importante! Eu olho para um quadro e, se ele não está dentro das leis matemáticas, eu sinto logo. Mas, isso é uma capacidade difícil. Os estetas não têm essa capacidade. Não têm, não. Os estetas olham para a perfeição, olham para a originalidade, mas falta-lhe esse trabalho, que é um trabalho duro, de percepção das leis; aí é que está a essência da obra de arte. Porque essa essência da obra de arte realça as outras qualidades. Um indivíduo que é, que é emotivo, pode fazer uma bela obra de perfeição, um rosto perfeito e o esteta, bem, «Ah, é uma linda obra, é uma perfeição.» Mas, se não tem essa perfeição, essa evocação, essa originalidade, não está regida por leis matemáticas, cai; cai, para um indivíduo que sente essas leis. Mas, o indivíduo que as sente, admira. É o que se vê em muitas obras actuais. Falta essa dimensão matemática. Mas, é difícil. É muito difícil..., de aprender essa qualidade. A perfeição apreende-se.
— O Nadir Afonso pensa mais no passado ou no futuro? Pensa mais…
— No passado, no passado…, é, agora, é. Agora, só penso no passado.
— Pensa em momentos da sua vida?
— Vejo, vejo…, vem-me sempre agora à memória o meu passado. A infância, tudo isso. É forte; é muito forte. Os meus erros, todos os, as minhas crenças, tudo isso. Vejo que não tinham significado nenhum. Microorganismos que evoluíram, pronto. E é essa a minha convicção. É essa.
— Continua a pintar, Nadir Afonso?
— Continuo…, continuo…, continuo, porque é sempre um prazer ver a conjugação matemática. Há uma harmonia nas formas. Isso dá prazer e eu, eu retoco…, retoco. Retoco quase que há cinquenta anos. Dá-me prazer ver a harmonia. Mas, tudo isso é, eu sinto que atrás de tudo isso sempre a mesma, a mesma descrença de tudo. Há uma descrença. Mas, quanto a isso, não posso fazer nada.
— Há uma descrença, mas ao mesmo tempo há uma vontade…
— Uma vontade...
— …de perseguir uma perfeição.
— Ai, há… Porque me reconforta ver a perfeição das formas. Ainda hoje estou a pintar, ainda hoje…, mas é uma descrença ao mesmo tempo. É uma vontade de aperfeiçoar a obra de arte, a minha obra de arte, mas sinto que isso tudo é, é limitado por essa outra crença, forte, muito mais forte, que é o nada de tudo isto. O niilismo de tudo isto. E o vazio de tudo isto. Claro que isto não se pode dizer à minha mulher, eu nem, nem à…, mas digo ao Luís, porque o Luís está-me a perguntar e tenho que ser sincero. Tenho que ser sincero. Há um vazio na vida. Há um vazio. Eu admiro muito os indivíduos que pensam como eu. E não os encontro muito; mas, no passado havia. Eu, às vezes, ponho-me a ver, a ler biografias e digo: «Este, cá está ele. Este era niilista como eu.»
— Mas, quando pinta…, quando pinta…, sente esse vazio?
— Sinto.
— Mas, então, é um vazio que preenche!?
— Eu… preencho, através da amizade, através da contemplação da beleza, mas tudo isso, eu venho sempre ao princípio, tudo isso é, há um niilismo ligado a tudo isso. Há um vazio. E nós vamos tentando fugir a isso; vamos… diariamente…, todos os momentos, eu estou sempre a fugir a isso, a fugir ao vazio, mas ele, esse está.
—Qual é a pergunta a que gostava de saber a resposta?
— A pergunta…,     … uma pergunta engraçada, hã? A pergunta…    … Não…, eu tenho a impressão, Luís, que já compreendi tudo. Que pode ser um egoísmo feroz, um egocentrismo pensar que já percebeste tudo, mas eu tinha um problema, que era compreender as leis da arte, mas hoje sinto que as compreendi. E quando vem um Einstein dizer: «A arte é um mistério.» — Para ti. É para ti um mistério, porque não trabalhaste as formas. É o que acontece aos estetas. Eles acreditam na magia, no sobrenatural, na, nisto, «a arte é um mistério», é o que diz o Einstein. E eu digo: «Não, não há mistério nenhum.» O que aconteceu foi ele nunca ter percebido, nunca percebeu as qualidades da obra de arte, nunca compreendeu o mecanismo da criação. Nunca compreendeu, não. Nem ele, nem muitos. A essência, aquilo que é essencial na obra de arte, que é a matemática, não sabem, porque é intuitiva. Eles não se apercebem que é uma qualidade intuitiva. Eu percebo. Se me perguntarem, assim: «Então, explica lá a matemática!», eu sou incapaz; mas, sinto-a. Mas, dizem assim: «Ah, é que aqui, que, olha, aqui está um quadrado que só tem três lados e três ângulos.» Eu não compreendo ao nível da compreen…, da…, do raciocínio, mas sinto. Isto é harmonia. E, quando não tem, eu sinto e tento retocar. Portanto, é o drama. O drama está aí. Por um lado, eu tento melhorar os meus quadros, e, por outro, sinto que isso não leva a parte nenhuma.
— Mas nesse caminho, nesse drama, conseguiu muitas coisas, venceu muitos limites e sente que atingiu a compreensão, o que poucos podem dizer, como referiu.
— Sim…, sim.
— Nadir Afonso. Celebramo-lo pelo seu trabalho e agradeço-lhe muito esta conversa.
—Muito obrigado, Luís, muito obrigado; mas, eu fui, tentei ser sincero.
— Não o conheço de outra forma.
[Outra voz.]
— Parabéns, Nadir Afonso. Faz hoje noventa e três anos. A seguir, a música leva-nos a Júpiter*.    …    …

[* Sinfonia de Mozart.]

*


O FILME DE JORGE CAMPOS. TRANSCRIÇÃO NA ÍNTEGRA DO QUE FOI DITO E DAS LEGENDAS
(Não se transcreveu a tradução do que foi dito em francês, preferindo-se o original.)



