quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Tempo

Fazer tempo (para).
Matar o tempo, passar o tempo.
Tempo é dinheiro, time is money.
Aproveitar (bem) o tempo.
Ter
Perder tempo.
Não dar pelo tempo.
O ar do tempo.
É tempo (de).
Acabou o tempo.
Há muito tempo (para), há muito tempo (que).
Não há tempo.
O tempo está parado, anda ou corre?
Que é o tempo?

*
— O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não o sei.
(Santo Agostinho, nas Confissões, Livro XI)

*

Na segunda parte do Livro XI das Confissões, S. Agostinho, que nos diz que já não sabe o que é o tempo, quando se trata de responder a quem lhe fizer essa pergunta, desenvolve reflexões que é um prazer acompanhar. Vale a pena ir com ele nesta caminhada.
No final, tem uma ligação que lhe permite aceder a todo o Livro XI… e ao texto integral das Confissões em português. Na filosofia e na arte, as grandes obras não envelhecem.
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14
O que é o tempo?
17. Não houve tempo nenhum em que não fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo.
Nenhuns tempos Vos são coeternos, porque Vós permaneceis imutável, e se os tempos assim permanecessem, já não seriam tempos. Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente.
De que modo existem aqueles dois tempos — o passado e o futuro —, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser?565
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565 O tempo é um ser de razão com fundamento na realidade. Santo Agostinho estuda o problema do tempo apenas sob o aspecto psicológico: como é que nós o apreendemos. Não o estuda sob o aspecto ontológico: como é em si mesmo. Para este último caso, teria de o considerar como indivisível. (N. do T.)

22
Falamos do tempo e mais do tempo, dos tempos e ainda dos tempos. Andamos constantemente com o "tempo" na boca: "Por quanto tempo falou este homem?" "Quanto tempo demorou a fazer isto?" "Há quanto tempo não vejo aquilo?" "Esta sílaba tem o dobro de tempo daquela sílaba breve." Dizemos e ouvimos semelhantes expressões. Os outros compreendem-nos e nós compreendemo-los.
São palavras muito claras e muito ordinárias, mas ao mesmo tempo bastante obscuras. Exigem, por isso, uma nova análise.
Santo Agostinho,Confissões –Livro XI, capítulo 22

22
Senhor, desfazei este enigma!
28. O meu espírito ardeu em ânsias de compreender este enigma tão complicado. Não fecheis, Senhor meu Deus e Pai bondoso — peço-Vo-lo por amor de Jesus Cristo — , não fecheis ao meu desejo estes problemas comuns e ao mesmo tempo misteriosos. Fazei, Senhor, que penetre neles e que me sejam claros e manifestos pela vossa misericórdia.
A quem devo interrogar sobre estas questões ou a quem poderei com mais fruto confessar a minha ignorância do que a Vós, a quem não molestam as minhas ânsias excessivamente inflamadas no estudo das vossas Escrituras? Dai-me o que amo, pois Vós me concedestes esta graça de amar. Dai-me, Pai, o que Vos peço, Vós que verdadeiramente sabeis presentear os vossos filhos com dádivas valiosas. Dai-mo, porque determinei conhecê-lo e não descansarei enquanto não mo manifestardes.
Peço-Vos por intermédio de Jesus Cristo, em nome do Santo dos Santos, que ninguém me perturbe nesta investigação. "Acreditei, e eis o motivo por que falo567." É esta a minha esperança. Vivo para ela a fim de contemplar as delícias do Senhor. "Tornastes velhos os meus dias568", e eles passam, sem saber como.
Falamos do tempo e mais do tempo, dos tempos e ainda dos tempos. Andamos constantemente com o "tempo" na boca: "Por quanto tempo falou este homem?" "Quanto tempo demorou a fazer isto?" "Há quanto tempo não vejo aquilo?" "Esta sílaba tem o dobro de tempo daquela sílaba breve." Dizemos e ouvimos semelhantes expressões. Os outros compreendem-nos e nós compreendemo-los.
São palavras muito claras e muito ordinárias, mas ao mesmo tempo bastante obscuras. Exigem, por isso, uma nova análise.
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567 Sl 115, 1.
568 Sl 38, 6.

23
O tempo é uma certa distensão
[...]
Ninguém me diga, portanto, que o tempo é o movimento dos corpos celestes. Quando, com a oração de Josué, o Sol parou, a fim de ele concluir vitoriosamente o combate, o Sol estava parado, mas o tempo caminhava571. Este espaço de tempo foi o suficiente para executar e para pôr termo ao combate. Vejo portanto que o tempo é uma certa distensão. Vejo, ou parece-me que vejo? Só Vós, Luz e Verdade, mo demonstrareis572.
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571 Santo Agostinho pretende distinguir o tempo astronômico do tempo metafísico e do tempo psicológico. Aqui refere-se ao astronômico.
(N. do T.)
572 O tempo psicológico é a impressão do antes e depois que as coisas gravam no espírito. É o sentimento de presença das imagens que se sucedem, sucederam ou hão de suceder, referidas a uma anterioridade. (N. do T.)

27
Uma experiência
[...]
36. Em ti, ó meu espírito, meço os tempos! Não queiras atormentar-me, pois assim é. Não te perturbes com os tumultos das tuas emoções. Em ti, repito, meço os tempos. Meço a impressão que as coisas gravam em ti à sua passagem, impressão que permanece, ainda depois de elas terem passado. Meço-a a ela enquanto é presente, e não àquelas coisas que se sucederam para a impressão ser produzida. É a essa impressão ou percepção que eu meço, quando meço os tempos. Portanto, ou esta impressão é os tempos ou eu não meço os tempos578.
[...]
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578 É mérito de Santo Agostinho "ter posto em relevo, de maneira definitiva, o caráter psicológico do tempo, o seu pertencer à consciência"
(J. M. Le Blond, S. J., Les Conversions de Saint Augustin, Paris, 1950, p. 256). (N. do T.)

