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Carta de Vasco Graça Moura ao Ministro Francês da
Cultura sobre os tesouros e bens culturais do Iraque
Acabo de ter conhecimento do seu apelo, pedindo que os
tesouros e os bens culturais do Iraque, ameaçados no decorrer da ofensiva
norte-americana e inglesa, sejam devidamente preservados e restituídos àquele
país, que deles é proprietário legítimo. Tendo lido a carta que, a esse
respeito, V.Exa endereçou a 24 de Março ao Sr. Director-Geral da UNESCO, só
posso regozijar-me pelo bem fundado das suas injunções e associo-me pois a uma
iniciativa que aplaudo cordialmente, não apenas na minha qualidade de primeiro
vice-presidente da Comissão Cultura, Educação, Juventude, Desporto e
Comunicação Social do Parlamento Europeu, mas ainda como cidadão e escritor
português.
Parece-me
oportuno recordar-lhe neste ensejo que, na época da execrável dominação militar
de uma parte muito grande da Europa por Monsieur Bonaparte, as tropas
francesas, sob o comando do general Junot, aquando da sua partida de Portugal
em 1808, após a batalha de Vimeiro, levaram consigo numerosas obras de arte e
tesouros preciosos, em consequência de uma pilhagem sem escrúpulo e sem freio.
Esses tesouros, que nunca foram devolvidos ao meu
país, embora se trate de peças muito importantes para o património cultural
português, continuam a fazer parte de colecções, museus e arquivos do Estado
francês. Estou certo, de resto, que o seu colega dos Negócios
Estrangeiros, Monsieur de Villepin, que, como historiador, é um ilustre
especialista daquela época, poderá dar-lhe abundantes elementos a tal respeito.
Parafraseio assim a sua carta ao Sr. Director-Geral da
UNESCO para afirmar que "os tesouros culturais de Portugal, em toda a sua
diversidade e riqueza, devem ser devolvidos aos Portugueses".
E tenha portanto a honra de convidá-lo, Senhor Ministro, a declarar que o
Governo francês está pronto a tratar dessa devolução. Sugiro que, pela via
diplomática, seja constituída uma comissão mista franco-portuguesa, incumbida
de estabelecer a lista desses roubos de guerra e de organizar a sua rápida
devolução pela França a Portugal.
Hoje mesmo, transmito o conteúdo desta carta ao Senhor
Martins da Cruz, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Português. Além
disso, permito-me sublinhar que tal decisão não deixaria de ter um efeito muito
importante junto das autoridades e instituições inglesas que, como sabe, continuam
a ignorar o pedido, inteiramente legítimo e de há muito feito pela Grécia, no
sentido de obter a restituição dos 253 mármores do Parténon de que Lord Elgin
se apoderou em 1802 e que mais tarde revendeu ao Museu Britânico.
Outras restituições de tesouros pilhados por exércitos
de outros países em circunstâncias idênticas poderiam em seguida ter lugar, se
a França tratasse de dar o exemplo. É por isso que estou certo de que V. Exa.
não deixará de agir com grande rapidez, a fim de mostrar a outros povos, e
nomeadamente à opinião pública da União Europeia, que a França junta o acto à
palavra, não admitindo excepções culturais numa matéria em que estão em jogo a
preservação da diversidade cultural e o respeito de direitos culturais
fundamentais e imprescritíveis de qualquer país.
Tomarei a liberdade de dar conhecimento desta carta a
todos os meus colegas do Parlamento Europeu, ao Senhor Director-geral da UNESCO
e à imprensa portuguesa.
Peço-lhe creia, Senhor Ministro, na minha elevada
consideração.
Bruxelas, 26 de Março de 2003.
Vasco Graça Moura
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