NADIR AFONSO
­­­(Jorge Campos, 1993)
(00:00) [Música, pinturas de Nadir]
(00:47) Não há nada de transcendente, não há nada de misterioso, não há nada de magia, não há nada de mágico na criação artística. Há unicamente uma segunda dimensão, há uma justaposição ao objecto, à significação do objecto. O artista justapõe, hã?, uma lei espacial. O objecto cria uma emoção, mas, pode não existir essa emoção do objecto, desde que a forma em si se mantenha pelas suas relações matemáticas. E então a emoção é pura, uma emoção de harmonia; a harmonia pura: sem qualquer sugestão ou representação de objecto. A harmonia pura. E, aí, está uma arte abstracta.
 (3:43) [A vermelho, em fundo negro]
NADIR
(3:55) Há pintores que trabalham directamente na tela e eu, na minha juventude, também fazia assim. Eu também me lançava para os chifres do touro, não é?, como se costuma dizer. Eu também…     começava, mas via que isso, muitas vezes, era extremamente exaustivo e eu comecei a compreender que a necessidade da compreensão é essencial na obra.
Eu, por princípio, começo por fazer pequenos trabalhos a uma escala, porque normalmente não passa disto. Geralmente, eu faço vários quadros ao mesmo tempo, não é? Tenho várias composições e vou trabalhando, aqui e acolá, onde eu sinto realmente que há necessidade de composição, mas tudo isto é intuitivo, rápido, conseguinte, totalmente gestual, e é rápido.
Normalmente, há uma segunda etapa em que eu procuro transpor a uma nova escala, e normalmente é uma escala de guache, ou uma escala maior, estes primeiros estudos. Mas, acontece uma coisa. Na medida em que nós vamos geometrizando as formas, elas vão-se tornando mais, cada vez mais exigentes; as formas tornam-se exigentes. Depois, entra-se numa espécie de meditação, já em face da tela, não é? Então é que o trabalho é mais elaborado. É um trabalho mais de reflexão.

(06:09) [A vermelho, sobre o filme, canção.]

As Ligações de Paris

Onde Nadir Afonso chegou em 1946
indo trabalhar como arquitecto no
atelier de Le Corbusier onde conheceu,
entre outros, André Wogenscky,
Georges Candilis e Iannis Xenakis.

(07:22) [Roger Aubry / galerista]
Actuellement, les peintres connus, les peintres demandés, car les gens en général ne jugent pas par eux-mêmes, jugent par le jugement de revues, de journaux, de conseils, de critiques, etc. Tous les peintres actuels sont des peintres médiatisés, très médiatisés, trop médiatisés. Ce n’est pas, hélas!, souvent, la qualité qui conte, mais la notoriété. Donc, les gens sont appelés à acheter ce qui est à la mode. Et la mode, comme tout, ça se démode.
(08:07) Et, bien, Afonso, ça fait, je crois, vingt ans au moins que je le connaît, vingt ans que je l’apprécie, donc, vingt ans qu’on le défend. Ce n’est pas facile. Ce n’est pas facile, parce que, comme je vous le disait, on se porte à un marché commercial organisé et, on peut le dire, superfinancé. Mais, pour moi, c’est un grand et c’est un grand, pourquoi? C’est un grand, parce que il a toute une formation derrière et il a une conception de l’art. Un peintre c’est pas celui qui reproduit un bel arbre ou une belle fille…, ou une nature morte. Un peintre c’est celui qui, on peut dire presque le mot, lute avec Dieu; il reconstruit le monde, suivant sa conception à lui.
(09:37) Il a découvert le monde actuel que on peut dire construit, construit architecturalement, pratiquement. Regardez les villes, regardez la champagne, regardez les routes, regardez les spaces, regardez tout; le monde est construit. Et lui, il l’a compris et, en plus, il ne fait pas que reproduire. Il cherche à apporter le maximum, on peut dire, d’impressions, si on peut dire, avec le minimum de moyens. Par exemple, l’ Opéra de Paris, vue par Afonso. C’est formidable ce que c’est que l’Opéra, mais si vous regardez, évidemment, c’est pas du tout pareil, mais c’est l’essence, cést, on peut dire, l’essence, le sens propre, comprenez!?, de l’Opéra. Et quando il représente les tableaux comme vous en avez vu, comme vous en verrez, comme vous en regardez, et tout, vous êtes certain que est indémodable.
(10:45) [La chansonette]
(11:30) [Legenda, a vermelho,  sobreposta ao filme]

35 Rue de Sèvres
onde ficava o atelier de Le Corbusier,
demolido para dar lugar a este imóvel.

(11:40) Em 45, 46, quando eu aqui cheguei, Paris estava no após-guerra, praticamente destruída, havia umas pessoas que circulavam ainda andrajosamente, havia racionamento…