*
CAPUT 14
Nullo ergo tempore non feceras aliquid, quia ipsum tempus tu feceras. et nulla tempora tibi coaeterna sunt, quia tu permanes; at illa si permanerent, non essent tempora. quid est enim tempus? quis hoc facile breviterque explicaverit? quis hoc ad verbum de illo proferendum vel cogitatione comprehenderit? quid autem familiarius et notius in loquendo conmemoramus quam tempus? et intellegimus utique, cum id loquimur, intellegimus etiam, cum alio loquente id audimus. quid est ergo tempus? si nemo ex me quaerat, scio; si quaerenti explicare velim, nescio: fidenter tamen dico scire me, quod, si nihil praeteriret, non esset praeteritum tempus, et si nihil adveniret, non esset futurum tempus, et si nihil esset, non esset praesens tempus. duo ergo illa tempora, praeteritum et futurum, quomodo sunt, quando et praeteritum iam non est et futurum nondum est? praesens autem si semper esset praesens nec in praeteritum transiret, non iam esset tempus, sed aeternitas. si ergo praesens, ut tempus sit, ideo fit, quia in praeteritum transit, quomodo et hoc esse dicimus, cui causa, ut sit, illa est, quia non erit, ut scilicet non vere dicamus tempus esse, nisi quia tendit non esse.


CAPUT 22
Exarsit animus meus nosse istuc inplicatissimum aenigma. noli claudere, domine deus meus, bone pater, per Christum obsecro, noli claudere desiderio meo ista et usitata et abdita, quominus in ea penetret; et dilucescant, allucente misericordia tua, domine. quem percontabor de his? et cui fructuosius confitebor inperitiam meam nisi tibi, cui non sunt molesta studia mea flammantia vehementer in scripturas tuas? da quod amo: amo enim, et hoc tu dedisti. da, pater, qui vere nosti data bona dare filiis tuis, da, quoniam suscepi cognoscere; et labor est ante me, donec aperias. per Christum obsecro, in nomine eius sancti sanctorum, nemo mihi obstrepat. et ego credidi, propter quod et loquor. haec est spes mea; ad hanc vivo, ut contempler delectationem domini. ecce veteres posuisti dies meos, et transeunt, et quomodo, nescio. et dicimus tempus et tempus, tempora et tempora: quamdiu dixit hoc ille, quamdiu fecit hoc ille et: quam longo tempore illud non vidi et: duplum temporis habet haec syllaba ad illam simplam brevem. dicimus haec et audivimus haec et intellegimur et intellegimus. manifestissima et usitatissima sunt, et eadem rursus nimis latent, et nova est inventio eorum.

CAPUT 23
Audivi a quodam homine docto, quod solis et lunae ac siderum motus ipsa sint tempora, et non adnui. cur enim non potius omnium corporum motus sint tempora? an vero, si cessarent caeli lumina et moveretur rota figuli, non esset tempus, quo metiremur eos gyros, et diceremus aut aequalibus morulis agi, aut si alias tardius, alias velocius moveretur, alios magis diuturnos esse, alios minus? aut cum haec diceremus, non et nos in tempore loqueremur, aut essent in verbis nostris aliae longae syllabae, aliae breves, nisi quia illae longiore tempore soniussent, istae breviore? deus, dona hominibus videre in parvo communes notitias rerum parvarum atque magnarum. sunt sidera et luminaria caeli in signis et in temporibus et in diebus et in annis. sunt vero; sed nec ego dixerim circuitum illius ligneolae rotae diem esse, nec tamen ideo tempus non esse ille dixerit. Ego scire cupio vim naturamque temporis, quo metimur corporum motus, et dicimus illum motum verbi gratia tempore duplo esse diuturniorem quam istum. nam quaero, quoniam dies dicitur non tantum mora solis super terram, secundum quod aliud est dies, aliud nox, sed etiam totius eius circuitus ab oriente usque orientem, secundum quod dicimus: tot dies transierunt -- cum suis enim noctibus dicuntur tot dies, nec extra reputantur spatia noctium -- quoniam ergo dies expletur motu solis atque circuitu ab oriente usque ad orientem, quaero, utrum motus ipse sit dies, an mora ipsa, quanta peragitur, an utrumque. si enim primum dies esset, dies ergo esset, etiamsi tanto spatio temporis sol cursum illum peregisset, quantum est horae unius. si secundum, non ergo esset dies, si ab ortu solis usque in ortum alterum tam brevis mora esset, quam est horae unius, sed viciens et quater circuiret sol, ut expleret diem. si utrumque, nec ille appellaretur dies, si horae spatio sol totum suum gyrum circumiret, nec ille, se sole cessante tantum temporis praeteriret, quanto peragere sol totum ambitum de mane in mane adsolet. non itaque nunc quaeram, quid sit illud, quod vocatur dies, sed quid sit tempus, quo metientes solis circuitum diceremus eum dimidio spatio temporis peractum minus quam solet, si tanto spatio temporis peractus esset, quanto peraguntur horae duodecim, et utrumque tempus conparantes diceremus illud simplum, hoc duplum, etiamsi aliquando illo simplo, aliquando isto duplo sol ab oriente usque orientem corcuiret. nemo ergo mihi dicat caelestium corporum motus esse tempora, quia et cuiusdam voto cum sol stetisset, ut victoriosum proelium perageret, sol stabat, sed tempus ibat: per suum quippe spatium temporis, quod ei sufficeret, illa pugna gesta atque finita est. video igitur quandam esse distentionem. sed video? an videre mihi videor? tu demonstrabis, lux, veritas.

