Viva a ortografia brasileira da língua portuguesa!
E por aí fora, vou dizendo, por ordem do número de falantes dos respectivos países, seguindo o critério dos milhões... Nesta enumeração, «Viva a ortografia portuguesa da língua portuguesa!» fica no lugar que calhar. Ressalva-se a ambiguidade da repetição da palavra «portuguesa», mas não há volta a dar.
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«Nós consideramos que o normal é o respeito pelas ortografias nacionais»
(Artur Anselmo, em entrevista a Nuno Pacheco, na revista Ípsilon do Público)
Presidente da Academia das Ciências de
Lisboa até finais de 2018, filólogo, professor, autor do recente História do
Livro e Filologia (Ed. Guimarães, 2015), Artur Anselmo é, aos 76 anos,
impulsionador de um movimento de rejuvenescimento da Academia, onde acabam de
ser admitidos, na 1.ª secção da Classe de Letras, Manuel Alegre, Helder Macedo
(efectivos), António Lobo Antunes e José Manuel Mendes (correspondentes). No
dia 15 de Dezembro, às 15h, o ano académico encerrará com uma conferência do
general Ramalho Eanes, intitulada Portugal no Tempo e no Mundo. Para
2017, anuncia-se uma proposta de revisão do acordo ortográfico de 1990 [AO90] sob
o prisma da ciência, em detrimento da política. Artur Anselmo explica as razões
de tal iniciativa.
Um ano
depois do colóquio Ortografia e Bom Senso, anuncia-se um Dicionário para
2018 e um “aperfeiçoamento” do acordo ortográfico. Isso significa o quê?
Muitos confrades de ciências estão a
participar nos trabalhos do Dicionário. Na área da Química, da Biologia, da
Botânica, das ciências da Terra, das ciências do Espaço. Isso não aconteceu em
2001, porque o dicionário foi feito em boa parte, sob a direcção do confrade
João Malaca Casteleiro, por licenciados, professores de português, jovens,
pessoas que não eram especialistas. Daí lacunas terríveis que ocorreram. No
outro dia descobri que faltava a palavra “robalo”! Ou “semiótica”! Ou
“semiologia”!
E quanto
ao chamado acordo ortográfico?
É um problema científico. Por mais que
nós possamos negociar com forças políticas, sociais, sindicais, na base está a
ciência. Isto é uma Academia das Ciências! No dia em que aceitarmos de olhos
fechados situações que ferem a nossa inteligência, o senso comum e a tradição
científica, não estamos a cumprir as nossas obrigações.
Vemos
que cada vez mais textos oficiais e oficiosos, como por exemplo os dos museus,
estão escritos numa ortografia mista, num absoluto caos…
Eu acrescento os boletins camarários e
as legendas dos cinemas. O último boletim da Câmara de Viana fala em concessão
de uma estrada mas escreve com ç cedilhado. É uma trapalhada. E o corrector não
marca erro porque não faz interpretação semântica!
Portugal
passou de um acordo com 51 bases, o de 1945, para um acordo com 21 bases, o de
1990, muitas delas decalcadas das anteriores. Como explica isso?
São transcrições abusivas, sem citar a
fonte. Desde o primeiro dia que eu senti isso. Isso chama-se plágio, plágio
descarado, é crime.
Mas o
que pode fazer a Academia, no ponto em que estamos?
Eu vivo numa casa onde há pessoas que
pensam de maneira diferente da minha. E o presidente da Academia não é o seu
dono e muito menos o ditador da Academia. O presidente tem acima dele o
plenário de efectivos. Eu não faço nada de significativo para a vida académica
que não leve ao plenário! O que vai ser apresentado é uma proposta no sentido
de seguirmos a ordem alfabética de 1945, mas assinalando, em bold(antigamente
dizia-se negrito, ou normando) aquilo que foi alterado. Portanto, teremos
concepção com o P em bold. A pessoa quer saber como escreve hoje e vai
lá.
Mesmo
assim, o problema fica por resolver. Porque estamos a arrastar uma situação
dúbia para o ensino, onde se misturam as normas devido às grafias duplas e às
facultatividades…
Porque o chamado acordo permite essas
situações dúbias. Sendo o órgão de consulta do governo em matéria linguística,
a Academia foi consultada em 1990 mas não foi consultada quando um ministro
resolveu pô-lo em vigor. Como é que saímos disto? Com uma reunião
interacadémica. Porque não há outra maneira de fazer as coisas.