(12:00) [Georges Candilis]
La guerre est finie et ceux qui rêvent — c’est bien, rêver — rêvent Paris. Et, parmi ceux qui rêvaient Paris, c’étaient moi, c’étaient et Nadir et moi. La première chose qui…, pour moi, c’était de venir à Paris. Jávais eu de la grand’chance de venir, le fin de 45. Et j’avais la grand’ chance de rencontrer Le Corbusier, qui acceptais que je travaille, chez lui. Et, à ce moment, de jeunes architectes surtout, de tous les pays du monde, commençaient à venir. Et l’atelier Le Corbusier, le fameux atelier de Le Corbusier, c’était vraiment un rassemblage de tous de pays et de tous les langues*. Mais il y avait, là même, un caractère commun. C’étaient tous des passionés. Le plus passioné de tous c’était Nadir. Pas tellement pour l’architecture, mais pour la peinture surtout et pour la vie.
*Transcreve-se o que G. C. efectivamente disse, na parte final deste período.
(13:23) [André Wogenscky]
On sentait déjà que il était intéressé par l’architecture, mais, quand même, un petit peu résistant pour se laisser entraîner dans tout le monde de l’architecture. Et on sentait déjà que il était plus tenté de faire de la peinture. Je me souviens de conversations avec lui, de dessins ou petites peintures qu’il me montrait et je sentais três bien déjà, me suis dit, que il deviendrait sûrement peintre, beaucoup plus qu’architecte.
(14:20) Nessa altura, quando cheguei aqui, eu representava o real, tal qual ele me parecia, hã, na sua visão directa, na minha visão directa. Hoje, penso doutra maneira, mas, a minha pintura dessa altura era uma pintura objectiva; era uma pintura naturalista. E depois do naturalismo passei ao expressionismo, já aqui, e depois ao surrealismo e depois, pouco a pouco, entrei na pintura abstracta, mas já muito mais tarde.
(14:50) [Iannis Xenakis] Je me souviens que c’était un garçon assez renfermé en lui-même, mais qui était actif, je ne sais plus en quoi, d’ailleurs; il dessinait et, plus, je sais aussi qu’il aimait la peinture, c’était son problème à lui.
(15:16) Quando cheguei a Paris, já admirava, evidentemente, o próprio Vasarelly, já o admirava; como Max Ernst, que é um grande pintor. Havia o Giorgio de Chirico, havia…, havia tantos pintores..., claro!, Picasso, Fernand Léger, todos esses pintores, já cá estavam, com quem depois tive alguns contactos…, mas, é claro, a minha vida era com estes camaradas aqui do atelier. Eu tinha uma vida de arquitecto, hã?!, que trabalhava, pois claro! Eu vivia da minha arquitectura e a minha pintura era uma coisa extremamente pessoal. Os meus contactos foram mais, depois, com os pintores da minha idade, mais. Com Deswane, que era um grande pintor francês, com Pillet e outros assim.   Ah, e depois, com muitos pintores; com Mortensen… Mas todos estes pintores, digo, era, havia uma emulação, na pintura; houve sempre emulação em Paris. Sentia-se muito essa emulação, coisa que eu não senti em Portugal. Aqui, o pintor é maltratado!..., porque há uma luta entre cada pintor. Pode ter amigos, hã?, mas o diálogo entre pintores, cada um, tem um segredinho, hã?, que ele explora e não vai, de modo nenhum, deixar os outros participar nas suas criações…, nem pode, ainda que quisesse. Porque o indivíduo tem que trabalhar, ele próprio. Não é o facto de andar de braço dado com o grande artista em Paris que se aprende a fazer pintura. Eu posso ter aqui muitos amigos em Paris, e tive alguns, mas esses amigos nunca me favoreceram em coisa nenhuma. Eles não me podem favorecer. Era amigo do Vasarelly, era amigo do Mortensen, era amigo do Herbin…; era, realmente. Mas, isso nunca me valeu de nada. Então, o facto de andar, de ir a uma boîte com o Vasarelly é que me vai dar capacidade para pintar? Não! Isto é uma ilusão.
(17:16) [La Chansonette]
(17:35) [Georges Candilis] Nadir, dès qu’il voyait une jolie fille… ça y est   …, il disparaissait, il commençait à planer… Ah, oui! C’était formidable. J’aime beaucoup ça.
(17:58) [Catherine, filha de Nadir] Ma mère était donc dans un milieu artistique, théatrale, hã?, elle jouait au théatre avec Charls Dullin, elle était éleve de Charles Dullin. Elle est pégidée (?), à l’époque, et je crois que c’était quelqu’un de très romantique, de très, d’épris d’idéal, de peinture, aussi, de théatre, enfin. Et, un jour, elle a vu dans la rue un énorme cape, qui volait, et l’a suivi comme ça. Je crois qu’ils s’ont rencontré sur un dans un autobus. Elle a dit: «Mais, qui êtes-vous?» Et se sont rencontrés comme ça, oui. Elle a tout de suite été très amoureuse de son côté idéaliste, romantique et très… très artiste, hã?
(18:39) Il faudrait lui demander s’il y l’a encore le manteau de berger qui luit [?] comme une grande cape comme ça qui l’enveloppait et ça lui donnait une allure três spectaculaire, três poétique, três romantique.
(18:56) [La chansonnette]
(19:44) [Georges Candilis] C’était une generation, après la guerre, qui voulait trouver leur chemin.
(19:57) [Iannis Xenakis] J’avais fait une pièce à l’époque qui a fait un grand scandale à Donaueschingen, en Allemagne…, où on faisait…des, c’était l’endroit où on faisait la musique d’avant-garde. Et la moitié de la sale était pour, surtout les jeunes, pour ce que j’avais fait, et les plus vieux, qui étaient quand même d’avant-garde, étaient contre.
(20:20) [André Wogenscky] On sentait que Xenakis serait attiré par la musique, comme on sentait que Nadir Afonso serait attiré par la peinture.
(20:29) O pintor é, por conseguinte, uma sensibilidade plástica que é trabalhando as formas que ele evolui na percepção da obra de arte.
(20:40) [Roger Aubry, galerista] Lui prend l’essentiel et, comme je dis, il est en avant sur les autres. Et donc, tant pire pour lui. Il choit pour attendre cinquante ans. Hélas!
(21:14) [André Wogenscky] La peinture de Nadir Afonso est une peinture à trois dimensions; il y a dans ses peintures une profondeur, il y a des reliefs qui viennent d’en avant. C’est une pensée spatialle et cela, finalement, c’est extrêmement proche de l’architecture, mais, avec, bien sûr, plus de liberté, avec plus de possibilité imaginative et, par conséquent, peut-être, aussi, avec plus de possibilité de poésie que ne permet l’architecture.
(22:20) [Legenda, a vermelho, sobre a imagem]

André Wogenscky, arquitecto,
foi chefe do atelier de Le Corbusier
com quem trabalhou durante 20 anos
e, mais tarde, director-geral dos
monumentos e palácios nacionais de
França.


(22:35) [Legenda, a vermelho, sobre a imagem]

Georges Candilis, arquitecto, quis
fazer habitações «ricas» para os
pobres um pouco por todo o mundo.
O seu espólio pertence ao Centro
Pompidou de Paris.

(22:52) [Legenda, a vermelho, sobre a imagem]

Iannis Xenakis, engenheiro, introduziu
o cálculo de probabilidades
na música e tornou-se um compositor
universal.

(23:05) [Legenda, a vermelho, sobre a imagem]

Roger Aubry, galerista, prossegue
o seu combate solitário contra
aquilo a que chama os especuladores
do mercado da pintura.


(23:15) [Yvaral, filho de Vasarelly. Parte do que diz é inapreensível, por sobreposição sonora de canção, em voz feminina. O filho de Vasarelly, com Nadir a seu lado, segura na mão direita uma tela sem moldura, com a pintura nela de uma das cidades criadas pelo pintor português. Nadir e Yvaral estão numa cumplicidade tal, que o jovem não consegue conter o riso, que lhe afoga as palavras.]
Le geste c’était […] Ah, bon. C’est très con… C’est presque curieux, surréaliste, de me […] avec vous ……..                  

(24:00) [Legenda, a vermelho, sobre a imagem]

Rodado em Paris de 27 a 
                                              31 de Março de 1993.


(24:17)                                              Fim da 1.ª parte

(25:58) Não há dúvida nenhuma que o círculo é uma forma duma exactidão tal que cria uma consonância no espírito e o faz abrir um ponto central equidistante dos pontos periféricos… Esta lei geométrica ressoa no espírito e nós temos, sentimos o círculo como exactidão… É uma contemplação prodigiosa, o círculo, como harmonia da forma. O quadrado, também. Quatro ângulos, quatro lados iguais; isto ressoa no espírito uma forte emoção.
(27:04) O Kant escreve sobre as formas geométricas e ele diz: «As formas geométricas provocam-me um grande ennui.» Um grande, um grande aborrecimento. Kant lança esta blasfémia. E toda a gente achou muito bem; foi o Kant que escreveu. As formas geométricas provocam-me um grande, um grande…, um grande enfado. Aborrecem-me. Ele escreveu isto com razão. Para ele!... Não teve sensibilidade às formas. Mas para o artista… Eu escrevi o contrário. O mais belo espectáculo da minha vida é olhar para um círculo, para um triângulo equilátero, para um quadrado… São os grandes…, a exactidão das formas é o grande espectáculo da minha vida.
(28:41) A obra de arte não é um jogo de significações de objecto. É um jogo de leis nos espaços. E podem-me perguntar, assim: «Mas onde estão, onde estão essas leis, onde estão essas leis que o senhor fala, essas leis dos espaços?» Estão no espírito do homem? Elas estão na natureza.
(29:20) Não há dúvida nenhuma que a essência da obra de arte está no círculo, está no quadrado, está no triângulo. Unicamente, essas formas da natureza, uma vez transportadas ao quadro, sofrem uma segunda lei, a que eu chamo lei de integração e desintegração. Essas formas elementares da natureza são integradas, desintegradas, segundo uma lei, hã, que o espírito apreende da natureza, igualmente. Por conseguinte, não está o quadrado, não está o círculo, mas está uma integração ou uma desintegração dessas leis, hã?, que se justapõem, que se interpenetram umas nas outras, e desse conjunto é que sai a harmonia da obra de arte. Por conseguinte, a harmonia da obra de arte é regida pelas mesmas leis da natureza, mas levadas a um extremo de complexificidade. Não são as formas elementares da natureza, não é o triângulo, não é?, mas, são formas complexificadas, a partir dessas leis elementares.
(31:21) [Legenda sobre o filme.]

