sexta-feira, 22 de março de 2013

Primavera

     Tarde de 21 de Março
   

Começou a Primavera.
É dia para fotografar a igreja de S. Pedro, mais uma vez. As nuvens moviam-se, do lado de A Brasileira para o lado da Rua Dias Neiva; ora brancas, ora um tanto escuras, a roubar a luz. E clareiras de azul.
Deparei com o corrimão, necessário para evitar percalços ao visitante, mas de algum modo obstáculo visual. Melhor seria as coisas terem ficado como estavam. Os degraus singelos permitiam entrar na igreja, simplesmente, e faziam com ela uma personalidade única; agora estão afogados por um quase palanque no seu verniz brilhante, desapossados por uma geração mais nova de degraus, largos e espaçosos, com uma espécie de efemeridade adolescente. 



 Igreja de S. Pedro, com corrimões


 Igreja de S. Pedro, com corrimões e pombos



 Laranjeiras, a-par-de-S. Pedro


Idem     

  Deixo aqui uma homenagem sentida às laranjeiras, à laranjeira, com tudo o que ela é e simboliza na nossa cultura. Sítio para trepar, madeira, frutos que matam a fome e a sede e lembram o ouro, na sua riqueza, folhas para fazer chá, e flor branca.
     Um historiador árabe chora os laranjais de que se tiveram de separar os da sua gente, quando vencidos pelos cristãos. E um poeta medieval anónimo deixou-nos esta formosa prenda: 

CANTIGA DE AMIGO
ANÓNIMO

Meu naranjedo non ten
fruto, mas agora ven.
No me le toque ninguen.

Meu naranjedo frolido,
el fruto non ll'é vĩindo,
mas agora ven.
Non me le toque ninguen.

Meu naranjedo granado,
el fruto non ll'é chegado,
mas agora ven.
No me le toque ninguen.

    « ...   ...   ... Colhida na tradição oral por Barbieri, no séc.XVI ...   ...   Apesar da sua simplicidade, não é das mais antigas poesias que andavam na tradição oral, pois a laranjeira só foi introduzida pelos Árabes na Península no século XI ou XII ...   ...
     Como se vê nas formas ten, ven, ninguen, em rima, esta poesia foi originàriamente composta em português.
     Tema: a donzela sente florescer a sua juventude como na Primavera floresce um laranjal.
...   ...   ...
granado: (do l. granatu-, que tem muito grão, coberto de grãozinhos) em flor.»

    Nota -- A cantiga e os esclarecimentos foram colhidos em Textos Portugueses Medievais, de Corrêa de Oliveira e Saavedra Machado. Em 1890, publicava-se em Espanha o Cancionero Musical de los siglos XV e XVI, transcrito e comentado por Francisco Asenjo Barbieri (1823-1894).

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