24 de Junho
Já no final do
passeio do dia, aqui parámos para tomar qualquer coisa, que nem merenda chegou
a ser, talvez afinal uma sandes e uma mini, o que já é uma festa.
Eu e o N. Sabe bem descansar e conversar sobre o
que tínhamos acabado de visitar e... o que calhasse.
Fomos servidos
por uma senhora simpática, bem disposta na sua actividade tranquila. Sentado
numa cadeira, junto à parede, à esquerda de quem entra, um senhor de 87 anos.
Assiste, geralmente naquele sítio, pois a sua condição de saúde já não lhe
permite trabalhar. É o Senhor Júlio, como viemos a saber. Falou mais, a Senhora
Dália, que nos foi contando como era a vida deles, antes de criarem o
estabelecimento, com as dificuldades e a maneira que tiveram para as vencer.
Há quarenta
anos, dois médicos disseram ao Senhor Júlio que só tinha quatro meses de vida.
— Eles já morreram os dois e eu ainda cá ando — diz-nos. E vai andando.
Sou um grande admirador de
azulejos e vejo nestes que aqui deixo a sensibilidade, o íntimo de quem
encomendou e de quem criou.
O Caçador é o Sr. Júlio, com a idade que o quadro revela. Foi fácil
identificá-lo. Só depois confirmámos. É um retrato perfeito. E quem fez estes
azulejos? Isso gostaria de saber, pois é uma obra boa. Fica a assinatura do
autor:
ARTE EM AZULEJO JOSÉ
JANEIRO T.V.
O amor da
natureza está muito presente, com o seu quê de mistério e sobrenatural. A
pintura da direita traz à memória D. Fuas Roupinho e o milagre da Nazaré,
embora pareça diferente. No quadro da esquerda temos uma cena transportada da
Idade Média. Estas coisas chegam até hoje. Somos, também, medievais.
O painel O
CAÇADOR é algo mais do que uma simples placa identificativa do dono do café e
da sua paixão da caça. Mostra um entrelaçar, uns seres continuam-se nos outros,
mudando a carne em vegetal e o vegetal em carne. Está também presente a vida
social da aldeia, com a casa ou comboio. Ao meio da casa-comboio, um insecto
que se continua em planta. Tudo ligado à terra ou assente nela e dela se
alimentando. Diz-se que somos feitos de barro e a ele voltamos.
Qual será o
significado do vermelho? Será sangue, será fogo?
É hora de sair.
Deixamos os anfitriões e a senhora de que não sabemos o nome. Em frente do
caçador, na parede da sala do café, lê-se
Júlio e Dália Leitão
Casa fundada em 1969
Na outra sala,
o restaurante, com os dois últimos painéis — a cena a que chamei medieval, com
o caçador-cavaleiro, ajoelhado como em prece e a do veado perseguido
pelos cães.
***
Ainda houve tempo para ir à estação dos comboios, que já tiveram grande movimento de pessoas. À hora a que ali passámos, havia uma certa
solidão, dada também pelo conjunto do edifício.
Uma certa
solidão...
O comboio
ainda não está para chegar.
A estrada de ferro leva-nos a todo o
país; a todo o mundo. Continua a ser importante e é amiga da paisagem. Tem futuro.
Parque de merendas também a precisar de ser acarinhado.
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