Fazer tempo (para).
Matar o tempo, passar
o tempo.
Tempo é dinheiro, time
is money.
Aproveitar (bem) o
tempo.
Ter
Perder tempo.
Não dar pelo tempo.
O ar do tempo.
É tempo (de).
Acabou o tempo.
Há muito tempo (para),
há muito tempo (que).
Não há tempo.
O tempo está parado,
anda ou corre?
Que é o tempo?
*
— O que é, por conseguinte, o tempo? Se
ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta,
já não o sei.
(Santo Agostinho, nas Confissões, Livro XI)
*
Na segunda parte do Livro XI das Confissões, S. Agostinho, que nos diz
que já não sabe o que é o tempo, quando se trata de responder a quem lhe fizer
essa pergunta, desenvolve reflexões que é um prazer acompanhar. Vale a pena ir
com ele nesta caminhada.
No final, tem uma ligação que lhe permite aceder a
todo o Livro XI… e ao texto integral das Confissões
em português. Na filosofia e na arte, as grandes obras não envelhecem.
*
14
O que é o tempo?
17. Não houve tempo nenhum em que não
fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo.
Nenhuns tempos Vos são coeternos, porque
Vós permaneceis imutável, e se os tempos assim permanecessem, já não seriam
tempos. Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o
poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por
palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas
conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos.
Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por
conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a
quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio
de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora
nada houvesse, não existiria o tempo presente.
De que modo existem aqueles dois tempos —
o passado e o futuro —, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio?
Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito,
já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem
necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele
existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para
que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser?565
____________________
565 O tempo é um ser de razão com fundamento na realidade.
Santo Agostinho estuda o problema do tempo apenas sob o aspecto psicológico:
como é que nós o apreendemos. Não o estuda sob o aspecto ontológico: como é em
si mesmo. Para este último caso, teria de o considerar como indivisível. (N. do
T.)
22
Falamos do tempo e mais do tempo, dos
tempos e ainda dos tempos. Andamos constantemente com o "tempo" na
boca: "Por quanto tempo falou este homem?" "Quanto tempo demorou
a fazer isto?" "Há quanto tempo não vejo aquilo?" "Esta
sílaba tem o dobro de tempo daquela sílaba breve." Dizemos e ouvimos semelhantes
expressões. Os outros compreendem-nos e nós compreendemo-los.
São palavras muito claras e muito
ordinárias, mas ao mesmo tempo bastante obscuras. Exigem, por isso, uma nova
análise.
Santo Agostinho,Confissões –Livro XI, capítulo 22
22
Senhor,
desfazei este enigma!
28. O meu espírito ardeu em ânsias de
compreender este enigma tão complicado. Não fecheis, Senhor meu Deus e Pai
bondoso — peço-Vo-lo por amor de Jesus Cristo — , não fecheis ao meu desejo
estes problemas comuns e ao mesmo tempo misteriosos. Fazei, Senhor, que penetre
neles e que me sejam claros e manifestos pela vossa misericórdia.
A quem devo interrogar sobre estas
questões ou a quem poderei com mais fruto confessar a minha ignorância do que a
Vós, a quem não molestam as minhas ânsias excessivamente inflamadas no estudo
das vossas Escrituras? Dai-me o que amo, pois Vós me concedestes esta graça de
amar. Dai-me, Pai, o que Vos peço, Vós que verdadeiramente sabeis presentear os
vossos filhos com dádivas valiosas. Dai-mo, porque determinei conhecê-lo e não
descansarei enquanto não mo manifestardes.
Peço-Vos por intermédio de Jesus Cristo,
em nome do Santo dos Santos, que ninguém me perturbe nesta investigação.
"Acreditei, e eis o motivo por que falo567."
É esta a minha esperança. Vivo para ela a fim de contemplar as delícias do
Senhor. "Tornastes velhos os meus dias568",
e eles passam, sem saber como.
Falamos do tempo e mais do tempo, dos
tempos e ainda dos tempos. Andamos constantemente com o "tempo" na
boca: "Por quanto tempo falou este homem?" "Quanto tempo demorou
a fazer isto?" "Há quanto tempo não vejo aquilo?" "Esta
sílaba tem o dobro de tempo daquela sílaba breve." Dizemos e ouvimos
semelhantes expressões. Os outros compreendem-nos e nós compreendemo-los.