O Sentido da Arte

(31:29) [Legenda sobre o filme.]

Nadir Afonso nasceu no interior,
em Chaves, cidade do noroeste
transmontano, em 4 de Dezembro
                                                          de 1920.

(31:44) [Legenda sobre a imagem.]

Pintou pela primeira vez
aos 4 anos.

(31:49) [Legenda sobre a imagem.]

A pintura era um círculo vermelho
 na parede da sala de sua casa,
de tal modo perfeito que ninguém
se atreveu a repreendê-lo.

(32:00) O meu pai era poeta. A minha mãe era doméstica. Foi assim um encontro, lá, bastante romântico, pelo que dizem, não é?... O meu pai fazia umas poesias, havia uns concursos de beleza… E o meu pai fez, dedicou-lhe alguns poemas e depois houve uma troca de…, a minha mãe era dos arredores de Chaves, não é? Sou, por conseguinte, flaviense de gema pura, não é?
(32:41) O meu pai nunca lavrou, mas todos os meus antepassados lavraram as terras, não é? Mas a infância do um pai foi realmente, foi junto da terra. Eram lavradores.
(33:04) Identifico-me com esta paisagem, talvez até já por hereditariedade. Eu tenho impressão que há qualquer coisa que nós retemos, hã, por atavismo dos nossos antepassados. O meu pai gostava muito, por exemplo, do Larouco. Ele… caçava no Larouco; gostava muito destas paisagens, (não é?). E eu sinto, quando olho para estas serranias, lembro-me dos meus antepassados e parece que me identifico com eles…, através da mesma visão da natureza.
(34:01) Já transmontano, talvez não. Nesta nossa maneira de ver as relações humanas, é sempre através da natureza. Tudo o que há entre os homens é coado através da natureza…, é sentido, através da paisagem, não é? Que tudo isto…, que é profundamente humana… A paisagem torna-se humana e o homem torna-se paisagem.
(34:35) Há uma comunidade. E as pessoas pagam umas às outras pelo esforço, por esforços, por trabalho. Praticamente, o dinheiro não existe entre as pessoas.
(35:23) Na minha infância, tentei essa…, transmitir à tela, justamente, essa…, essa simpatia (hã?), por tudo aquilo que nos rodeava.
(35:47) Comecei por aí. Comecei a pintar as ruas de Chaves. Andava com o meu cavalete a pintar, junto do rio e no jardim público…, andava.
(35:58) [Locução.] O Nadir pinta as suas primeiras obras aos catorze anos, passa em Chaves a sua infância, a sua juventude, tem aqui os seus amigos, faz o liceu e, depois, no final dos anos 30, vai para o Porto, para a Escola Superior de Belas Artes. E, aí, torna-se arquitecto. Mas, arquitecto, por engano, não é?
— Sim, é verdade. Mas, foi um acidente, nisso. É que eu fiz um requerimento às Belas Artes do Porto, como candidato a, como, justamente, a candidatar-me para ser aluno de Pintura. E encontro um funcionário, até logo à entrada…, eu não cheguei à secretaria. À entrada, «O que é que o senhor deseja?»
— «Eu vinha-me inscrever, como …, no curso de Pintura.» E ele pegou no meu requerimento e leu: «Ó homem. Então, o senhor tem o curso dos liceus e vai para a pintura, vai cursar o curso de pintor? Ó homem, inscreva-se na Arquitectura. Tem mais, tem mais futuro.» E foi assim. Eu fui levado (hã?) por aquela informação (hã), por aquele medo que me meteu aquele funcionário. E fiz o meu curso de Pintura, o meu curso de Arquitectura contra vontade. Eu pintei sempre. Eu fui sempre pintor.
(38:24) [Locução.] O Nadir pintou o ser quadro A Ribeira, aos dezanove anos, e a crítica da época, de resto muito próxima dos salões oficiais, ficou de algum modo perplexa. Um pouco mais tarde, no início da década de 40, formou-se o grupo d’Os Independentes e desse grupo faziam parte, entre outros, o Júlio Resende, o Fernando Lanhas, o Júlio Pomar, o Amândio Silva e o próprio Nadir.
— Recorda-se de como é que esse grupo se chamou, justamente, Os Independentes?
— Ora bem. Isso, não tenho muito, não sei bem. Eu acho que nós começámos por nos intitular Os Convencidos da Morte. Porque havia Os Vencidos da Vida…, com o Antero, com o Eça de Queirós, com o Guerra Junqueiro, com essas figuras. Havia Os Vencidos da Vida e nós, talvez para chocar, lá está, Os Convencidos da Morte. Era aquela necessidade, realmente, de fazer…, de irriter le bourgeois. Pois é… E, depois, alguém se lembrou que — até talvez tenha sido um crítico!..., um grupo de independentes, qualquer coisa —, que se lembrou de nos chamar Os Independentes, mas esse termo, ele nunca apareceu muito, no princípio. Havia esta necessidade de criar, havia uma necessidade de criar, mas nós não sabíamos bem o quê. E estou convencido que muitos artistas não sabem bem o quê. Claro, em certos artistas, havia a preocupação de saber: o que é que, o que é, mas isto é uma pergunta: «O que é que o senhor pinta?» — Pinto para ver se compreendo a razão… Eu pinto para ver se compreendo a razão por que pinto. — Nós andámos a procurar a razão por que é que, por que pintávamos. Havia, realmente, inquietação em nós, pois se não houvesse inquietação, andávamos a fazer outras coisas, não andávamos nas Belas Artes nem andávamos a pintar pelas ruas…, mas, claro, nessa altura, o centro da nossa interesses, das nossas atracções era a mulher. No fundo, o que é que um homem pretende, aos dezoito anos, quando entra nas Belas Artes…?
(40:31) [Canção, voz feminina: «Kiss me one, and kiss me twice and kiss me once again It’s been a long, long time.]
(41:23) [Locução] Sendo, embora, um grupo de ruptura com a tradição, havia n’Os Independentes algum sentido de unidade estética?
— Bem… A meu ver, não. Porque eu digo com…, francamente, eu só me comecei a aperceber de que havia qualquer coisa de essencial na obra de arte, que se tinha de traduzir por leis, eu só me comecei a aperceber disso muito tarde. Foi uma longa evolução, foi uma longa evolução, de anos e anos, eu trabalhando a forma, pouco a pouco, o indivíduo vai sentindo essas correspondências, essas, estas relações, essas estruturas, pá…, essas formas que, justamente, que começam a ter dois significados. Elas são evocativas, elas são originais, elas são…    …, mas começam a ser, também, harmoniosas…
(42:20) A cor na arte joga como um factor geométrico. O que é que isto quer dizer? Neste quadro, o fundo é branco. Aqui, a cúpula da Ópera, isto pretende representar a Ópera, é amarela. É um amarelo-claro; este amarelo-claro não é uma cor bonita, nem este vermelho é um vermelho bonito. O que acontece é uma coisa. É que esta cor amarela, na sua intensidade, em relação ao branco, harmoniza-se. Pronto. O arquitecto, aqui, funcionou. Mas, podia não ter funcionado. E, em muitos quadros meus, o arquitecto não funciona. É que isso realmente na cidade de S. Paulo vê-se que aqui há uma sugestão de formas arquitectónicas. Mas, isso é secundário. O tema é secundário. Se eu fosse a carregar o amarelo; ou se eu fosse a meter, em vez do vermelho, aqui um vermelho mais escuro, tudo isto jogava de outra forma. As relações matemáticas que se criavam entre as formas era diferente e já não surtia o efeito da composição. A composição desvanecia-se.
(44:46) O período egípcio? Sei lá bem!... É um quadro meu, começa hoje e vai acabar não sei quando. Não sei quando acaba. Acaba à hora da morte…, pela certa; mas, antes disso, eu não pro…, eu não garanto que o meu período egípcio está entre duas faixas, enfaixado entre duas datas, não está! É que eu, quando saí de Portugal, levei alguns trabalhos inspirado na cidade do Porto. Era o barroco do Porto. Era a coisa que mais me atraía. A igreja dos Grilos…, com aqueles rococós todos, aquela coisa toda. E, depois, dali, fui extraindo certos elementos: as espirais da igreja dos Grilos…, comecei a isolá-los…, de maneira que comecei, em dada altura, a sentir afinidades, hã?, entre a minha pintura barroca e uma certa composição, hã?, egípcia. O meu barroco portuense geometrizado, depois, teve como consequência, justamente, o período egípcio.
(46:00) [Locução] É sabido que o Nadir foi sempre um viajante infatigável.
— Lembro-me sempre do Rimbaud e outros poetas, não é?, que privilegiavam a cidade…
[Locução] Esteve no Brasil, onde trabalhou com o arquitecto Óscar Niemeyer nos anos 50, conheceu pintores, como Cavalcanti e o Portinari, e, ao longo dos seus quase trinta anos de Paris, conviveu com homens como Magnelli, Bertrand, o Dewasne e, naturalmente, também, com o próprio Corbusier. A propósito, Nadir. Como era o Corbusier? Era uma pessoa difícil?
— Era. Era difícil, era. Era difícil. Tinha coisas do arco-da-velha, aquele homem. Quer dizer: como homem era de humanidade, era simples, era homem fácil; mas, quando se lhe falava na arte, aí, era o diabo.
— Mas o Nadir, também é um pouco assim?
— Talvez possa…, tenha os meus defeitos, pois tem. Pois é. Isto é como o sarampo. Pega-se. É natural, é. Eu, também há coisas que não suporto.
(47:17) [Locução] É igualmente sabido que é autor de uma obra teórica vasta, publicada em francês, pelo seu editor suíço, Marcel Joray, traduzida em inglês e em alemão, mas não em português, e que nem sempre a sua relação com os críticos tem sido a melhor.
— Pois não. Há dias…eu, há dias um crítico, eu, quando estava a tentar, quando eu estava a ser, ia ser operado, precisei de, precisei de arranjar pessoas que dessem sangue; doadores de sangue. E um crítico telefonou à minha mulher e diz-me: «Eu sou doador de sangue, eu dou sangue ao Nadir, se ele quiser, mas, eu sei que ele não se dá muito bem com os críticos. Ele quererá sangue de crítico?»
(48:13) [Locução] E é sabido, igualmente, de que não gosta daquilo que se passa em torno do mercado da arte.
— Deus nos livre! Deus nos livre dele. É preciso, hã, é preciso ter muita, muito, ter muito fraco carácter, para meter-se…; é um meio mafioso. Há coisas que são, que bradam aos céus. Injustiças, que um tipo assiste, assim, de caras, mas com uma naturalidade, nos outros, um tipo fica espantado. O português, o transmontano…

