domingo, 10 de junho de 2018

No Alto de Santa Catarina

8 de Junho, princípio da tarde
          Uma coisa maravilhosa!...
Há muito que desejava lá ir. Fui sabendo que havia um miradouro muito bonito.  E não poucas vezes tenho feito o percurso do Largo de Camões, Rua do Loreto, Largo do Calhariz, Calçada do Combro…, Rua das Chagas, Rua da Bica de Duarte Belo, Rua da Bica Pequena…
A aventura começa no Largo do Calhariz, de onde entramos na Rua do Marechal Saldanha. Já é bela esta artéria que deixa ver um Y imperfeito, na ligação com a Rua do Almada, à esquerda. No restaurante e esplanada, é difícil não entrar, quase no meio do caminho, pequeno, acolhedor. Seguimos… Vê-se copas verdes de árvores. Chegados ao Largo, é… uma coisa maravilhosa… O edifício do Museu da Farmácia ajuda, o hotel Verride, também, e a rua de Santa Catarina que desce, mas a maravilha é o Adamastor, jardim e passeio adjacente, grupos de numerosa gente, a conversar alegremente ou deslocando-se; há sempre alguém em movimento, à procura de outro lugar, ali, onde também é bom.  O quiosque, o café aberto a um dos extremos, a vista da cidade, do Tejo, da outra banda, das serras…
O Adamastor é a alma do lugar, íman, atrai as pessoas, a maior parte jovens. Como se sentem bem ao pé dele! Um rapaz senta-se no chão encostado ao monumento. O gigante comunica a magia de um continente e «longos mares», a interpelar a «gente ousada» que vem da Europa, «por mares nunca dantes navegados» ou arados «por estranho ou próprio lenho». Os interpelados estamos no passeio defronte, a uma certa distância.
Eis senão quando, um elemento dissonante, boneco de metal amarelo, brilhando ao sol, sobe ao gigante-cabo e mira-o. Adamastor não o vê, fita toda a gente, fita o infinito.
— Ridículo! — primeiro, pensei. Depois, «horrível». Pareceu concessão a certa maneira de viver este tempo, o nosso. Brincadeira… Na verdade, a composição escultórica (1921-1927) ocupa o lugar onde está desde 1927. A figurinha de bronze representa o escultor1, Júlio Vaz Júnior. A primeira impressão vai-se diluindo e o Adamastor, crescendo, crescendo.
***
O episódio do Adamastor ocupa as estâncias 37 a 60, canto V, de Os Lusíadas, de Camões. Prognostica grandes dificuldades aos portugueses e, à pergunta — Quem és tu? —, responde como e porquê se transformou em Cabo das Tormentas.

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Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: — Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo, certo, me tem maravilhado! —
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

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— Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outro Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que pera o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende!
(Texto da edição organizada por António José Saraiva para a edição da Livraria Figueirinhas, Porto, 1988.)
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1. Ver o 1.º linque, no final; no 2.º linque, Maria Bispo afirma existir diálogo entre a figura do marinheiro e o monstro/deus.                                                      

Vista, a partir do Largo do Calhariz



O Y

O Adamastor



Travessa da Portuguesa


Edifício onde está instalado o Museu da Farmácia


Em frente, a Rua de Santa Catarina




No espaço do jardim, uma esplanada





De costas para o rio, um grupo tocava e cantava música brasileira
















Ao fundo, a Igreja das Chagas, na rua do mesmo nome

Hotel Verride

Rua do Marechal Saldanha




http://www.lisboapatrimoniocultural.pt/artepublica/eescultura/pecas/Paginas/Adamastor.aspx
https://paixaoporlisboa.blogs.sapo.pt/o-miradouro-de-santa-catarina-e-o-109116
http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com/2008/01/rua-marechal-saldanha.html

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