São palavras muito claras e muito
ordinárias, mas ao mesmo tempo bastante obscuras. Exigem, por isso, uma nova
análise.
________________
567 Sl 115, 1.
568 Sl 38, 6.
23
O
tempo é uma certa distensão
[...]
Ninguém me diga, portanto, que o tempo é o
movimento dos corpos celestes. Quando,
com a oração de Josué, o Sol parou, a fim de ele concluir vitoriosamente o combate,
o Sol estava parado, mas o tempo caminhava571.
Este espaço de tempo foi o suficiente para executar e para pôr termo ao
combate. Vejo portanto que o tempo é uma certa distensão. Vejo, ou parece-me
que vejo? Só Vós, Luz e Verdade, mo demonstrareis572.
______________________
571 Santo Agostinho pretende distinguir o tempo astronômico do
tempo metafísico e do tempo psicológico. Aqui refere-se ao astronômico.
(N. do T.)
572 O tempo psicológico é a impressão do antes e depois que as
coisas gravam no espírito. É o sentimento de presença das imagens que se sucedem, sucederam ou hão de suceder, referidas a uma
anterioridade. (N. do T.)
27
Uma
experiência
[...]
36. Em ti, ó meu espírito, meço os tempos!
Não queiras atormentar-me, pois assim é. Não te perturbes com os tumultos das
tuas emoções. Em ti, repito, meço os tempos. Meço a impressão que as coisas
gravam em ti à sua passagem, impressão que permanece, ainda depois de elas
terem passado. Meço-a a ela enquanto é presente, e não àquelas coisas que se
sucederam para a impressão ser produzida. É a essa impressão ou percepção que
eu meço, quando meço os tempos. Portanto, ou esta impressão é os tempos ou eu não
meço os tempos578.
[...]
__________________
578 É mérito de Santo Agostinho "ter posto em relevo, de
maneira definitiva, o caráter psicológico do tempo, o seu pertencer à
consciência"
(J. M.
Le Blond, S. J., Les Conversions de Saint Augustin, Paris, 1950, p. 256). (N. do T.)
*
CAPUT 14
Nullo ergo tempore non feceras aliquid,
quia ipsum tempus tu feceras. et nulla tempora tibi coaeterna sunt, quia tu
permanes; at illa si permanerent, non essent tempora. quid est enim tempus?
quis hoc facile breviterque explicaverit? quis hoc ad verbum de illo
proferendum vel cogitatione comprehenderit? quid autem familiarius et notius in
loquendo conmemoramus quam tempus? et intellegimus utique, cum id loquimur,
intellegimus etiam, cum alio loquente id audimus. quid est ergo tempus? si nemo
ex me quaerat, scio; si quaerenti explicare velim, nescio: fidenter tamen dico
scire me, quod, si nihil praeteriret, non esset praeteritum tempus, et si nihil
adveniret, non esset futurum tempus, et si nihil esset, non esset praesens
tempus. duo ergo illa tempora, praeteritum et futurum, quomodo sunt, quando et
praeteritum iam non est et futurum nondum est? praesens autem si semper esset
praesens nec in praeteritum transiret, non iam esset tempus, sed aeternitas. si
ergo praesens, ut tempus sit, ideo fit, quia in praeteritum transit, quomodo et
hoc esse dicimus, cui causa, ut sit, illa est, quia non erit, ut scilicet non
vere dicamus tempus esse, nisi quia tendit non esse.
CAPUT 22
Exarsit animus meus nosse istuc
inplicatissimum aenigma. noli claudere, domine deus meus, bone pater, per
Christum obsecro, noli claudere desiderio meo ista et usitata et abdita,
quominus in ea penetret; et dilucescant, allucente misericordia tua, domine.
quem percontabor de his? et cui fructuosius confitebor inperitiam meam nisi
tibi, cui non sunt molesta studia mea flammantia vehementer in scripturas tuas?