(49:14) [Legenda, a vermelho, sobre fundo azul]
Nadir Afonso regressou a
Portugal no início dos anos 70.
Vive com a família em Cascais,
passando largas temporadas em
Chaves. Pinta todos os dias.

(49:14) [Locução] Mas, deixe-me fazer-lhe uma última pergunta. Tem a certeza da sua arte?
— Absoluta. Tenho a certeza daquilo que faço, absoluta.
(50:20) [Legenda, a vermelho, sobre filme, os rostos dos dois filhos mais novos,] olhando a câmara.
Artur, 10 anos e
Augusto, 3 anos, filhos
mais novos de Nadir.

*

     Música (do genérico):

Iannis Xenakis

Richie Beirach

«La Chansonnette»
Patachou

«Autumn Leaves»
Ross Wassenrum
Rickie Lee Jones

Bill Evans
Claus Ogerman

The Penguin Café

*
As cidades
ou os lugares onde nunca esteve?
Os painéis da estação do Metro — Restauradores
Obs.: Clique nas imagens, para ampliar.





















*

Ao pé do mar


O QUE SENTI, AO VER AS PINTURAS REPRODUZIDAS NO TÚNEL DO ESTORIL:
A-L-E-G-R-I-A.
Alegria, que lhe deu certamente muito trabalho. Trabalho que manterá até ao fim, até poder. Nadir pinta sempre, mesmo quando a mão já não obedece e resiste ao cérebro. Corrige erros. A sua última fase é a melhor, no fim de uma evolução a caminho do quadro puro.
RECORDEI A JUSTEZA DA ESCOLHA DA MÚSICA DE SINFONIA DAS CORES, DE ARTHUR BLISS, PARA O INÍCIO DO PROGRAMA «A RONDA DA NOITE», DE 4 DE DEZEMBRO DE 2013. NOS QUADROS REPRODUZIDOS NO TÚNEL DO ESTORIL, ESTAMOS PERANTE A
S-I-N-F-O-N-I-A  D-A-S  C-O-R-E-S.
(Clique nas imagens, para ampliar.)

















