8 de Junho, princípio da tarde
Uma coisa maravilhosa!...
Uma coisa maravilhosa!...
Há
muito que desejava lá ir. Fui sabendo que havia um miradouro muito
bonito. E não poucas vezes tenho feito o
percurso do Largo de Camões, Rua do Loreto, Largo do Calhariz, Calçada do
Combro…, Rua das Chagas, Rua da Bica de Duarte Belo, Rua da Bica Pequena…
A
aventura começa no Largo do Calhariz, de onde entramos na Rua do Marechal
Saldanha. Já é bela esta artéria que deixa ver um Y imperfeito, na ligação com
a Rua do Almada, à esquerda. No restaurante e esplanada, é difícil não entrar,
quase no meio do caminho, pequeno, acolhedor. Seguimos… Vê-se copas verdes de
árvores. Chegados ao Largo, é… uma coisa maravilhosa… O edifício do Museu da
Farmácia ajuda, o hotel Verride, também, e a rua de Santa Catarina que desce,
mas a maravilha é o Adamastor, jardim e passeio adjacente, grupos de numerosa
gente, a conversar alegremente ou deslocando-se; há sempre alguém em movimento,
à procura de outro lugar, ali, onde também é bom. O quiosque, o café aberto a um dos extremos, a
vista da cidade, do Tejo, da outra banda, das serras…
O
Adamastor é a alma do lugar, íman, atrai as pessoas, a maior parte jovens. Como
se sentem bem ao pé dele! Um rapaz senta-se no chão encostado ao monumento. O
gigante comunica a magia de um continente e «longos mares», a interpelar a «gente
ousada» que vem da Europa, «por mares nunca dantes navegados» ou arados «por estranho ou
próprio lenho». Os interpelados estamos no passeio defronte, a uma certa
distância.
Eis
senão quando, um elemento dissonante, boneco de metal amarelo, brilhando ao sol,
sobe ao gigante-cabo e mira-o. Adamastor não o vê, fita toda a gente, fita o
infinito.
—
Ridículo! — primeiro, pensei. Depois, «horrível». Pareceu concessão a certa
maneira de viver este tempo, o nosso. Brincadeira… Na verdade, a composição
escultórica (1921-1927) ocupa o lugar onde está desde 1927. A figurinha de
bronze representa o escultor1, Júlio Vaz Júnior. A primeira
impressão vai-se diluindo e o Adamastor, crescendo, crescendo.
***
O episódio do Adamastor ocupa as estâncias
37 a 60, canto V, de Os Lusíadas, de
Camões. Prognostica grandes dificuldades aos portugueses e, à pergunta — Quem és
tu? —, responde como e porquê se transformou em Cabo das Tormentas.
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Mais ia por diante
o monstro horrendo
Dizendo nossos
fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: —
Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo, certo, me
tem maravilhado! —
A boca e os olhos
negros retorcendo
E dando um espantoso
e grande brado,
Me respondeu, com
voz pesada e amara,
Como quem da
pergunta lhe pesara:
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— Eu sou aquele
oculto e grande Cabo
A quem chamais vós
outro Tormentório,
Que nunca a
Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram
fui notório.
Aqui toda a
africana costa acabo
Neste meu nunca
visto Promontório,
Que pera o Pólo
Antártico se estende,
A
quem vossa ousadia tanto ofende!
(Texto da edição
organizada por António José Saraiva para a edição da Livraria Figueirinhas,
Porto, 1988.)
________________
1. Ver o 1.º linque, no final; no 2.º linque, Maria Bispo afirma existir diálogo
entre a figura do marinheiro e o monstro/deus.
Vista, a partir do Largo do Calhariz
O Y
O Adamastor
Travessa da Portuguesa
Edifício onde está instalado o Museu da Farmácia
Em frente, a Rua de Santa Catarina
No espaço do jardim, uma esplanada
De costas para o rio, um grupo tocava e cantava música brasileira
Ao fundo, a Igreja das Chagas, na rua do mesmo nome
Hotel Verride
Rua do Marechal Saldanha
http://www.lisboapatrimoniocultural.pt/artepublica/eescultura/pecas/Paginas/Adamastor.aspx
https://paixaoporlisboa.blogs.sapo.pt/o-miradouro-de-santa-catarina-e-o-109116
http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com/2008/01/rua-marechal-saldanha.html
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