quinta-feira, 20 de junho de 2013

SERVIDÕES, novo livro de Herberto Helder

Li há semanas que o novo livro de Herberto Helder ficaria (quase) logo esgotado, pois havia alfarrabistas a açambarcá-lo, para mais tarde o vender a preço muito superior ao de agora, que já é um bocadinho caro. Fico a pensar que esta obra não fica esgotada, é apreendida, tirada da circulação.
Na Livrododia dizem-me que está esgotado, mas creio que ainda se pode obter na internet.
A primeira vez que contactei com Herberto Helder foi num passeio a Monsaraz, em 1967 ou 68, em que um de nós leu o texto em prosa «O Coelacanto», de Os Passos em Volta. Foi o Manel quem leu, diga-se, já então grande admirador do poeta, à entrada da povoação, com a planície e o Guadiana em baixo e sol e calor.
«Um poeta está sentado na Holanda.» É como um padrão, uma bandeira, uma toada encantatória. Nem Ulisses resistiria a esta sereia. Fica o universo transmudado e nós, presos. Continua: «Pensa na tradição. Diz para si: eu sou alimentado pelos séculos, vivo afogado na história de outros homens. E a sua alma é atravessada pelo sopro primordial. Mas tem a alma perdida: é um inocente que maneja o fogo dos infernos.» ...   ... Devo parar.

Confesso que me é difícil esta poesia, mas fico sabendo perante quem estou.
*
A MÁQUINA DE EMARANHAR PAISAGENS,
em OU O POEMA CONTÍNUO.
E chamou Deus à luz Dia: e às trevas chamou noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro.
... e fez a separação entre as águas que estavam debaixo do firmamento e as águas que estavam por cima do firmamento. (Génesis).
… e eis que havia um grande terramoto: e o sol tornou-se negro como um saco de silício: e a lua tornou-se como sangue.
E as estrelas do céu caíram na terra, como quando a figueira lança os seus figos verdes, abalada de um grande vento:
E o céu retirou-se como um livro que se enrola: e todos os montes e ilhas se moveram dos seus lugares.
E vi os mortos, pequenos e grandes, ... e foram abertos os livros. (Apocalipse).
Irmãos Humanos que depois de nós vivereis, não nos guardeis ódio em vossos corações.(François Villon).
Ah, como custa falar desta selvagem floresta tão áspera e inextricável, cuja simples lembrança basta para despertar o terror.
Denso granizo, águas negras e neves caíam do espaço tenebroso.(Dante).
Maravilha fatal da nossa idade.(Camões).

Rasgou os limbos a antiga luz das fábulas, luz terrível que os homens e as mulheres beijavam cegamente e a que ficavam presos pela boca, arrastados, violentamente brancos -- mortos. E essa colina subia e girava, puxando pelos lábios os seres deslumbrados e aniquilados. E dentro desta luz e desta morte, os sons amadureciam. Em baixo, vermelhas, estalavam as cúpulas.(Autor).

       E as estrelas do céu caíram na terra, como quando a figueira lança os seus figos verdes, abalada de um grande vento. E eis que havia um grande terramoto, e o sol tornou-se negro como um saco de cilício e a lua tornou-se como sangue. E fez-se a separação entre as águas que estavam debaixo do firmamento e as águas que estavm por cima do firmamento. E o céu retirou-se como um livro que se enrola e todos os montes e ilhas se moveram dos seus lugares. Denso granizo, águas negras e neves caíam do espaço tenebroso. Rasgou os limbos a antiga luz das fábulas, luz terível que os homens e as mulheres beijavam cegamente e a que ficavam presos pela boca, arrastados, violentamente brancos -- mortos. E essa colina subia e girava, puxando pelos lábios os seres deslumbrados e aniquilados. E dentro desta luz e desta morte, os sons amadureciam. Em baixo, vermelhas, estalavam as cúpulas. E vi os mortos, pequenos e grandes, e foram abertos os livros. Ah, como custa falar desta selvagem floresta tão áspera e inextricável -- maravilha fatal da nossa idade --, cuja simples lembrança basta para despertar o terror. Irmãos Humanos que depois de nós vivereis não nos guardeis ódio em vossos corações.