Na outra parede











REFERÊNCIAS

https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/1724 - Laura Afonso - A crítica na obra de Nadir Afonso : o caso das obras de título citadino. Dissertação de mestrado em Estudos do Património, apresentada à Universidade Aberta, 2010.
Fernando Guedes - Nadir Afonso, Editorial Verbo, 1968.
Agostinho Santos -  Nadir Afonso. Conversa com Agostinho Santos, Âncora Editora, 2012, reimpressão.
http://www.academia.edu/2320913/As_Cidades_In_visiveis_de_Nadir_Afonso - por Nuno Marques.
https://www.facebook.com/nadirafonso
Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto -- Nadir Afonso / Nadir Afonso / 1910-2013 / Pintor, arquitecto, filósofo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nadir_Afonso - Artigo bastante desenvolvido, a completar com os dois seguintes.
http://en.wikipedia.org/wiki/Nadir_Afonso_artworks#Cities_series - Um elenco das suas obras: primeiras obras; expressionismo; período surrealista; período íris; série Espacillimité; período barroco; período Brasil; período egípcio; geometria; série Cidades; série Mulheres; não identificados; gravuras; litografia; serigrafia; outros -- Arquitectura -- obras próprias; Le Corbusier -- (projectos por Le Corbusier, colaboração de Nadir Afonso).
http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Nadir-Afonso - Artigo de carácter enciclopédico, bastante informativo, em inglês.
http://www.publico.pt/cultura/noticia/morreu-o-pintor-nadir-afonso-mestre-da-abstraccao-1615890#/0 - Notícia da morte. «Morreu o pintor Nadir Afonso, mestre da abstracção geométrica», 12 Dez 2013.
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=702358&tm=4&layout=123&visual=61 - Notícia da morte, por Helena Esteves, com Sandra Henriques.
http://www.rtp.pt/antena2/?t=Nadir-Afonso-1920---2013.rtp&article=2762&visual=2&layout=5&tm=10 - Texto de Luís Ramos, 11 Dez 2013: Nadir Afonso (1920-2013).
http://visao.sapo.pt/nadir-afonso-1920-2013-local-e-universal=f761186 - Reproduz o JL de 14 Mar 2007. Autobiografia - Nadir Afonso/Local e universal.
http://www.correiodominho.com/cronicas.php?id=5553 - José Jorge Letria, em 17 Dez 2013 - Nadir Afonso: A Matemática da Arte e da Vida.
http://umjeitomanso.blogspot.pt/2013/12/no-dia-em-que-morreu-nadir-afonso.html - No dia da morte de Nadir, recorda o que escreveu um ano antes, na relação do pintor com Le Corbusier e Niemeyer.
 http://chaves.blogs.sapo.pt/1007179.html - Na manhã de 11 de Dezembro de 2013, a notícia. São-nos deixados os posts do blogue, publicados em 13 de Outubro de 2008, conjunto digno de menção.
*
www.rtp.pt/play/p315/e137616/molduras - Molduras: emissão de 13 Dez 2013.
http://www.rtp.pt/icmblogs/rtp/molduras/?k=Nadir-Afonso.rtp&post=26541 - Molduras. Blogue, 12 Dez 2013: NADIR AFONSO.
http://www.rtp.pt/play/p1299/e136877/a-ronda-da-noite - A Ronda da Noite, 4 Dez 2013. Esta conversa teve a sua primeira emissão, em  4 Dez 2010, n'A Força das Coisas, em que foram transmitidas considerações de Nadir sobre a evolução da espécie humana e a angústia que acompanha o progresso do lado espiritual do homem, mais sublime, mas mais angustiado. Ver abaixo essas palavras, no anexo PEDRAS...
http://www.rtp.pt/play/p321/e31280/a-forca-das-coisas - primeira emissão da conversa com Nadir Afonso.
http://expresso.sapo.pt/uma-conversa-com-nadir-afonso=f845663 - Expresso, 11 Dez 2013. Reproduz entrevista ao jornal Tempo, de 7 de Abril der 2004.
http://www.publico.pt/cultura/noticia/nadir-in-memoriam-1615926#/0 - 11 Dez 2013.
http://aluzdascasas.blogspot.pt/2010/12/nadir-afonso-matematica-criacao-e-o.html - escrito em 4 de Dez de 2010. Bom apontamento, no mesmo dia da saída para o ar do programa de Luís Caetano. A conversa termina, diz Risoleta da Conceição, com a música preferida do entrevistado -- Je te veux, de Erik Satie.
http://www.nadirafonso.com/
http://www.nadirafonso.com/tempo-nao-existe-documentario/
http://espacillimite.blogs.sapo.pt/
http://espacillimite.blogs.sapo.pt/313476.html - Espacillimité, NADIR AFONSO - laurafonso@sapo.pt, 14 Nov 2013.
http://espacillimite.blogs.sapo.pt/85206.html - Espacillimité, NADIR AFONSO - laurafonso@sapo.pt, 22 Ago 2010.sp Esp
http://www.youtube.com/watch?v=x39nd346WcU - Nadir Afonso, parte 1/2. O pensamento e a obra
http://www.youtube.com/watch?v=MR3rXJqYnms - Nadir Afonso, parte 2/2. Cascais e a vida do pintor
http://www.youtube.com/watch?v=LO5CPoxE9Q8 - Patachou - La chansonnette


*

PEDRAS, PARA APROVEITAR OU NÃO NESTA MENSAGEM.

Mature works[edit]

Of Bliss's early works, Rout is occasionally performed, and has been recorded, but the first of his works to enter the repertoire (at least in the UK) is the Colour Symphony. Each of the four movements represents a colour: "purple, the colour of amethysts, pageantry, royalty, and death; red, the colour of rubies, wine, revelry, furnaces, courage, and magic; blue, the colour of sapphires, deep water, skies, loyalty, and melancholy; and green, the colour of emeralds, hope, joy, youth, spring, and victory." The first and third are slow movements, the second a scherzo, and the fourth fugal, described by the Bliss specialist Andrew Burn as "a compositional tour de force, a superbly constructed double fugue, the initial subject slow and angular for strings, gradually becoming an Elgarian ceremonial march, the second a bubbling theme for winds."[44] Burn observes that in three works written soon after his marriage, the Oboe Quintet (1927), Pastoral (1929) and Serenade (1929) "Bliss's voice assumed the mantle of maturity … all are imbued with a quality of contentment reflecting his serenity."[2]

