domingo, 16 de junho de 2013

 É preciso tornarmo-nos melhores, mais solidários

      Não gosto, preferia pôr estes artigos de opinião num endereço electónico, com o conteúdo acessível por um clic, mas nem sempre é possível. O que vai a seguir, de LVT, merece reflexão. De outro teor é a opinião de Vasco Pulido Valente, hoje, no Público, que vale como um retrato e pode parecer colidir com «Quantos funcionários públicos devem ser despedidos?», mas não. Temos é de procurar ir mudando o retrato. Precisamos de nos tornar melhores e mais solidários, cada pessoa e as comunidades, no seu todo. Ligarmo-nos mais à tradição de reforma das mentalidades (e atitudes). Exigir os melhores, para dirigir e não escolher os piores. 
       Como gostei de ouvir a recente entrevista de Jacques Delors!

 *

Quantos funcionários
públicos devem ser
despedidos?





Opinião
Luís Valadares Tavares

1 A vida nacional tem vindo a sofrer com a incerteza exógena associada à recessão europeia e com a instabilidade de decisões anunciadas pelo nosso Governo e orientadas para reduzir o desequilíbrio orçamental.
     Neste segundo caso assumem especial actualidade diversas medidas anunciadas para a função pública incidindo sobre rescisões amigáveis, requalificações e despedimentos, pelo que é oportuno reflectir sobre os desafios e as prioridades a assumir para a nossa função pública.

2 Gostaria de esclarecer que os nossos trabalhadores com remunerações suportadas total ou parcialmente por recursos públicos se distribuem por cinco subsistemas com características e enquadramentos legais muito diversos: a Administração Directa, os Serviços e Fundos Autónomos, as Administrações Regionais, a Administração Local e as Empresas Públicas. Todavia, a atenção do Governo parecer centrar-se apenas nos dois primeiros subsistemas que se poderão designar por Administração Central (talvez por desconhecimento ou menor influência relativamente aos restantes, em especial as empresas públicas) e que correspondem a cerca de 430 mil trabalhadores. O peso das remunerações públicas é próximo de 10% do PIB, inferior à média comunitária, e tem sido a função pública, a par dos pensionistas, que mais tem suportado o custo dos desequilíbrios nacionais: de 2005 a 2012, a percentagem do PIB atribuída à remuneração pública apenas se reduziu em menos de 1% na UE, enquanto em Portugal se reduziu em 29%! Ou seja, a percentagem do nosso PIB afecta ao trabalho dos funcionários públicos quase se reduziu em 1/3 no prazo de sete anos.

3 Globalmente, a nossa Administração Pública (AP) tem vindo a mostrar responder muito positivamente a grandes desafios de mudança desde que se prestigie o seu papel e se prossigam rotas estáveis, tal como aconteceu desde 2003, com o sistema de avaliação de desempenho (SIADAP) agora elogiado no relatório da OCDE (1), ou com a Administração Electrónica e a Contratação Electrónica, casos em que Portugal é pioneiro e continua nos primeiros lugares do ranking europeu. Os principais problemas diagnosticados continuam a situar-se na extensão, na repetição e na diversidade de procedimentos, os quais não têm vindo a ser simplificados, mas antes complexificados, e na ausência de instrumentos comuns para a sua gestão, continuando a aguardar-se por ferramentas sempre anunciadas por agências públicas com elevados orçamentos e para tal criadas mas ainda não disponibilizadas.

4 No que respeita às pessoas, é essencial “não contar cabeças”, mas antes ter em conta os subsistemas referidos, os escalões etários e os seus níveis de desempenho e competência. Ora, a Administração Central tem cerca de 78.000 trabalhadores com 55 ou mais anos, cerca de 36.000 com não mais do que o 2.º ciclo do Ensino Básico, e uma reduzidíssima percentagem de doutorados (como é evidente não se inclui aqui o Ensino Superior Publico).
     Compreende-se, assim, que uma política estável, inteligente e sustentável para melhorar a Administração Publica, condição essencial para a prossecução de qualquer política de consolidação orçamental ou desenvolvimento, implica assumir cinco prioridades:
     a) Melhorar o sistema de gestão e avaliação e aumentar os incentivos à excelência;
     b) Estabelecer as metas de competências necessárias e identificar as redundâncias do pessoal não especializado e as principais carências actuais;
     c) Oferecer programas de formação especializados, cabendo aos responsáveis pela AP a especificação dos objectivos e dos níveis dos programas de formação necessários;
     d) Organizar percursos de formação e mobilidade articulando B e C;
     e) Oferecer propostas de rescisão amigável por mútuo acordo a todos aqueles que não correspondam às carências reais e que não optem pela requalificação.

5 Infelizmente, a evolução nos últimos dois anos tem correspondido a um retrocesso relativamente às prioridades definidas, pelo que o Governo está agora em piores condições do que em 2011 para as assumir: desapareceram os incentivos à excelência no SIADAP (promoção mais rápida), desvalorizaram-se as competências especializadas, esvaneceu-se a escola de prestígio nacional e internacional que podia prosseguir a concepção e a prototipagem dos programas de formação (INA) e confunde-se mobilidade com ameaças de despedimento. Chegados, pois, a este momento, que fazer?
     Será a via do despedimento de 30.000 funcionários recomendável? A resposta está nas propostas do relatório da OCDE encomendado pelo Governo, apesar de não ter colhido expressões de louvor tão emocionado como o do já esquecido relatório do FMI:
     a) Melhorar o sistema de gestão de recursos humanos e o elogiado sistema SIADAP, incentivar a excelência e disponibilizar os prometidos instrumentos de gestão;
     b) Iniciar estratégias de formação e mobilidade;
     c) Oferecer um programa de rescisões amigáveis;
     d) Não estabelecer qualquer programa de despedimentos, pois, tal como se sugere no relatório, qualquer large scale downsizing, além de evitável, atendendo às previsíveis reduções por rescisão amigável, irá gerar perturbações e paralisações das administrações, muito graves para todos os cidadãos e para todos os governantes, prejudicando o défice em vez de o reduzir e bloqueando drasticamente qualquer início de processo de crescimento.
     Esta política, além de sensata e eficaz, colherá por certo o consenso de parceiros sociais e do principal partido da oposição, para além de melhorar a coesão na coligação que apoia o Governo, pelo que também melhorará o clima político nacional neste Verão que se anuncia frio e chuvoso.

(    Portugal makes greater use of performance assessment in Human Resources Management decisions in its central government than any other OCDE Member country. This has been achieved through the introduction of an integrated system of performance assessment in the public administration (SIADAP) which is a major asset in its modernization strategy” (página 62, Portugal: Reforming the State to promote Growth, OCDE, Maio de 2013).
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Professor catedrático emérito
do IST, ex-presidente do INA ,
Presidente da APMEP

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