       ...   E chamou Deus à luz Dia: e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

       Ah, como custa falar desta selvagem floresta tão áspera e inextricável, cuja simples lembrança basta para despertar o terror.
       E vi os mortos, como quando a figueira lança os seus figos verdes, entre as águas que estavam debaixo do firmamento, águas negras, e a lua como sangue, denso granizo e neves do espaço tenebroso. E as estrelas do céu e as águas que estavam por cima do firmamento caíram na terra, e eis que havia um grande terramoto, e rasgou os limbos a antiga luz das fábulas, e foram abertos os livros. E dentro desta luz e desta morte, os sons amadureciam. Os homens e as mulheres caíam cegamente pela boca, e o sol tornou-se negro como um livro que se enrola, e todos os pequenos e grandes montes e ilhas se moveram dos seus lugares. Abalada de um grande vento, a luz terrível subia e girava, puxando violentamente os mortos brancos que ficavam presos pelos deslumbrados e arrastados lábios ao céu que se tornou como um saco de cilício. E os seres aniquilados beijavam essa colina, e em baixo o céu retirou-se, e fez-se a separação, e estalavam as cúpulas vermelhas.
       Maravilha fatal da nossa idade.

       ...   E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

       Irmãos Humanos que depois de nós vivereis, não nos guardeis ódio em vossos corações.
       Na maravilha desta luz inextricável, vi os homens e as mulheres que estalavam como estrelas, como figos deslumbrados. E o sol negro e a lua de sangue caíram no vento, nas águas, na terra, caíam da selvagem figueira por cima do firmamento que subia e girava como um livro terrível, uma colina que se enrola. E eis que se rasgou um grande terramoto de águas verdes no céu de silício violentamente baixo. E os seres moveram-se dos seus lugares pelo granizo tenebroso, puxando as cúpulas, os sons, os mortos abertos. E havia águas negras na luz abalada, na áspera floresta dos limbos, e as ilhas vermelhas e os montes arrastados amadureciam no terror da nossa idade. No espaço das fábulas os mortos, cegamente presos, estavam aniquilados pelos lábios e beijavam a grande luz, a grande morte. E fez-se a separação entre a boca e os livros. E quando as águas e as neves estavam dentro do céu, de cuja antiga lembrança custa falar, eu vi os mortos brancos despertar debaixo do céu fatal, e ficavam pequenos e grandes. E estavam todos mortos. Denso granizo, águas negras e neves caíam do espaço tenebroso.

       ...E chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

       ...   presos pela boca violentamente brancos os mortos amadureciam
e
       dentro desta luz ficavam as mulheres puxando as fábulas vermelhas
e
       a terrível colina subia pelos sons deslumbrados
e
       os limbos estalavam
e
       a luz rasgou cegamente os seres aniquilados
e
       cúpulas beijavam os lábios arratados na luz
e
       a morte antiga girava em baixo com homens...

       ... E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

       ... luz selvagem... e terramoto que se enrola de estrelas... e água abalada... inextricável... o sol num saco de vento... e a lua debaixo das ilhas que se moveram... e livros em silício dentro dos mortos verdes... e coração dos figos abertos... maravilha nos grandes lugares por cima... e montes como dentro das águas negras... espaço... separação... e mulheres vermelhas com cúpulas... a antiga colina do firmamento... e homens violentamente... sons cegamente... e seres arrastados do céu da boca para... luz selvagem...

       ... E chamou Deus à luz Dia; e às trevas chamou Noite; e fez-se a tarde, e fez-se a manhã, dia primeiro...

                                                                                                                                 1963.
       
*
O coelacanto






                                                                                                                            (De Os Passos em Volta)
*

«como se atira o dardo com o corpo todo,
com a eternidade em não mais que nada,
e depois a abolição do tempo,
e então o que respira no corpo passa à vara,
e o que respira na vara passa depois à ponta,
tu não, tu já respiraste tudo pelo dardo fora,
mudo e cego e surdo,
e és um só ponto do alvo onde respiras todo,
e tudo respira nesse ponto,
em ti, veia da terra, oh
sangue sensível»   (De Servidões)

*

       Ver, abaixo, na última hiperligação, «São claras as crianças, como candeias sem vento,[...]»,  Elegia Múltipla VI, de A Colher na Boca, em OU O POEMA CONTÍNUO, pp. 69-71. Depois, voltar à primeira hiperligação.
http://www.escreveretriste.com/2013/06/servidoes-herberto-helder/
http://www.publico.pt/cultura/noticia/herberto-helder-publica-servidoes-1595214
http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=3242636
http://thoughloversbelostloveshallnot.blogspot.com/2013/05/servidoes-de-herberto-helder.html#more

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