WIKIPÉDIA, http://en.wikipedia.org/wiki/Arthur_Bliss
http://en.wikipedia.org/wiki/A_Colour_Symphony
http://www.youtube.com/watch?v=zi6FdphM7CA
http://www.youtube.com/watch?v=q5SnpFLxuXk
http://www.youtube.com/watch?v=ZSkUFJ80-rw


It's Been a Long, Long Time Lyrics

Kiss me one and kiss me twice
Then kiss me once again
It's been a long, long time
Haven't felt like this, my dear
Since I can't remember when
It's been a long, long time
You'll never know how many dreams
I've dreamed about you
Or just how empty they all seemed without you
So kiss me once, then kiss me twice
Then kiss me once again
It's been a long, long time
Oh, kiss me once and kiss me twice
Then kiss me once again
It's been a long such, a long time
I haven't felt like this my dear
Since I don't remember when
It's been a long been a mighty long time
You'll never know how many dreams
I've dreamed about you
Or how empty they all seem without you
So kiss me once and kiss me twice
And kiss me once again
It's been a long long time
It's been a mighty, mighty long time



http://www.bigozine.com/TRKSA1/RLJparis/RLJparis209.mp3 (Autumn Leaves)

AUTUMN LEAVES
Nat King Cole – Autumn Leaves Lyrics
Translation in progress. Please wait...
http://www.lyricsfreak.com/i/loader.gif
Songwriters: KOSMA, JOSEPH / PREVERT, JACQUES ANDRE MARIE / MERCER, JOHNNY
(french lyrics by jacques prévert,
English lyrics by johnny mercer,
Music by joseph kosma)

The falling leaves drift by the window
The autumn leaves of red and gold
I see your lips, the summer kisses
The sun-burned hands I used to hold

Since you went away the days grow long
And soon I'll hear old winter's song
But I miss you most of all my darling
When autumn leaves start to fall

C'est une chanson, qui nous ressemble
Toi tu m'aimais et je t'aimais
Nous vivions tous, les deux ensemble
Toi qui m'aimais moi qui t'aimais
Mais la vie sépare ceux qui s'aiment
Tout doucement sans faire de bruit
Et la mer efface sur le sable les pas des amants désunis


http://commons.wikimedia.org/wiki/File:1944_Os_Independentes.jpg

No Porto de há vinte anos... Bela evocação a iniciar o livro de Fernando Guedes, publicado em 1968. Fica aqui, entre outras «pedras».


No Porto de há vinte e tal anos aconteceu frequentarem simultâneamente a Escola de Belas-Artes aqueles a quem se ficaria a dever o primeiro e mais continuado movimento renovador da pintura portuguesa do após-guerra. Cito alguns, e por ordem alfabética: Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Júlio Resende, Nadir Afonso. E recordo ainda Amândio Silva, António Lino, Arlindo Rocha, Artur da Fonseca, Israel Macedo, Rui Pimentel, Victor Pala.
     O que então acontecia, nenhum dos protagonistas, nem os que de mais perto os acompanhavam podia avaliar. Na minha memória misturam-se ecos da Sagração da Primavera, ouvida pela primeira vez em casa do Pimentel, com as primeiras cerâmicas de Júlio Pomar, vidradas, quase por favor, numa fábrica de Gaia, e os serões intermináveis em casa do Lanhas, na Rua José Falcão, e a chegada do Resende à Estação de S. Bento, vindo de Paris (e a nossa ânsia de saber novidades), e as excursões a S. Pedro da Cova em busca de fósseis, e a escultura abstracta do Arlindo Rocha, premiada dez anos mais tarde, e o Nadir a pedir-me que lhe «dissesse» a Salve- Rainha e a extasiar-se ante a singela beleza daquelas palavras sagradas, e os requintados cafés tomados no requintadíssimo estúdio do Artur da Fonseca, na Rua da Fábrica.

Da conversa com Nadir Afonso, 4 de Dezembro de 2010, n'A Força das Coisas
[A evolução da espécie humana]

            (N. B. — A azul, palavras apenas ditas em 4 de Dezembro de 2010. A roxo, encerramento da peça, específico dessa emissão.)

     — Bem, eu refiro-me ao tempo, refiro-me às leis que regem a obra de arte, de fonte matemática, e faço uma pequena, uma pequena introdução à evolução da espécie humana. Há um capítulo neste livro que deve ser, talvez, mais polémico.

— A evolução da espécie humana.

— É.., a evolução da espécie humana. Eu creio que a espécie humana acaba por acabar. Termina. A espécie humana termina, porque nós vamos para o espírito. A evolução da espécie humana é no sentido do espírito. Nós vamos perdendo as qualidades físicas, em detrimento sempre de uma outra qualidade que é puramente espiritual. O homem vai evoluindo para o espírito; vamos tornando todos, sem excepção, homens geniais, capazes de criar obras extraordinárias, mas não há, não há ninguém para trabalhar os elementos físicos da natureza. Não há, não haverá mais ninguém para cultivar as terras. Haverá robots — isso é a minha opinião —, que vão substituir o homem. O homem vai de facto ser um ser puramente espiritual. Mas ao mesmo tempo que nesse espírito e que vai se vai desligando das necessidades vitais da natureza, ele cria uma deficiência, a que eu chamo, eu falo aí nisso, aí, há uma angústia, há uma angústia no ser humano. O ser humano, à medida que [se] vai tornando um ser prodigioso, vai ser um homem que apreende as leis da natureza, apreende tudo, mas vai sendo, pouco a pouco, tocado pela angústia. E é essa angústia que elimina o homem.

— Portanto, mais espiritual, mas mais angustiado, até porque [Nadir Afonso: — Mais angustiado.]  pelo espiritual vai-se  sentir estarrecido com a dimensão das coisas que estão para além do humano!?...

— É. Porque ele, de algum modo, se impressiona com a sua própria obra, porque passa a isolar-se. Isola-se. E nesse isolamento, ele cai na angústia.

— É esse o manifesto que aqui tem?

—É, é. Eu digo isso. O homem evolui espiritualmente, mas esse espírito, essa evolução é qualquer coisa de sublime para obras geniais, que só ele entende. Acaba por morrer de angústia.

— Escrever é uma necessidade tão forte e tão premente, como pintar, Nadir Afonso?

— Não me parece que seja, Luís. A grande paixão minha foi pintar, mas a estética apareceu, por necessidade de me compreender mesmo, de pré..., de compreender a minha obra. Tive necessidade de meditar e, aí, caí na estética. Foi na medida em que eu, porque é que eu faço assim e não faço assado, como disse há pouco. Porque é que eu faço aqui um triângulo e não faço um quadrado? E quando eu começo a compreender que há leis, eu, então, comecei a escrever. Há leis na natureza, às quais o artista é sensível. E, então, desatei a escrever. Mas a escrita vem muito depois da pintura.

— A idade, a experiência de vida, têm-lhe trazido mais dúvidas ou mais certezas, Nadir Afonso?

