sexta-feira, 17 de março de 2017

O bem acabar, tema para pessoas de todas as idades

                                                O bem acabar, tema para pessoas de todas as idades
À volta dos dezoito anos fui aconselhado a ler as Histórias, de Heródoto, na edição em francês da Garnier. Li os primeiros três livros, de nove. Todos os livros são titulados por uma musa, a abrir com Clio, a da História. E é precisamente neste livro que está a grande lição de Sólon a Creso, rei da Lídia. Esta história exemplar acompanha-me até hoje. É a única que me ficou, depois de tudo o que esqueci. É uma lição de vida que entrou no sangue. No meio dos acontecimentos, costumes, e dos longos excursos do pai da História em que quase nos perdemos. Mas, Heródoto nunca perde o fio da sua meada e a ele voltamos sempre.
O poderoso e rico rei da Lídia queria saber da boca de Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, de passagem pela sua corte, quem era o homem mais feliz do mundo. «Espelho meu, espelho meu…» O desejo de ser o melhor, o mais belo, o mais rico é universal, mas… melhor, mais belo e mais rico em quê? Creso queria ouvir de Sólon que o homem mais feliz era — ele mesmo, Creso, rei dos Lídios.
— Desejo saber qual é o homem mais feliz que tendes visto. — Sólon: — É Telo de Atenas. (H., I, 30)
Mas, depois deste, queria saber Creso, esperando que… Sólon: — Cléobis e Bíton. (H.,I, 31). O rei ficou em cólera, ao perder para dois simples privados. E Sólon:
Convenhamos, senhor, o homem mais não é que vicissitude. Tendes certamente riquezas consideráveis e reinais sobre um povo numeroso; mas não posso responder à vossa pergunta sem saber se acabastes os vossos dias na prosperidade; porque o homem cumulado de riquezas não é mais feliz que o que apenas tem o essencial necessário […]. (H., I, 32) E explica porquê. Nenhum homem se basta em tudo; o que reúne um maior número de vantagens e as conserva até ao fim conhece uma bela morte, quer morra gloriosamente em combate ou saia desta vida da maneira mais serena.
Heródoto descreve a história da Grécia, com contornos um pouco lendários e as actividades de Creso para se aliar com Lacedemónios (Esparta) e Atenienses, entre outros. Vemos os seus esforços diplomáticos e estratégicos, na tentativa de vencer os Persas. Deixemos essas contingências, com episódios muito interessantes e acompanhemo-lo na pira levantada por Ciro para o queimar, como vítima agradável aos deuses. Então, Creso, cheio de abatimento e dor, lembrou as palavras de Sólon. Caiu em si e saiu do seu longo silêncio com um grande suspiro, gritando:
Sólon! Sólon! Sólon!
Ciro quis saber quem era aquele que Creso invocava. Vem a saber.
«Vencido pelos seus pedidos importunos, respondeu que noutro tempo Sólon de Atenas tinha vindo à sua corte; que tendo contemplado todas as suas riquezas, não tinha feito caso delas; que tudo o que lhe tinha dito se achava confirmado pelo acontecido e que as advertências deste filósofo não lhe diziam mais respeito a ele em particular, que a todos os homens em geral, e principalmente aos que se criam felizes. Assim falou Creso.» O fogo estava ateado e era grande a violência das chamas. Ciro, conhecendo então a instabilidade das coisas humanas, vendo que é um homem prestes a queimar outro homem que não tinha sido menos feliz do que ele, arrepende-se. Grande azáfama, mas já não é possível debelar o fogo. (H., I, 56)
Creso compreende a situação e suplica em lágrimas a Apolo (pelas muitas dádivas que lhe fez no oráculo de Delfos) que o socorra e salve naquele perigo. «De repente, no meio de um céu puro e sereno, juntam-se nuvens, estoira uma trovoada, uma chuva a cântaros extingue a fogueira. Este prodígio ensinou a Ciro quanto Creso era querido dos deuses pela sua virtude.»
Para completar esta secção 57 não há espaço. Fique a certeza de que esta história encerra uma grande moralidade e grande actualidade. Não pudemos relatar as vidas de Telo, Cléobis e Bíton, sem as quais a pintura fica menos valiosa. Jovens, menos jovens e seniores temos aqui uma bela lição a meditar.
(Texto reproduzido de CAMINHAR, revista da AUTITV – Universidade Sénior de Torres Vedras, n.º 18, Dezembro de 2016, com pequenas alterações.)
[Ver, também, textos de Heródoto utilizados, em http://novoestaleiro.blogspot.com/2017/03/o-bem-acabar.html.]