CAPUT 27
Insiste, anime meus, et adtende fortiter: deus adiutor noster; ipse fecit nos, et non nos. adtende, ubi albescet veritas. ecce puta vox corporis incipit sonare et sonat et ecce desinit, iamque silentium est, et vox illa praeterita est et non est iam vox. futura erat, antequam sonaret, et non poterat metiri, quia nondum erat, et nunc non potest, quia tunc erat, quae metiri posset. sed et tunc non stabat; ibat enim et praeteriebat. an ideo magis poterat? praeteriens enim tendebatur in aliquod spatium temporis, quo metiri posset, quoniam praesens nullum habet spatium. si ergo tunc poterat, ecce puta altera coepit sonare et adhuc sonat continuato tenore sine ulla distinctione: metiamur eam, dum sonat; cum enim sonare cessaverit, iam praeterita erit et non erit, quae possit metiri. metiamur plane et dicamus, quanta sit. sed adhuc sonat, nec metiri potest nisi ab initio sui, quo sonare coepit, usque ad finem, quo desinit. ipsum quippe intervallum metimur ab aliquo initio usque ad aliquem finem. quapropter vox, quae numquam finita est, metiri non potest, ut dicatur, quam longa vel brevis sit, nec dici aut aequalis alicui, aut ad aliquam simpla vel dupla, vel quid aliud. cum autem finita fuerit, iam non erit. quo pacto igitur metiri poterit? et metimur tamen tempora, nec ea, quae nondum sunt, nec ea, quae iam non sunt, nec ea, quae nulla mora extenduntur, nec ea, quae terminos non habent. nec futura ergo nec praeterita nec praesentia nec praetereuntia tempora metimur, et metimur tamen tempora. Deus creator omnium: versus iste octo syllabarum brevibus et longis alternat syllabis: quattuor itaque breves, prima, tertia, quinta, septima, simplae sunt ad quattuor longas, secundam, quartam, sextam, octavam. hae singulae ad illas singulas duplum habent temporis; pronuntio et renuntio, et ita est, quantum sentitur sensu manifesto. quantum sensus manifestus est, brevi syllaba longam metior eamque sentio habere bis tantum. sed cum altera post alteram sonat, si prior brevis, longa posterior, quomodo tenebo brevem, et quomodo eam longae metiens applicabo, ut inveniam, quod bis tantum habeat, quandoquidem longa sonare non incipit, nisi brevis sonare destiterit? ipsamque longam num praesentem metior, quando nisi finitam non metior? eius enim finitio praeteritio est. quid ergo est, quod metior? ubi est qua metior brevis? ubi est longa, quam metior? ambae sonuerunt, avolaverunt, praeterierunt, iam non sunt: et ego metior, fidenterque respondeo, quantum exercitato sensu fiditur, illam simplam esse, illam duplam, in spatio scilicet temporis. neque hoc possum, nisi quia praeterierunt et finitae sunt. non ergo ipsas, quae iam non sunt, sed aliquid in memoria mea metior, quod infixum manet. In te, anime meus, tempora mea metior. noli mihi obstrepere; quod est, noli tibi obstrepere turbis affectionum tuarum. in te, inquam, tempora metior. affectionem, quam res praetereuntes in te faciunt, et cum illae praeterierint, manet, ipsam metior praesentem, non ea quae praeterierunt, ut fieret; ipsam metior, cum tempora metior. ergo aut ipsa sunt tempora, aut non tempora metior. quid cum metimur silentia, et dicimus illud silentium tantum tenuisse temporis, quantum illa vox tenuit, nonne cogitationem tendimus ad mensuram vocis, quasi sonaret, ut aliquid de intervallis silentiorum in spatio temporis renuntiare possimus? nam et voce atque ore cessante, peragimus cogitando carmina et versus, et quemque sermonem motionumque dimensiones quaslibet, et de spatiis temporum, quantum illud ad illud sit, renuntiamus non aliter, ac si ea sonando diceremus. si voluerit aliquis edere longiusculam vocem, et constituerit praemeditando, quam longa futura sit, egit utique iste spatium temporis in silentio, memoriaeque commendans coepit edere illam vocem, quae sonat, donec ad propositum terminum perducatur: immo sonuit et sonabit; nam quod eius iam peractum est, utique sonuit, quod autem restat, sonabit, atque ita peragitur, dum praesens intentio futurum in praeteritum traicit, deminutione futuri crescente praeterito, donec consumptione futuri sit totum praeteritum.

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Confessiones (texto do livro XI, que talvez seja da edição Knöll's editio minor de 1898).
Confessiones (acesso ao texto integral; o que talvez seja da edição Knöll's editio minor de 1898 e o da Oxford University Press, de 1992).

domingo, 26 de outubro de 2014

Domingo à tarde

Fui ver Os gatos não têm vertigens, de António-Pedro de Vasconcelos, ao Arena Shopping, Torres Vedras. A confiança era grande em Maria do Céu Guerra, que já conhecia do palco e da televisão. Uma grande actriz; aqui e em qualquer lado. Quanto a peripécias, análises, abordagens, adjectivos, nada. 
Penso que não se pode explicar o filme. Mas, a poder-se, outros já o fizeram e há informação suficiente, abaixo. Interessa só apontar a veia onde corre a vida, a corrente positiva entre as pessoas, o milagre que salva. O amor. O amor, que, afinal, discrimina, salvando e rejeitando.
Nas cenas finais, a glorificação do amor. Jó e Sara ficam enamorados, ao mesmo tempo que Rosa e Joaquim casam outra vez, na eternidade. Rosa morre, quando o jovem escritor de O Novo Livro de Jó conhece Sara, renascendo logo, para se juntar a Joaquim, de quem nunca se separou.
Mas, é preciso ver o filme. Se ainda não viu, aproveite os poucos dias que vai estar em exibição.
Argumento: Tiago Santos e António-Pedro Vasconcelos
Protagonistas: João Jesus, Maria do Céu Guerra


