quinta-feira, 7 de abril de 2016

Recortar iluminuras para colar no quebra-luz

Conheci a história, limitada ao facto: «alguém fez isto». Achei inacreditável. Venho a encontrá-la, agora, contada por uma pessoa da época, de quando aconteceu. O autor escreve em 1948.
Évora, 12 de Dezembro
Roubaram a Biblioteca Nacional. Um empregado superior capou-lhe, à sorrelfa, dezenas de incunábulos, manuscritos, obras raras. Como estamos em tempo de primado do espírito // e como os defensores públicos da coisa espiritual são, no geral, tipos de massa, as obras venderam-se apesar do preço, que sendo baixo para o valor das mesmas, era alto para a proclamada pobreza nacional. Um desses furiosos do espírito, desejoso de confrontar-se no seu gabinete com uma iluminação espiritual, recortou as iluminuras de uma obra e colou-as no quebra-luz.
Pergunto-me que ironia da Natureza consentiu que sujeitos destes trouxessem as da frente no ar.
(VERGÍLIO FERREIRA, Diário Inédito, Bertrand Editora, páginas 130-131.)

Sem comentários:

Enviar um comentário