Vem de Évora, pelo menos, o interesse,
conhecimento e prática desta forma poética, com origem no Japão. Fica-me a
suspeita de que havemos de ter cá, na tradição ocidental, formas muito concisas
na expressão poética, mas é possível que o haiku tenha uma maior necessidade de
chegar ou quase ao instante do sentir e do dizer, do pensar. Podemos-lhe chamar
fulguração.
A tradição ocidental existe, no entanto, e
faz parte do seu complexo rosto o diálogo com o mundo todo, incluindo o
Oriente. Somos, até, orientais (1).
Se quisesse exagerar, diria: somos os
orientais do ocidente e já estaríamos na tradição ocidental, de novo.
O caso é que, ao ir lendo — o livro lê-se
depressa — Estão agora floridas as magnólias, dei comigo a pensar
naquela paixão antiga, e cultivo, do haiku, da parte de Albano Martins.
(1) Ex oriente, lux. Do Oriente, a
luz. A luz vem-nos do Oriente.
O primeiro terceto, chamemos-lhe assim, é
o que tive mais dificuldade em perceber. É apenas isto:
Espaço
em branco: a porta
de acesso ao vazio.
O que parece liberdade é miragem ou menos.
*
Estão agora floridas as magnólias. A leitura sugeriu-me:
Tempo, morte, fugacidade*, deuses, Deus (Dês), ausência de deuses e de Deus, Razão, lançados no infinito da razão, da razão das coisas; têm a sua razão íntima, a sua razão de ser. Um sopro clássico. Aproveita o dia**, cumpre-te em cada dia. Vida, sangue***. Tudo o que fazemos ou sofremos (connosco dentro) é transformado em sangue, o nosso. Transformamos tudo em alimento, que se tornará sangue. Aos outros daremos este sangue.
Tudo deuses, tudo Deus: manhã, dia, a terra, o céu, estrelas, lua, cosmogonia****.
Paganismo; Deus, Dia, Luz confundem-se. O nome de Júpiter é composição de pai e dia ou luz (por diu+pater).
Vemos com olhos humanos. Criamos Deus? Seja, se não podemos viver sem ele!...
(*) Tão frágil
como a morada das formigas
é a casa dos homens.
(**) Sim, não, talvez.
Enquanto decides
o fruto apodrece.
(***) Admirável
é o sangue: nunca muda
de cor.
Corrijo agora: só uma vez
o sangue muda de cor: quando se veste
da tinta com que escreves.
(****) Do casamento da noite
com o dia é que nasceram
as estrelas.
O último poema:
Se ao princípio
era o verbo, ao fim será,
ainda que o não queiras, o silêncio.
*
Em http://www.prof2000.pt, pode abrir a página inicial e ir clicando em «página seguinte». A parte que nos poderá interessar mais, agora, é «O Haiku Ocidental», com referências a autores portugueses (e Albano Martins). Em «Outras Vias», divirta-se, clicando para sortear haiku, um e outro e outro. É uma brincadeira.
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Sinopse
Os poemas de Estão agora floridas as magnólias, em seu carácter sentencioso e, formalmente, ao jeito do haiku japonês, traduzem uma outra forma de conhecimento do mundo e da vida. Como para o haiku querem os estudiosos, os poemas deste livro são explosões, instantes de luz, fulgurações. Ou, na definição de Blyth, são "uma espécie de satori ou iluminação". Os poemas deste livro estão ainda próximos do haiku japonês pela relação que estabelecem com o mundo natural, designadamente com as plantas e as flores, na roda das estações.
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