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A minha avaliação, em cinco estrelas, é cinco, quatro ou cinco. No cinecartaz do Público, num total de 178 votos, a média da votação era de quatro estrelas.
Votos dos críticos, no mesmo cinecartaz: Jorge Mourinha, uma estrela; Vasco Câmara, uma estrela.
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http://propagandistasocial.com/2014/09/16/antestreia-de-os-gatos-nao-tem-vertigens-traz-atores-ao-sao-jorge/
http://www.ionline.pt/artigos/mais-cinema/filme-os-gatos-nao-tem-vertigens-nomeado-portugues-aos-premios-goya/pag/-1
http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/os-gatos-nao-tem-vertigens-com-mais-de-25-mil-espectadores-na-semana-de-estreia-1671679  (além da notícia, o trailer oficial do filme).
http://cinecartaz.publico.pt/Filme/338479_os-gatos-nao-tem-vertigens

sábado, 25 de outubro de 2014

     Pó. Qualquer porção mínima quase infinitesimal de terra que poisa, que voa, em bandos de partículas que se confundem com o ar.
           A origem deste topónimo deve estar ligada a uma situação da vida do dia-a-dia dos tempos antigos. Ninguém já o saberá... Que seria? Foi o pó, companheiro certo no Verão. Nasce, então, da terra, como do sol, a sombra.      
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Armas da freguesia do  Pó
Bandeira da freguesia do Pó

Tarde de 20 de Outubro, 2.ª-feira. Vamos ao Bombarral. Eu e um familiar, em deslocação de trabalho. De improviso, nem estava a contar, mas...
Passamos além do Bombarral, depois, perto do Carvalhal, seguindo-se a Roliça, terra cujo nome sucessivas gerações em Portugal inteiro pronunciaram e  fixaram para sempre, desde os bancos da escola primária. Batalhas da Roliça e do Vimeiro, entre as tropas anglo-lusas e os invasores franceses (1808).
Uns dois ou três quilómetros depois da Roliça, pouco antes do Pó, uma imagem da Virgem, oferecida pela Mesa da Misericórdia de R. M., dá as boas vindas aos caminhantes. 
Depois de esperar um bocado por quem nos havia de atender -- não foi mau, fez-nos habituar ao tempo mais lento de aqui, zona ainda muito dedicada à agricultura. Campos e campos de pomares. É terra de pera rocha. A vinha vê-se menos, nestas bandas do concelho do Bombarral --, ei-lo que chega, vindo das Caldas da Rainha.

Pouco vimos do lugar. Enquanto esperávamos, tirei algumas fotografias. E tratado o assunto que ali nos levou, deixamos o escritório onde fomos recebidos, vamos pelo pátio largo e já na rua, tomamos o caminho de regresso. Para trás, fica um povo laborioso. É a imagem que se tem. Basta olhar para aqueles campos... Confirma-o a inscrição que se lê na fachada da igreja.

ESTA CAPELLA É PROPRIEDADE

DO POVO DO PÓ. FOI CONSTRUÍDA POR

INICIATIVA DO EX.MO SNR MANOEL MARQUES,

DO DITO LOGAR, DANDO PARA ESTA OBRA TODO O TERRENO

EM QUE SE ACHA CONSTRUIDA, ASSIM COMO, UM IMPORTANTE

DONATIVO PECUNIARIO, SENDO O RESTO DA CONSTRUCÇÃO
FEITO A EXPENSAS DO DITO POVO DO PÓ   3   DO -10-1903

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Um pouco de história
Fernão do Pó, navegador do século XV. Dele recebeu o nome a ilha Fernando Pó (actualmente, Bioko, na Guiné Equatorial), tendo também «baptizado» o Rio dos Camarões (hoje Wouri), de onde procede o nome do Estado dos Camarões, na costa ocidental africana.
                                                                     - - -
PÓ. Lug. da freg. da Roliça, conc. do Bombarral. Pertenceu ao termo de Óbidos e assenta numa região muito fértil no ponto de vista agrícola e notável pela sua riqueza arqueológica, não só quanto ao povoamento pré-histórico, mas também quanto aos Romanos. Perto ficam as grutas da Columbeira (v.), onde têm sido descobertas várias peças notáveis. Foi senhor do Pó o célebre Fernão do Pó (v.), que deu o nome à ilha tropical hoje em poder da Espanha. [...]
(Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 22, p. 171 col. 2)

PÓ (Fernão do). Fidalgo português e navegador que foi senhor do lugar de Pó, hoje da freg. da Roliça, conc. do Bombarral, e outrora termo de Óbidos, e floresceu no séc. XV. O seu nome ficou celebrizado pela descoberta, que em 1472 fez da ilha adjacente à costa ocidental de África a que deu o nome de Formosa e outros, pouco depois, crismaram com o nome e apelido do descobridor, chamando-lhe ilha de Fernão do Pó (v.). Fernão do Pó era fidalgo da casa de el-rei e fez a descoberta ao mando de Fernão Gomes, pois este, arrendatário da navegação, a tais empresas estava obtrigado por contrato, ele ou seus mandatários. [...]
(Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 22, p. 173, col. 2)
Ver, também, aqui, e sobre as batalhas da Roliça e do Vimeiro.
Nota: As armas e a bandeira da freguesia do Pó são retiradas, com a devida vénia, do sítio da C. M. do Bombarral.









segunda-feira, 20 de outubro de 2014

CATS

Ontem, foi dia de CATS, no Campo Pequeno, o último dia desta nova passagem por Portugal. Inesquecível.
No intervalo, um actor e uma actriz deixaram-se fotografar. Fiz uma pergunta ao gato que me disse falar ingês e eu -- Thank you.
Ele:
--You're welcome.
Parece-me que foi melhor ele não ter percebido a pergunta. 
Ao nosso lado, uma gata.




Foram horas de um espectáculo cheio de vitalidade e beleza. As partes cantadas são de uma execução límpida, primorosa.
Para se fazer uma ideia, fica aqui «Memor
y».