Mas o
que é que significa aperfeiçoar o acordo, como se diz?
Há coisas que podem não causar grandes
problemas. Porque, quer queiramos quer não, há seis anos que isto anda nas
escolas, há crianças que desde o primeiro ano seguem as normas do acordo. Agora
se numa negociação há pessoas que perdem logo a cabeça, não é possível. Por
isso é que, infelizmente, são as ditaduras que conseguem resultados. Em 1945,
não esqueçamos, Portugal vivia numa ditadura e o Brasil também…
Em
termos concretos, o que é que está a ser feito neste momento na Academia?
Nós vamos agora publicar em Janeiro os Subsídios
para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico. Estão prontos, foram feitos
por uma equipa dirigida pela Ana Salgado, na última reunião já tiveram um
acordo de princípio, agora vão ao plenário de efectivos. É uma contribuição,
neste momento a Academia não pode fazer mais do que isto. Temos de agir com
prudência, mas sem abandonar o critério científico.
No documento agora divulgado pela Academia diz-se isto: “Qualquer tentativa
de uniformização ortográfica nos diversos países que usam a língua portuguesa
como oficial é utópica.” Mas essa não é a base em que assenta o acordo, nessa
utopia?
Deve dizer que essa formulação levantou
aqui muitas objecções. Nós consideramos que o normal é o respeito pelas
ortografias nacionais. Os angolanos têm todo o direito de escrever kwanza com K
e com W. Como o “center” dos americanos e o “centre” dos ingleses. A época mais
pacífica em matéria ortográfica medeia entre 1955 e 2010; em 1955, Café Filho
rasga, no Brasil, o acordo assinado por Getúlio Vargas; e em 2010 o senhor
ministro meteu na cabeça aplicar uma coisa aprovada vinte anos antes, durante
os quais nada se fez nada para melhorar o acordo! Houve o desinteresse mais
completo!
Uma decisão mais clara, hoje, tem de passar pelo poder político?
Tem de passar. A Academia vai fazer uma
sugestão e depois vai aguardar ser chamada para participar em reuniões. Isto se
o poder político estiver interessado em fazê-lo. Eu tenho a maior confiança no
actual Presidente da República, mas não haver ninguém no governo que diga
‘talvez possamos melhorar isto’, faz-me uma aflição tremenda.
Têm recebido, da parte de associações, reacções adversas ao acordo?
Esse problema preocupa-me muito. Pela
correspondência que recebo, tenho a sensação de que a Sociedade Portuguesa de
Autores, o Pen Clube, a Associação Portuguesa de Escritores, todos estes
representantes da escrita em Portugal estão a reagir. E contam-se pelos dedos
os escritores que aceitam o chamado acordo ortográfico.
Voltando à proposta da Academia: ao mexer no texto do acordo, ao alterá-lo,
não se está de certa maneira a acabar com ele? Porque é um acordo
internacional…
O que pode acontecer é que, a dada
altura, as divergências sejam tão grandes que já não faça sentido nenhum voltar
à ideia de um acordo. Por isso é que preferíamos a expressão “convenção”,
porque uma convenção a todo o momento pode ser alterada.
Mas isso significava deitar este acordo fora.
Claro. Mas aí tinham de entrar os
juristas. E o poder político também não está a dar nenhuma importância aos
juristas, porque já houve vários, e alguns eminentes, que se pronunciaram e
ficou tudo na mesma.
Privilegia-se, neste caso, ainda a política?
Sim, e aí é que está o mal. Porque neste
campo a política é incompetente. E por isso deve ter cuidado, não deve meter o
nariz onde não é chamada. E aqui não é chamada. Em 1945, até à parte em que
entrou o poder político, houve o cuidado de só envolver nisto cientistas da
língua. Aqui as coisas não começaram mal, o pior foi depois. Ora quando o
senhor ministro da Cultura, que eu muito respeito como poeta, é interrogado
sobre o acordo e diz ‘o meu editor é que trata’, isto, francamente, não pode
ser.
(Nuno Pacheco, Ípsilon, 12 Dez 2016, com a devida vénia)
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Pois é..., Artur Anselmo tem razão..., o problema está mesmo na falta de respeito pelas ortografias nacionais...
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