Na herdade da Mitra, ao longo da margem esquerda da ribeira de Valverde
O que segue
foi o que pude passar ao papel, enquanto ouvia o doutorando Mauro Raposo, da
Universidade de Évora, e tirava fotografias. Preenchi uma ou duas lacunas e no
caso do medronheiro procurei o texto de Plínio, o Jovem, para deslindar melhor
a palavra «unedo». Algum erro é da minha responsabilidade.
Eu e a minha
acompanhante, que se vê nas duas primeiras fotos de grupo, olha para mim, lá de
longe, e que bem que está!, tínhamos tomado o pequeno-almoço e já não nos detivemos no local da concentração. Estas caminhadas fazem-nos jovens, convive-se com os
outros caminheiros e com a natureza. A natureza somos nós; quero dizer que
somos natureza e a que dizemos estar fora de nós, no fundo faz parte de nós,
tenhamos ou não clara consciência disso. Ao diminuí-la, diminuímo-nos. Caminhar
é bom. Quem caminha tem consciência do que estou a dizer.
Passámos de
carro e ali estavam, ainda, à frente da sede da Confraria da Moenga— Avenida D. Sebastião, as pessoas do
grupo de caminheiros, prestes a partir, mas com ar tranquilo, convivendo
calmamente. Foi assim que os «vi», pois na confraria, certamente ninguém se
enfada ou enerva, senão a vida seria uma moenga.
Às nove horas, como combinado, estava tudo
a postos. Destaque para o acto simbólico da plantação de um sobreiro, feito com
grande alegria pela cavadora de serviço e seu coadjuvante. Após esta cerimónia,
seguimos sempre perto da ribeira de Valverde, orientados pelo nosso guia. Falar
do valor das plantas autóctones na gastronomia alentejana é, aqui,
desnecessário, pois os não naturais desta região bem o sabem e os de cá foram
criados nos cheiros, perfumes e paladares de sopas dignas de reis.
A letra pequenina que estou a usar visa
dar todo o destaque ao que nos foi dizendo Mauro Raposo sobre o tema deste
passeio. É um pobre apanhado, mas é o que há e dá uma ideia.
*
Nesta herdade antropizada*, os gados foram
tirados. O mato começa a crescer.
Catacus — «regionalismo BOTÂNICA planta herbácea,
da família das Poligonáceas, espontânea e frequente em Portugal»,
da Infopédia. «Planta herbácea, que se cose com legumes e de que se faz
esparregado.» (Da internet.)
Funcho — Planta utilizada em culinária, perfumaria
e com uso medicinal.
Saramago — Tem aplicações medicinais. As
suas folhas levemente picantes são muito nutritivas e ricas em vitaminas e sais
minerais.As folhas podem ser usadas na alimentação.
Cardo — É usado na alimentação, apenas o
caule, para fazer sopas.
Espargo — É usado na alimentação, por
exemplo, migas com espargos.
Erva de S. Roberto — Secar as folhas à
sombra.
Orquídea (orchis morio) — Indústria do
gelado; antigamente, sopa.
Urtiga — Um quilo de planta = 20 litros de
água; a urtiga é repelente de insectos e piolhos.
Trovisco (daphne gnidium).— O gado nunca a
come. Filamentos usados para cordas.
Abrótea — Não comestível, medicinal: o
rizoma é aproveitado para tratamento da pele, eczemas, não nas feridas, mas
depois de tratada a ferida. O gado não a come. O rizoma da abrótea, ainda
pequena, é aproveitado directamente na pele (queimaduras e eczemas).
Medronheiro (arbutus unedo) — aguardente e
não só. Unedo: comer um de cada vez. Tóxico. Unedo .
«O medronho é um fruto pouco considerado, como o indica o seu nome (unedo): vem de que não
se come senão um (unum edo)»**.
(Tirado daqui.) Unum edo traduz-se literalmente: como
um.
Alecrim — Para carnes de caça. Bom para o
cabelo (infusão – fortalece o cabelo).
Freixo — junto à linha de água. O exemplar
observado está um pouco afastado da linha de água. Consegue sobreviver, devido
a alguma água subterrânea. As folhas de freixo, dizem que combate o reumático,
em infusão.
Murta — As bagas são utilizadas para fazer
murtinhol (licor). Jardins antigos têm pátios só com murtas. Aromática.
Orégãos — Erva aromática, das mais
conhecidas na gastronomia alentejana.
Zambujeiros — Há zambujeiros enxertados de
oliveira. Em baixo, zambujeiro; em cima, oliveira.
Salgueiro — A aspirina é produzida, a
partir do salgueiro.
Arruda — Cultivada nos jardins, as suas
folhas são muito aromáticas; são utilizadas para fazer chá, com fins calmantes.
Silva — As folhas jovens servem para
alimentação.
Rosmaninho (lavandula pedunculata) —
Escapes florais com grande pedúnculo. As ovelhas mordiscam as folhas desta
lavandula, mas não da outra (pedúnculo menor).
Erva prata (paronychia argentea)
—anti-inflamatório: estômago, úlceras, intestinos e limpa o aparelho digestivo.
Esteva — Vi uma flor de esteva, branca,
nas mãos de um caminheiro. Gostava de a ter fotografado, para apresentar aqui.
***
A ribeira de Valverde
A ribeira de Valverde tem lontras. A certa
altura alarga-se em pequena albufeira, pois um pouco adiante, mas em ponto a
que não chegámos, há uma pequena barragem. O que nos foi dado ver é uma zona
verde, de frescura. Bela a zona rochosa, a jusante, onde a água corre e cai
apertada pelos grandes rochedos.
_________________
** Ver, aqui,
livro XV, capítulo XXVIII, páginas 559 e 560 da 1.ª parte da História Natural, de Plínio, o
Jovem.
*
O chaparrito vai crescer e tornar-se um grande sobreiro
Cardo
Cardo seco
Medronheiro
O guarda-chuva do guia serve de ponteiro, para sinalizar um medronho. Só se deve comer um, segundo Plínio, o Jovem. Eu diria: um, de cada vez.
Ramo de alecrim
O guia fala-nos do freixo
Salgueiro.
Também servia para fazer portas de «pauzinhos» ligados entre si por uma arame próprio, que, permitindo a entrada e saída de pessoas na lida da casa, não deixavam entrar as moscas.
Silva
Rosmaninho
Abrótea
Rizoma da abrótea
O mesmo
Pinheiro com um casulo grande de lagarta do pinheiro, praga que é preciso debelar e se propaga facilmente.
***
Camião utilizado para transplantar árvores
Valverde, do outro lado da ribeira
Colmeias
Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas
Conventinho do Bom Jesus da Mitra, vulgo Conventinho. Faz hoje parte dos edifícos da Universidade de Évora - pólo da Mitra