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Mais Agustina

15 de Outubro
Agustina
A extinção da literatura. Parece graça, mas não é. É Agustina quem o diz. Afirma, no entanto, que a literatura vai ter de se unir à ciência, para sobreviver. Ela mesma diz que escreve como um cientista ou aproximando-se do cientista, pois procura saber e explicar. Extinguir-se a literatura seria como extinguir-se o ar.
Agustina não escreve para os leitores. Diz o que tem a dizer. Escreve para si. Nem isso. Escreve; o «para si» é o primeiro leitor? Tudo vem do vivido recordado por ela, no seu moinho. Moleira de palavras, a quem não falta inspiração, sem crises. Mói, sempre. Gosta de ser lida. Gosta das pessoas que lhe falam na rua e também gostam dela, mesmo sem a ler.
É alegre e criança, quando o moinho pára. Quando pensa e olha o mundo, a natureza, analisa, retraça, corta, disseca, é também alegre? Apesar de tudo, sim. Mesmo se a sentença final sobre a humanidade é desagradável e, por isso, a guarde para si. Não perde a alegria, apesar desta coisa que que lhe vem do imo, para falar como Bernardo Sanches, logo ao começo de A Sibila.
A reputação de Agustina já era universal, mas quando li O Manto, confesso que tive de me aplicar para concluir a leitura. Parecia um bocado entediante todo aquele pormenor do universo feminino (talvez, não só, mas é o que recordo), num circuito limitado, fechado, pessoas enclausuradas também em si mesmas? Já anteriormente ao ler a biografia de Santo António não deixei de notar a progressão interminável da narração, sem os habituais capítulos. Veio a propósito falar de Agustina a um amigo em encontro no restaurante «Retiro do Mocho», nos Foros do Mocho, em Montargil. Era um encontro de amigos de juventude que vieram de Lisboa e de mais alguns que a vida depois deu a conhecer. Tive a sorte de ter estado presente. Ora dizendo eu à pessoa que acabei de referir, bem conhecido no país como cidadão, professor, historiador, dizendo eu da dificuldade em ler Agustina, ouviu-me alguns segundos com a paciência do dialogante, e com um gesto da mão que se levanta expressiva, encerrou a questão:
-- É uma grande escritora!
Vejo, agora, olhando para trás, semelhança daquele mundo de O Manto com o universo de Raul Brandão. De Húmus. Com Raul Brandão, diga-se, fui mais feliz. Talvez, mais preparado mentalmente. Nunca tive dúvidas.
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Pode-se começar por visionar os documentários ou videobiografias de Agustina e abrir outras hiperligações fornecidas, abaixo, especialmente, O Mundo de Agustina e Agustina Bessa-Luís: Nasci Adulta e Morrerei Criança. Isso é o que nunca se deixará de fazer, para ter o melhor proveito e fruição. Entretanto, deixo frases de cada um dos documentários, como se fossem cantarias para uma construção. São «figuras de convite», como as que nos esperam em silhares de azulejos, à entrada de palácios e solares. Convidam a entrar. Não se trata de resumo, porque o de que se trata é irresumível. O que ficou por mostrar é tão válido, como o que se transcreveu.


Documentário de 11 min. e 49 seg.

As primeiras palavras de Agustina são de 2004, Programa Diga lá, Excelência, 27-6-2004:
«É muito importante a dificuldade. É muito importante. Os passos devem ser dados, lentamente, e a pessoa sentir que... que... que não é fácil escrever..., como não é fácil viver!, não é?»
 (Agustina Bessa-Luís, «Diga lá, Excelência» - 27-6-2004.)

«Todo o ano, só trabalhava três meses. Mas, trabalhava a sério, como um operário.» Em três meses, escrevia um romance de trezentas páginas. (1 min. e 45 seg.) (O marido.)
A letra de Agustina. A letra pequena e a letra maior. Tem fases. (2min e 50 seg.) (O marido) A letra miudinha e a letra maior (A filha) (2min. e 58 seg.) «No manuscrito é que ela está autenticamente o que é.» (O marido) (3 min. 15 seg.)

«Eu calculo que os inéditos da Maria Agustina darão entre doze a quinze volumes.» (A. Luís) (5 min. 20 seg.)
«Eu tenho uma maneira de ver os inéditos um bocadinho diferente, porque, se a minha mãe não os publicou é porque, de certa maneira, achou que não eram necessários ou que não eram oportunos. E virem, agora, aparecer os inéditos, a mim, faz-me um bocadinho de impressão. Porque..., eu acho que há sempre uma parte de nós que deve ficar inédita. Porque não?» (A filha) (5 min. e 21 seg.)

-- Nunca escreveu em papel de linhas?
-- Não! Era muito raro..., era muito raro aparecerem coisas em papel de linhas. (Alberto Luís) (7 min. e 48 seg.)

«Eu nasci escritora. E tenho o gosto da escrita, escrevo por prazer; tenho prazer em escrever e depois vem, aí, realmente, a relação com o público, não é!?, mas antes disso, há uma relação comigo mesma e com todos esses meus fantasmas, que são as memórias.» (Agustina) (8 min. e 25 seg.)
«Eu acho que a mãe sempre teve os mesmos personagens... E muitos deles, a família.» (A filha). (8:45)

«Não. Ela nunca se preocupou muito com os leitores..., e eu também não.» (Alberto Luís) (9:07)

«A mãe sempre gostou do espaço fora, mas sempre foi muito uma mulher de dentro.» (A filha) (9 min. e 36 seg.)

O gato, um personagem importante dentro duma casa (para Agustina). (A filha) (9 min. e 50seg.)

«Fomos apanhados numa rua, assim, ela e eu, no dia em que nos conhecemos...» (O marido, com o álbum aberto, em que a mesma fotografia é reproduzida várias vezes, em dimensões diferentes -- uma vez, recortada. (10 min. e 39 seg.)

«Como é que eu posso dizer que ela está? Eu acho que está bem. Está bem. Está perfeitamente tranquila..., perfeitamente lúcida em relação ao que a rodeia e ao seu próprio estado e num estado de tranquilidade absoluta; o que é muito bom para nós, porque a sentimos como se ti..., sabe o que é que eu às vezes..., olho para ela e sinto como se tivesse cumprido. Até agora, cumpriu a sua vida, o seu, a sua tarefa. Agora, está descansada.» (10 min. e 49 seg.)

