Começou a Primavera.
É dia para fotografar a igreja de S. Pedro, mais uma vez. As nuvens moviam-se,
do lado de A Brasileira para o lado da Rua Dias Neiva; ora brancas, ora um
tanto escuras, a roubar a luz. E clareiras de azul.
Deparei com o corrimão, necessário para
evitar percalços ao visitante, mas de algum modo obstáculo visual. Melhor seria
as coisas terem ficado como estavam. Os degraus singelos permitiam entrar na
igreja, simplesmente, e faziam com ela uma personalidade única; agora estão
afogados por um quase palanque no seu verniz brilhante, desapossados por uma
geração mais nova de degraus, largos e espaçosos, com uma espécie de
efemeridade adolescente.
Igreja de S. Pedro, com corrimões
Igreja de S. Pedro, com corrimões e pombos
Laranjeiras, a-par-de-S. Pedro
Idem
Deixo aqui uma homenagem sentida às
laranjeiras, à laranjeira, com tudo o que ela é e simboliza na nossa cultura.
Sítio para trepar, madeira, frutos que matam a fome e a sede e lembram o ouro,
na sua riqueza, folhas para fazer chá, e flor branca.
Um historiador árabe chora os laranjais de que se tiveram de separar os
da sua gente, quando vencidos pelos cristãos. E um poeta medieval anónimo
deixou-nos esta formosa prenda:
CANTIGA DE
AMIGO
ANÓNIMO
Meu naranjedo non
ten
fruto, mas agora
ven.
No me le toque
ninguen.
Meu naranjedo frolido,
el fruto non ll'é
vĩindo,
mas agora ven.
Non me le toque
ninguen.
Meu naranjedo
granado,
el fruto non ll'é
chegado,
mas agora ven.
No me le toque
ninguen.
« ... ... ... Colhida na tradição oral por Barbieri, no
séc.XVI ... ... Apesar da sua simplicidade, não é das mais
antigas poesias que andavam na tradição oral, pois a laranjeira só foi
introduzida pelos Árabes na Península no século XI ou XII ... ...
Como se vê nas formas ten, ven, ninguen, em rima, esta
poesia foi originàriamente composta em português.
Tema: a donzela
sente florescer a sua juventude como na Primavera floresce um laranjal.
... ...
...
granado: (do l. granatu-, que tem muito grão,
coberto de grãozinhos) em flor.»
Nota -- A cantiga
e os esclarecimentos foram colhidos em Textos
Portugueses Medievais, de Corrêa de Oliveira e Saavedra Machado. Em 1890, publicava-se em Espanha o Cancionero
Musical de los siglos XV e XVI, transcrito e comentado por Francisco Asenjo Barbieri (1823-1894).
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