«Inglaterra e Mercado Comum» é um pequeno texto de Agostinho da
Silva a que chego no acaso de procurar coisas de Agostinho. Em vez de Inglaterra,
podia talvez estar Reino Unido ou Ilhas Britânicas, sendo verdade que a
Inglaterra é a parte mais vasta e de maior população.
Sigo o autor: a primeira civilização que
se manifestou na Inglaterra pertence à chamada cultura megalítica, de origem
ibérica. O país fez duas vezes parte da Europa (na ocupação romana e na invasão
do príncipe normando, do território hoje francês, Guilherme, o Conquistador).
«A mistura de povos, as condições
económicas, a organização social e o aparecimento, sempre misterioso, de homens
de génio, fez que a Inglaterra desenvolvesse a partir da Idade Média, vamos pôr
no século XV, uma original maneira de ser, em que se daria relevo ao amor da
liberdade individual, à atenta observação e utilização da realidade e a uma
frescura e originalidade de imaginação que tanto se nota na política, como na
poesia, como no trato quotidiano.» (Pág. 227)
É referida a aliança mais antiga da Europa,
com Portugal.
A partir do século XVII, a Inglaterra
passa da fase poética à do acúmulo económico, ficando ainda «bastante espírito
original para que Swift escreva suas sátiras, para que Shelley cante, acima de
tudo a liberdade essencial do homem, ou para que, nos nossos dias, A. S. Neill
mostre como se deve fazer funcionar uma escola que realmente eduque [...]».
Diz-se a seguir das dificuldades em que se
encontra Inglaterra, que chega ao ponto inimaginável numa nação democrática de
se votar uma resolução contra a vontade da maioria da população, a de entrada
no Mercado Comum. Entre a Commonwealth e uma Europa dominada por Berlim, seria
lógico que preferisse a Comunidade. Na Comunidade nada é absolutamente certo
(nem na Inglaterra ou no Mercado Comum).
«O que acontece hoje é que, devido à
industrialização de grande parte do mundo, a métodos de trabalho que fraquejam
perante a concorrência e a sindicatos que estão mais interessados em aumentos
de salário do que em soluções políticas globais, se encontra a Inglaterra em
grandes dificuldades, sem imaginação para deter os conflitos na Irlanda ou na
sua própria Comunidade, para absorver a população de cor que para lá emigra da
África, da Ásia ou das Américas, para instaurar no país uma nova ordem
económica e social e para rever o seu sistema político, até se dar ao
espectáculo, que ninguém imaginaria numa nação democrática, de votar a Câmara
uma resolução, a de entrada no Mercado // Comum, contra a qual se manifesta a
maioria da população e que é um repúdio de toda a insularidade, de toda a
originalidade, de toda a sua antiga afirmação de independência.» (Págs.
227-228)
*
O que se podia prever num sentido ou
noutro parece continuar válido hoje. Por mim, faço votos por que o caminho
seguido seja bom, dinâmico, o melhor possível para todos, mesmo que o melhor
possível saiba sempre a pouco para muitos. Faço votos por que «a revolução
inglesa» permita ao mesmo tempo uma «revolução da União Europeia», pois na
acomodação das duas o «lucro» é geral. Ouçamos as belas palavras com que
termina Agostinho (fala do que sentem os da Comunidade e suas preferências): Na altura de se ter de manifestar uma
solidariedade, preferem as classes dirigentes a França ou a Alemanha a qualquer
país de amarelos ou pretos; segui-las-á o comum do povo se a economia for
próspera e as repudiará se continuar no descalabro; como é esta a perspectiva
mais de aceitar, e não parece também que esteja assente em bases seguras a
economia do mercado Comum, poderíamos ainda vir a assistir a uma revolução inglesa.
Se vier, que possa contribuir para haver em todo o Ocidente a par da segurança
a liberdade, a par do pão a poesia e a par do real o sonho. (Pág. 228)
[O texto «Inglaterra e Mercado Comum» vem incluído na secção intitulada O BALDIO DO POVO, do livro Textos Vários. Dispersos, de Agostinho da Silva. A edição é do Círculo de Leitores, Outubro de 2003, com licença editorial por cortesia de Âncora Editores. No início, em 1*, remete-se para a nota
* Lisboa, edição do Autor, s./d. (1970?), in Dispersos, 2.ª ed., Lisboa, ICALP, 1989, fascículos 1 e 2, pp. 523-539.]
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