(Entrevistas: Maria João Costa;
Imagem e Edição: Joana Beleza -- Rádio Renascença
r/com 2012)


*
(56 min. 55 seg,)

A criança a saltar à corda, recorrentemente.

Esse gesto vê-se na espantosa (ex)pressão da letra e sobretudo nas pernas das letras, digamos, na parte inferior das letras, nas entrelinhas, e nas barras de tt. As entrelinhas revelam o temperamento dela, que é um temperamento sanguíneo, é uma emotividade moderada, uma extraordinária actividade e uma primariedade no temperamento. (Alberto Vaz da Silva, intérprete de escritas)

E das raras pessoas a que(m) eu nunca ouvi dizer nada que fosse um lugar comum ou uma banalidade. (João Bénard da Costa)

Ela é muito alegre, tem coisas muito inesperadas… (Isabel Oliveira)

É. É imprevisível. (Laura Mónica Baldaque)

Ela própria tem sempre uma distância irónica em relação a tudo, por mais trágico que seja… (Pedro Mexia)

Se eu disser que existe uma certa perversidade, ela dirá que o que ela tem é uma inocência absoluta. (Eduardo Prado Coelho)

E é, não direi perversa, mas é vulcânica, é subterrânea. Tudo vem..., aquilo..., explosivo. (Manoel de Oliveira)

É muito capaz de identificar a verdade e a falsidade nas pessoas com um olhar. (Inês Pedrosa)

Quando se ri, não é!?, ela ri-se como uma criança. (Eduardo Lourenço)

E eu sou uma pessoa alegre e… sou uma pessoa…, e isso não é por ser escritora, nem tem nada que ver com a escrita. É uma, é um temperamento. Um temperamento de pura, de pura gratidão para com a vida e com tudo o que me rodeia. Eu falo sozinha!...., eu falo com coisas inanimadas, eu falo com a gata, eu falo com… (Agustina)

Laura Mónica Baldaque, ilustrou (alguns?) livros da mãe. É conservadora de museu e pintora.
«Eu não me levo muito a sério. É a melhor maneira de viver. Aquele que se leva a sério está sempre numa situação de inferioridade perante a vida.» (No ecrã, sobre o rosto de Agustina, que ri)
«Eu gostava de estudar Direito, mas isso parecia uma tarefa excêntrica.»
«…    … de resto, eu tive sempre pelo Porto uma certa fascinação.»
O anúncio para casar — Inês Pedrosa, Bénard da Costa, Isabel de Oliveira, a filha, Eduardo Prado Coelho. «E foi uma atitude, como se viu, bastante sensata. Continua casada até hoje, com Alberto Luís» (Inês Pedrosa) «Tem sido, realmente, uma ajuda preciosíssima, o meu pai..» (A filha)
Casou-se em 1944, com 22 anos.
— Eu fui vestida de preto, fui vestida de preto, com um colar de pérolas que a minha mãe me deu, era dela, e…, mas não havia de acordo, nem da parte do meu marido, porque ele era estudante, nem da parte dos meus pais, também porque eram…, não auguravam grande coisa de um casamento… tão novos e sem futuro, não é? E de maneira que

«Pus um anúncio
para ter
correspondência
com uma pessoa
inteligente e culta.
Era mais um desejo
literário,
no fim de contas.»
(Lê-se no ecrã, 15 min. e 10 seg.)


casei às cinco horas na igreja de Cedofeita, que não era aquela que estava, era uma que estava por concluir e estava como testemunhas o meu irmão e uma prima minha. E o padre, muito pasmado…, eu acho que ele já está lá no outro mundo, mas continua pasmado, com aquele casamento. — Nem um táxi à porta! — dizia ele. — Nem um táxi à porta… — E, depois, dali, fomos tomar um chá para uma…, para uma…, Confeitaria do Bulhão, que era uma boa confeitaria… Estava deserta. E a certa altura passou um rato, dum lado para o outro. Também ficou curioso com certeza, com o que se passava.
— A mãe, acho que fez a escolha certa. Acho que sim. […]

Mundo Fechado, em 1944.

A carta a Teixeira de Pascoaes, pedindo opinião sobre o Mundo Fechado. A resposta de Pascoaes, que só chegou dois anos após a morte do poeta.

Amarante 2 Jan. 1950

Minha muito ilustre camarada!

Peço-lhe perdão, de joelhos, de não ter agradecido já a sua gentilíssima oferta do Mundo Fechado. Li-o duas vezes, que eu desconfio sempre da minha primeira leitura; que é raro coincidir com a segunda. Ou me causa uma impressão melhor ou pior. Com a sua admirável novela, na segunda leitura, foi melhor a impressão recebida. Feriu-me, sobretudo, no desenho nítido das paisagens, a figura esboçada do personagem principal. Nisto reside o maior merecimento da obra! O sêr humano, porque é vivo, é indefinido, perante as cousas mortas ou simplesmente animadas. Este contraste, tão eloquente! No seu livro, porque faz resultar a verdade que vislumbramos no panorama do mundo, feriu-me, repito, duma maneira muito especial e original! Trata-se duma escritora de raça, dotada de excepcionais qualidades visionárias ou dotada de um instinto do real. Sem este instinto há só literatura e mais nada. Se os românticos excederam a realidade, caindo na falsidade, os chamados naturalistas cometeram o pecado contrario, e tornaram-se inferiores à natureza. A autora do Mundo Fechado, não praticou esses erros. E, por isso, a felicito com o maior entusiasmo!

                                           Teixeira de Pascoaes

(Palavras não lidas no documentário: a verde, palavras que li nas imagens reproduzidas no ecrã; a castanho, texto acrescentado, segundo a CARTA DE TEIXEIRA DE PASCOAES, que se pode ler completa, aqui, 13 de Maio de 2012. Algumas palavras, na carta acima transcrita, foram apenas ouvidas.)