da quod amo: amo enim, et hoc tu dedisti. da, pater, qui vere nosti data bona
dare filiis tuis, da, quoniam suscepi cognoscere; et labor est ante me, donec
aperias. per Christum obsecro, in nomine eius sancti sanctorum, nemo mihi
obstrepat. et ego credidi, propter quod et loquor. haec est spes mea; ad hanc
vivo, ut contempler delectationem domini. ecce veteres posuisti dies meos, et
transeunt, et quomodo, nescio. et dicimus tempus et tempus, tempora et tempora:
quamdiu dixit hoc ille, quamdiu fecit hoc ille et: quam longo tempore illud non
vidi et: duplum temporis habet haec syllaba ad illam simplam brevem. dicimus
haec et audivimus haec et intellegimur et intellegimus. manifestissima et
usitatissima sunt, et eadem rursus nimis latent, et nova est inventio eorum.
CAPUT 23
Audivi a quodam homine docto, quod solis et
lunae ac siderum motus ipsa sint tempora, et non adnui. cur enim non potius
omnium corporum motus sint tempora? an vero, si cessarent caeli lumina et
moveretur rota figuli, non esset tempus, quo metiremur eos gyros, et diceremus
aut aequalibus morulis agi, aut si alias tardius, alias velocius moveretur,
alios magis diuturnos esse, alios minus? aut cum haec diceremus, non et nos in
tempore loqueremur, aut essent in verbis nostris aliae longae syllabae, aliae
breves, nisi quia illae longiore tempore soniussent, istae breviore? deus, dona
hominibus videre in parvo communes notitias rerum parvarum atque magnarum. sunt
sidera et luminaria caeli in signis et in temporibus et in diebus et in annis.
sunt vero; sed nec ego dixerim circuitum illius ligneolae rotae diem esse, nec
tamen ideo tempus non esse ille dixerit. Ego scire cupio vim naturamque
temporis, quo metimur corporum motus, et dicimus illum motum verbi gratia
tempore duplo esse diuturniorem quam istum. nam quaero, quoniam dies dicitur
non tantum mora solis super terram, secundum quod aliud est dies, aliud nox,
sed etiam totius eius circuitus ab oriente usque orientem, secundum quod
dicimus: tot dies transierunt -- cum suis enim noctibus dicuntur tot dies, nec
extra reputantur spatia noctium -- quoniam ergo dies expletur motu solis atque
circuitu ab oriente usque ad orientem, quaero, utrum motus ipse sit dies, an
mora ipsa, quanta peragitur, an utrumque. si enim primum dies esset, dies ergo
esset, etiamsi tanto spatio temporis sol cursum illum peregisset, quantum est
horae unius. si secundum, non ergo esset dies, si ab ortu solis usque in ortum
alterum tam brevis mora esset, quam est horae unius, sed viciens et quater
circuiret sol, ut expleret diem. si utrumque, nec ille appellaretur dies, si
horae spatio sol totum suum gyrum circumiret, nec ille, se sole cessante tantum
temporis praeteriret, quanto peragere sol totum ambitum de mane in mane
adsolet. non itaque nunc quaeram, quid sit illud, quod vocatur dies, sed quid
sit tempus, quo metientes solis circuitum diceremus eum dimidio spatio temporis
peractum minus quam solet, si tanto spatio temporis peractus esset, quanto
peraguntur horae duodecim, et utrumque tempus conparantes diceremus illud
simplum, hoc duplum, etiamsi aliquando illo simplo, aliquando isto duplo sol ab
oriente usque orientem corcuiret. nemo ergo mihi dicat caelestium corporum
motus esse tempora, quia et cuiusdam voto cum sol stetisset, ut victoriosum
proelium perageret, sol stabat, sed tempus ibat: per suum quippe spatium
temporis, quod ei sufficeret, illa pugna gesta atque finita est. video igitur
quandam esse distentionem. sed video? an videre mihi videor? tu demonstrabis,
lux, veritas.