— Mais certezas, mas são certezas ingratas, são certezas que me revelam que a nossa vida é uma coisa quase insignificante. Aquilo que eu sentia , na minha adolescência e na minha juventude, criar uma obra, que era qualquer coisa de transcendente, hoje vejo que não é... Não. Perdi a, perdi a...       a crença que andamos cá a realizar uma obra.

— O que é que é transcendente, para si, hoje?

— É que a morte aparece como coisa natural. Há a morte, a morte..., um homem, talvez, como eu digo aí, talvez as farmácias só tenham comprimidos letais, para um indivíduo acabar. Isto é uma coisa que parece impossível, mas eu sinto muito isso, já. Ainda não estamos. Eu digo: isso pode acontecer daqui a mil ou dois mil anos; essa inexistência do ser humano, pode ser que daqui a dois mil anos não haja cá mais seres humanos sobre a terra.

— E só nesse momento da morte é que a tal imperfeição matemática ou das formas de uma obra de arte se completa? É só aí que o ciclo fica fechado?

— Sim, sim.
— Porque é que o Nadir retoca tanto as suas obras? O Nadir teve uma intervenção cirúrgica muito recente, mas sei que poucos dias depois já retocava trabalhos seus. Sei que até o faz nos livros. Porquê, Nadir?
— Porque geralmente há essa necessidade da perfeição total. A harmonia total. Há um absoluto, eu creio que há um absoluto na pintura.   ...    ...    ...
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— NADIR AFONSO SEM LIMITES foi o título dado à exposição que vimos recentemente no Museu do Chiado. É assim que se sente? Alguém que foi vencendo os limites, ao longo da vida?
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Mas, é difícil. É muito difícil…, de aprender essa qualidade. A perfeição apreende-se.
— Nadir, tem sido um ano especial para si. É o ano em que celebra 90 anos, neste dia 4 de Dezembro, mas tem tido várias exposições, várias homenagens, a preparação do Centro Cultural, em Chaves, mas também em Boticas. Como é que tem vivido tudo isto?
— Eu acho que está muito bem, acho que está correcto, mas insisto nisto, Luís. Eu acho que tudo isto é recompensado por uma angústia, uma angústia que elimina muito de tudo isso. A verdade é essa. De tanto pensar na arte, descobriu-se a coisa. Descobriram, é a lei natural. A natureza está feita deste modo. Nós fomos microorganismos que se desenvolveram e o homem foi um dos microorganismos que mais evoluiu e chegou ao espírito. Mas ele é um fruto da natureza e o fruto da natureza não nos pode privilegiar em coisa nenhuma. Nós nascemos, nascimento, crescimento, apogeu, declínio e morte. E há uma morte, talvez, da espécie humana, porque é natural, porque nada veio pré-concebido. Nós pensamos que somos pré-concebidos, que há leis imanentes. O crente acredita em seres sobrenaturais. Eu não acredito em coisa nenhuma sobrenatural. Portanto, se não há nada sobrenatural, nós somos seres humanos, naturais, e vamos declinar e vamos morrer e não vamos só morrer individualmente, vai morrer a dada altura todo o organismo vivo.
— Isso quer dizer que está a apreciar as homenagens que lhe têm sido feitas, mas a sua mente e o seu pensamento estão mais viradas para questões da existência.
— Para a existência. Há sempre uma angústia, que é forte, que mostra que isto tudo não é nada de..., não é nada como pensam os crentes; nós somos tocados por formas sobrenaturais, por dons espirituais especiais. Isso é que não, isso é natural.
— A vida, como a arte, é regida por leis da natureza e da matemática.
—  E da matemática, exactamente. A obra de arte é regida por leis da matemática. E, por conseguinte, por leis da natureza, porque  a matemática está na natureza, está nas formas, nós vemo-la. Vemo-la no círculo, no quadrado, mas há um número infinito. Os gregos pensavam que a geometria era limitada àquilo que era racionalizável. Eles pensavam, eles já acreditavam que a obra de arte era regida por leis matemáticas, mas essa, essa apreensão das leis era racionalizável, era o raciocínio que intervinha para criar a obra de arte. E eu digo: «Não! O artista é intuitivo, apanha as leis, mesmo quando nós, mesmo quando os outros não se apercebem disso.»

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O que é que está…, continua a pintar, Nadir Afonso?

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O que aconteceu foi ele nunca ter percebido, nunca percebeu as qualidades da obra de arte. Nunca compreendeu o mecanismo da criação. Nunca compreendeu, não. Nem ele nem muitos.    Eu digo-lhe uma coisa, Luís. Eu, às vezes, tenho a preo…, tenho a pretensão de pensar, ao ler, sobretudo ao ler, quando uma pessoa lê as biografias e as estéticas dos outros, eu penso às vezes que sou a única pessoa no planeta que compreendeu as su…, porque não vejo um outro artista a falar nestas coisas, a falar na matemática, que existe. Não vejo. Falam em tudo, falam, enchem volumes, tratados sobre arte, eu folheio, leio, mas sobre a matemática, sobre as leis da matemática, nem uma palavrinha, nunca. Quer dizer, a essência, aquilo que é essencial na obra de arte, que é a matemática, não sabem, porque é intuitiva. Eles não se apercebem que é uma qualidade intuitiva.
— Continuo…, continuo…, continuo, porque é sempre um prazer ver a conjugação matemática. Há uma harmonia nas formas. Isso dá prazer e eu, eu retoco…, retoco. Retoco quase que há cinquenta anos. Dá-me prazer ver a harmonia. Mas, tudo isso é, eu sinto que atrás de tudo isso sempre a mesma, a mesma descrença de tudo. Há uma descrença. Mas, não posso, quanto a isso, não posso fazer nada.

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 Nadir Afonso. Noventa anos de vida. Celebramo-lo pelo seu trabalho……..

— Não o conheço doutra forma.
— Claro!

[Trecho musical, indicativo do programa (?). Quando parece terminar, um locutor diz: «A Força das Coisas.» O indicativo continua, um pouco mais.


[Luís Caetano] — O pintor Nadir Afonso faz hoje noventa anos e e sei que a música preferida de Nadir Afonso é Je te veux, de Erik Satie; para ouvir agora, na interpretação de Jean-Yves Thibaudet.

[A música de Erik Satie.]    

[L. C.]   Je te veux. Erik Satie, por Jean-Yves Thibaudet, dedicado a Nadir Afonso, convidado esta tarde d’A Força das Coisas, no dia em que faz noventa anos. A seguir, retomamos as histórias escritas para a rádio, por Gonçalo M. Tavares. Vamos também escutá-lo, a propósito de Aprender a Rezar na Era da Técnica, o livro considerado o melhor do ano, no que respeita a livros estrangeiros publicados em França. Para já, as histórias para a rádio, de Gonçalo M. Tavares. Esta, intitula-se «A Arte».

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