Foi feliz em Esposende, onde esteve quatro anos. De Esposende para o Porto. Esteve para ir para França, com o apoio da Vieira da Silva. «Eu, hoje, seria uma grande escritora francesa.» O filme Vale Abraão teve influência no conhecimento pelos franceses da obra de Agustina.
O filme O Convento. «Ela gosta é do livro..., que é dela; não do filme..., que é meu.» (Manuel de Oliveira).
Sobre A Alma dos Ricos: teve discussões terríveis com Manoel de Oliveira.
A Agustina Bessa-Luís declarou num colóquio: «Entre os filmes de Manoel de Oliveira e os meus livros existe uma grande diferença: é que o Manoel de Oliveira filma filmes de amor, e eu, o amor não entra nos meus romances.» (Eduardo Prado Coelho, 32 min. e 39 seg.)
O cinema. Sempre gostou muito de cinema. O pai tinha um cinema no Porto.
As relações humanas, os equívocos das relações humanas, as relações homem-mulher, mas não só; as relações de amizade, as relações de poder. (I. P.)
A dimensão sexual existe. O sexual existe, por vezes até com exuberância. Essa dimensão sexual existe, forte, só que não é integrada nem no amor nem na paixão nem na família. (EPC)

… uma infindável divagação. (JBC)
«[...] o Porto foi uma cidade de grandes bordadeiras.» (Ag., 50 min.)
«Gosta dela. em primeiro lugar, gosta dela. Em segundo lugar, gosta dela, em terceiro lugar, gosta dela. E gosta dela, bem vestida.» (A filha)
«O amor das pessoas, sim, deixa-me feliz. De pessoas que nem me lêem, que não, nem teriam... conhecimentos suficientes para ter agrado na minha leitura ou que não lêem nada, não é? mas, essas pessoas... gostam muito de mim. elas próprias não sabem porquê.»
«É curioso, porque há essa dupla faceta duma, de alguém que é muito, de alguém que é muito cruel no que escreve e no retrato que dá das pessoas e da natureza humana e duma pessoa que é afável no trato pessoal.» (PM)
Quando escreve tem uma atitude quase científica. Precisa de conhecer, de saber, de explicar. «Qualquer cientista sabe isso. Ninguém vai dizer a um cientista que é cruel, por fazer a dissecação duma rã, por exemplo..., e é cruel.» (Ag.)

Como ela olha para o mundo, estando fora dele?
«Como se fosse, ela própria o dizia, a menina do milagre, a quem nada acontece, a quem nenhuns lobos virão incomodar, que dá à Agustina essa espécie de humanidade de quem ao mesmo tempo está fora deste mundo.» (EPC)
-- O homem necessita da crueldade, porque necessita da culpa, necessita culpar-se, para da culpa ser um criador. Porque é que o homem é violento, porque é que o homem gosta da guerra, porque é que o homem se manifesta, através dos séculos e dos milénios, duma maneira tão, enfim, tão agressiva, eu tenho a resposta para isso, mas como não é uma resposta que tenha consolação, eu prefiro guardá-la para mim.

É como a criança a saltar à corda. Sente-se bem no mundo, não se sente ameaçada por nada... A imagem da criança a saltar à corda ao longo do documentário tem aqui a sua explicação.

-- Eu sou aquela criança que me saiu e que me se sente bem no mundo. Sinto-me bem no mundo, não me sinto ameaçada por nada, absolutamente por nada.

«Nasci adulta e morrerei criança» -- Agustina Bessa-Luís

*
[...]
Consultoria/Entrevista a Agustina Bessa-Luís
                                                Anabela Mota Ribeiro
Jornalista/Guião
                 Anabela Almeida
Realização: António José de Almeida
PRODUÇÃO
2005
RTP

*

ANTOLOGIA MÍNIMA

A família do Paço

O avô Teixeira, com todo o ar dostoiewskiano, casou em Março de 1867 com Justina, filha de José bento de Bessa, do Lugar do Barral. Ele tinha 41 anos quando casou e ela 28, idade que, para uma noiva, era já um pouco avançada, nesse tempo. Explica-se isso porque Justina ficara enamorada desde os sete anos por José, com 20 anos, quando ele a ajudou a passar um ribeiro em dia de invernia e lhe disse que se casaria com ela, um dia. Esse dia chegou a 3 de Março de 1867. O casamento durou 35 anos, sem que se apagasse nunca a memória do amor da infância e o espírito duma união em que os elementos tiveram a sua parte mais sensível. É possível que fosse em Março que se viram pela primeira vez. Como em Março nasceram quatro dos seis filhos.
O rapazinho à direita é o meu pai, Arthur Teixeira de Bessa, que foi para o Brasil aos doze anos, por efeito da ruína da casa de lavoura, e duma questão perdida em tribunal. Amélia, que foi o modelo para a Sibila, tinha dezassete anos quando o irmão partiu para o Rio de Janeiro, onde esteve vinte e cinco anos e fez fortuna considerável. Uma parte da Rua do Ouvidor pertencia-lhe. Eram tempos airosos de fantasia pura para quem se fazia ao mundo. Eu tive que abrandar o espírito de aventura e do sabor do ganho não tirei partido. Porém, gosto do triunfo que, para ser desculpado, se diz que é aprovação de Deus.
Meu avô Teixeira era perdulário, valente, amava as mulheres, o que é mais do que as desejar. Tinha por elas um respeito gracioso e sem adulação. Elas adoravam-no e faziam bem. Que há poucos homens que saibam amar as mulheres e merecê-las.
(De O Livro de Agustina Bessa-Luís, Lisboa, Guerra e Paz, Editores, 2007. 1.ª edição, 2002, Três Sinais, Lisboa, p. 11 e 12. Na pág. 10, a fotografia referida neste texto, que abre o livro.)