CAPUT 27
Insiste, anime meus, et adtende fortiter:
deus adiutor noster; ipse fecit nos, et non nos. adtende, ubi albescet veritas.
ecce puta vox corporis incipit sonare et sonat et ecce desinit, iamque
silentium est, et vox illa praeterita est et non est iam vox. futura erat,
antequam sonaret, et non poterat metiri, quia nondum erat, et nunc non potest, quia
tunc erat, quae metiri posset. sed et tunc non stabat; ibat enim et
praeteriebat. an ideo magis poterat? praeteriens enim tendebatur in aliquod
spatium temporis, quo metiri posset, quoniam praesens nullum habet spatium. si
ergo tunc poterat, ecce puta altera coepit sonare et adhuc sonat continuato
tenore sine ulla distinctione: metiamur eam, dum sonat; cum enim sonare
cessaverit, iam praeterita erit et non erit, quae possit metiri. metiamur plane
et dicamus, quanta sit. sed adhuc sonat, nec metiri potest nisi ab initio sui,
quo sonare coepit, usque ad finem, quo desinit. ipsum quippe intervallum
metimur ab aliquo initio usque ad aliquem finem. quapropter vox, quae numquam
finita est, metiri non potest, ut dicatur, quam longa vel brevis sit, nec dici
aut aequalis alicui, aut ad aliquam simpla vel dupla, vel quid aliud. cum autem
finita fuerit, iam non erit. quo pacto igitur metiri poterit? et metimur tamen
tempora, nec ea, quae nondum sunt, nec ea, quae iam non sunt, nec ea, quae
nulla mora extenduntur, nec ea, quae terminos non habent. nec futura ergo nec
praeterita nec praesentia nec praetereuntia tempora metimur, et metimur tamen
tempora. Deus creator omnium: versus iste octo syllabarum brevibus et longis
alternat syllabis: quattuor itaque breves, prima, tertia, quinta, septima,
simplae sunt ad quattuor longas, secundam, quartam, sextam, octavam. hae
singulae ad illas singulas duplum habent temporis; pronuntio et renuntio, et
ita est, quantum sentitur sensu manifesto. quantum sensus manifestus est, brevi
syllaba longam metior eamque sentio habere bis tantum. sed cum altera post
alteram sonat, si prior brevis, longa posterior, quomodo tenebo brevem, et
quomodo eam longae metiens applicabo, ut inveniam, quod bis tantum habeat,
quandoquidem longa sonare non incipit, nisi brevis sonare destiterit? ipsamque
longam num praesentem metior, quando nisi finitam non metior? eius enim finitio
praeteritio est. quid ergo est, quod metior? ubi est qua metior brevis? ubi est
longa, quam metior? ambae sonuerunt, avolaverunt, praeterierunt, iam non sunt:
et ego metior, fidenterque respondeo, quantum exercitato sensu fiditur, illam
simplam esse, illam duplam, in spatio scilicet temporis. neque hoc possum, nisi
quia praeterierunt et finitae sunt. non ergo ipsas, quae iam non sunt, sed
aliquid in memoria mea metior, quod infixum manet. In te, anime meus, tempora
mea metior. noli mihi obstrepere; quod est, noli tibi obstrepere turbis
affectionum tuarum. in te, inquam, tempora metior. affectionem, quam res
praetereuntes in te faciunt, et cum illae praeterierint, manet, ipsam metior
praesentem, non ea quae praeterierunt, ut fieret; ipsam metior, cum tempora
metior. ergo aut ipsa sunt tempora, aut non tempora metior. quid cum metimur
silentia, et dicimus illud silentium tantum tenuisse temporis, quantum illa vox
tenuit, nonne cogitationem tendimus ad mensuram vocis, quasi sonaret, ut
aliquid de intervallis silentiorum in spatio temporis renuntiare possimus? nam
et voce atque ore cessante, peragimus cogitando carmina et versus, et quemque
sermonem motionumque dimensiones quaslibet, et de spatiis temporum, quantum
illud ad illud sit, renuntiamus non aliter, ac si ea sonando diceremus. si
voluerit aliquis edere longiusculam vocem, et constituerit praemeditando, quam
longa futura sit, egit utique iste spatium temporis in silentio, memoriaeque
commendans coepit edere illam vocem, quae sonat, donec ad propositum terminum
perducatur: immo sonuit et sonabit; nam quod eius iam peractum est, utique
sonuit, quod autem restat, sonabit, atque ita peragitur, dum praesens intentio
futurum in praeteritum traicit, deminutione futuri crescente praeterito, donec
consumptione futuri sit totum praeteritum.
*
Confessiones
(acesso ao texto integral; o que talvez seja da edição Knöll's editio minor
de 1898 e o da Oxford University Press, de 1992).