Camilo Pessanha
Dois poemas de Clepsidra, referidos por Urbano Tavares Rodrigues, no filme O adeus à brisa, de Possidónio Cachapa (v., neste blogue, 25-4-2013, a mensagem O adeus à brisa).
VÉNUS
I
À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!
Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfacto que se embriaga)
Como em um sorvo, múrmura de gozo.
O seu esboço, na marinha turva...
De pé, flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando...
E as ondas lutam como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-se na areia, coa salsugem.
AO
LONGE OS BARCOS DE FLORES
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
— Perdida voz que de entre as mais se exila,
— Festões de som dissimulando a hora.
Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora…
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil… Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora…
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