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Não quero dizer que não tenha prazer em construir bem um texto, mas o que melhor eu gosto de fazer é uma história quase seca e sugerida por uma série de palpites e não pelo conhecimento da pessoa. Como Um Inverno Frio, um dos melhores contos que escrevi até hoje. Se tudo o resto se perdesse, como nas cheias do Capibaribe, no Recife, bastava que esse conto ficasse para me qualificar.
(Agustina, em O LIVRO DE AGUSTINA BESSA-LUÍS, ed. citada, p. 94.)

Um Inverno Frio





(Colóquio Letras, n.º 16, Novembro, 1973)

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A Sibila

I

-- Há uma data na varanda nesta sala -- disse Germana -- que lembra a época em que a casa se reconstruiu. Um incêndio, por alturas de 1870, reduziu a cinzas toda a estrutura primitiva. Mas a quinta é exactamente a mesma, com a mesma vessada, o mesmo montado, aforados à Coroa há mais de dois séculos e que têm permanecido na sucessão directa da mesma família de lavradores.
-- Uma espécie de aristocracia ab imo. -- E Bernardo riu-se, cheio duma ironia afável e quase distraída; tirou do nariz as lunetas, muito maquinal, colocou-as de novo, ajustando as molas de ouro nos vincos que pareciam o sinal das unhadas, e, com um piscar precipitado como quem bruscamente transita da obscuridade para a luz, disse ainda -- «Ab imo, da terra...», pois ele considerava a cultura como um privilégio pessoal, e nunca perdia a oportunidade de se mostrar generoso, transmitindo-a. Pertencia ele ao ramo da família que do capitalismo ascendera ao posto imediato da intelectualidade e nisso fixara uma aristocracia. Pois que é a aristocracia serão o degrau mais alto que uma sociedade deseja atingir, a supremacia de determinada classe sobre as outras, a imposição dos seus valores, sejam eles de força, de trabalho, de espírito, conforme a época que lhes é propícia? A família de Bernardo Sanches tinha atingido um estado aristocrático, o que quer dizer que estacionara no cumprimento de determinada herança de hábitos, frases, opiniões que, uma vez desprendidas da personalidade que os fizera originais, restavam agora somente como snobismos e ocas imitações. Enfim, o talento da imitação -- pensava Germana -- chegava a ser tão característico como uma originalidade, não só em determinadas famílias, como, mais genericamente, em determinados povos. Bernardo Sanches era o exemplo duma raça heróica e magnífica enquanto a sua história fora uma questão de sobrevivência, mas que, com a segurança e o conforto, resultara numa brilhante mediocridade. Germana, sua prima, era, por seu lado, um tipo fatídico das degenerescências, o artista, o produto mais gratuito da natureza e que se pode definir como uma inutilidade imediata. Era ela uma criatura paciente, tímida, e que inspirava confiança sem limites. Os artistas, que, em geral, se fazem notar pela sua excêntrica banalidade e que se distinguem dos burgueses porque vivem as extravagâncias que os burgueses reprimem em si próprios, não se pareciam nada com Germa. ela tinha o espírito de parecer vulgar. Um dos seus prazeres consistia em analisar-se como o conteúdo de todo um passado, elemento onde reviviam as cavalgadas das gerações, onde a contradança das afinidades vibrava uma vez mais, aptidões, gostos, formas que, como um recado, se transmitem, se perdem, se desencontram, surgem de novo, idênticos à versão de outrora. Ela balançava-se activamente numa velha rocking-chair que, a cada impulso mais violento, pulava no sobrado, onde se acumulavam pilhas de maçãs sustidas por tábuas muito esfareladas de serrim. Tal como Quina -- pensou. E, absorta, pôs-se a murmurar um lento monólogo, olhando à sua frente o caixilho da porta que comunicava com a cozinha, onde se via a pedra da lareira, arrumada e varrida de cinza.
-- Você que diz, Germa? -- perguntou Bernardo. Perscrutava-a com uma curiosidade passageira, um tanto mortificado porque alguma coisa que não ele próprio o obrigava a inquietar-se. Como ela o fitasse apenas, sorridente e sem lhe falar, achou mais cómodo sentir-se ali o hóspede venerável, e tomar aquele silêncio ainda como uma cortesia. Mas, na verdade, Germa nem sequer pensava nele. Suspeitar isto -- ele sabia -- seria o bastante para que Bernardo não voltasse mais e estabelecesse no fundo da sua alma permanente disposição de vingança. Preferiu, portanto, ignorar que Germa estava nesse momento totalmente desligada e ausente de si, e que subitamente o ambiente ficara repleto doutra presença viva, intensa, familiar, e que aquela sala, de tecto baixo, onde pairava um cheiro de pragana e de maçã, se enchia duma expressão humana e calorosa, como quando alguém regressa e pousa o olhar nos antigos lugares onde viveu, e o seu coração derrama à sua volta uma vigilante evocação. E, bruscamente, Germa começou a falar de Quina.

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Páginas inaugurais de A Sibila. Lembra-me outras, de Aquilino Ribeiro, n'A Casa Grande de Romarigães, «Génese». Aqui, sinto-me cativado desde o primeiro travessão. E digo travessão e não desde a primeira palavra, para não perder nada. Acho uma delícia o termo «estacionamento» utilizado para significar o estado de cristalização que se tornou o dos continuadores de uma herança, sendo que a verdadeira herança seria a replicação das qualidades e acção do ancestral, do fundador da «dinastia», em situações diferentes.
Germa parece ser a personagem em que podemos ver Agustina. E foi com os olhos de ver Agustina em Germa, que me encantei com este texto. Agustina a dissecar.

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Referências

O riso de Agustina, por Anabela Mota Ribeiro
Bom dia, Agustina, por Miguel Esteves Cardoso

Homenagem a Agustina, em Vila Meã (ANTO Associação dos Amigos de António Nobre)