Encarnação,
domingo, 21 de Setembro
Cortejo. Círio da
Prata Grande
O
cortejo, em vez de às 16 horas, saiu com uma hora de atraso, por causa da
chuva. Nasceu no Alto da Mina. Mina, porque aí se faz a captação de água, que
vem descendo para a povoação, por força da gravidade. Digo que o cortejo nasceu
no Alto da Mina (mina de água), para igualar a corrente humana à da água.
Espero
o cortejo no largo onde se encontra uma construção branca, com cercadura azul,
impecavelmente pintada nestas duas cores, estação de passagem da água. Ao lado,
um jardim-de-infância. A conduta tem ligação por galeria subterrânea até à
fonte, junto ao nicho de Nossa Senhora, defronte dos lavadouros e virada aos
campos, que sobem em colinas a esconder o mar. Esta galeria pode ser percorrida
por pessoas ligeiramente curvadas, com um pé a cada lado, pois ao meio vai o
regato.
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As
pessoas da Encarnação vivem numa aldeia que é um mimo; pelo aglomerado urbano
que construíram, bem conservado, cuidado, em todo o seu âmbito e com expressão
mais de gala, no Largo central e junto à igreja, onde se encontra pelo menos
duas casas de grande qualidade e beleza, uma delas com desafogado alpendre no
1.º andar.
—
É uma terra muito sossegada. — diz uma senhora, com quem troquei impressões no
Café Central. Pois, sim. Tem a dimensão que tem. Não é obrigatório ser um novo
Cacém, não desfazendo. São situações diferentes.
As
pessoas do cortejo vestem fatos de gala, domingueiros, que já noutro tempo eram
de gala, mas profundamente enraizados nos que nos são ainda tempos próximos. A
vida do campo está muito presente e a voz da terra não pode ser ignorada.
O
que foi autêntico, um dia, na Grécia, as suas festas, o seu sentido do divino,
sinto-o, aqui. Vivência autêntica, manifestação pública, sentido da medida. Está,
aqui, o material e também o espiritual, que tudo liga, seja sentido de maneira
ténue ou clara.
Depois
da igreja, o cortejo avança até ao grande espaço onde se situam as tendas de
produtos vários, a Junta de Freguesia, a sede, dois palcos grandes — um, logo à
direita, o outro, no extremo oposto do largo, junto da sede. No primeiro, um
rancho folclórico canta e dança, as mulheres e raparigas levam um pote na cabeça
(adornos diversos, coloridos, vegetalistas, presos às duas asas). No segundo
palco, actuará às 22 horas José Cid, cantor que desde os seus tempos de jovem,
com o quarteto 1111, se impôs no firmamento musical português. Quem não se
lembra de «El-Rei Dom Sebastião…», «No dia em que o rei fez anos», «Vem viver a
vida, amor», «Nasci p’rà música»!?
Continuando
em frente, atrás da sede, um campo de futebol com relvado «alcatifado». Para lá
do campo, os campos, as colinas.
As
pessoas daqui vivem no mundo de hoje, mas estão no seu meio, sem perder o pé.
O
coreto tem uma extensão amovível, que lhe dá maior espaço e com a cor branca e
balaustrada, semelhantes ao original. Não tem cobertura, mas a aparência dela
é-lhe dada por fios reunidos no alto de mastro, formando o cone. Quem olha para
o coreto, vê a cobertura habitual, cónica, tem essa ilusão. À noite, os «fios»
estão iluminados. A poucos metros, uma tenda hexagonal, piso térreo, com uma
mesa circular, de três níveis, ao centro, com um só pé ou eixo.
A
iluminação festiva é linda.
Da
Travessa do Horizonte vê-se o mar, ali perto. Diz-me a senhora de quem já falei
que há outra rua, em direcção cardial, a do Nascente.
A
igreja. Foi pintada, no mês de Abril, segundo me foi dito. É muito bela. Merece
uma visita. Visita de leigo, que, então, alguma coisa dirá.
A
senhora da berlinda. A imagem da Senhora, em habitáculo de vidro e talha
dourada, é transportada num veículo de aparato real, a berlinda. Em cima, a
coroa e sobre esta a bola do mundo, nela pousando de asas abertas a pomba-Espírito
Santo. Segundo me contou a minha informante, a berlinda foi recentemente
cuidada e está de uma frescura e irradiação insuperável. Destaca-se a parte
superior do conjunto. Parece ouro puro. Queremos que seja. É ouro puro!
Uma
rapariga, uma menina, trazia folhetos. Pedi-lhe um exemplar de cada. Um de loas,
(chamei-lhe folheto, mas é um caderninho de dezasseis páginas, mais a capa),
LOAS
que
a freguesia da Encarnação
dedica
à Veneranda Imagem
de
NOSSA
SENHORA
DA
NAZARÉ
Setembro
de 2014
outro,
desdobrável, com duas dobras, oferecendo a página central e duas a ladeá-la,
como os dois volantes de um tríptico, dos dois lados. Na frente do desdobrável,
lê-se no volante da direita:
FESTAS
DE
NOSSA
SENHORA DA NAZARÉ
Encarnação
Cortejo
histórico
QUADROS
REPRESENTADOS
21
Setembro 2014
*
As
loas
As
loas são cantadas por rapazes entre os 9 e os 11 anos.
Anjos
que cantam as Loas: André Ricardo Rodrigues Moreira, Duarte Ramos Góis,
Francisco António Gomes da Silva, Francisco João da Luz Alves, Guilherme
Lourenço Esteves, João Pedro Alberto Moreira, Nuno Ricardo Sardinha dos Santos,
Simão Pedro Gomes Nascimento, Tomás Jorge Reis.
Ensaiador:
Luís Filipe Moreira
Autor:
Maria Vitória dos Ramos Alves
Do
caderninho que estamos vendo, retiramos os títulos que encabeçam as loas ali
transcritas: ANTES DE RECEBER A BANDEIRA; DEPOIS DE RECEBER A BANDEIRA; NA
IGREJA NOVA; LUGARES DE PASSAGEM; EM S. LOURENÇO; PASSAGEM PELO BARRIL; PASSAGEM
PELAS AZENHAS DOS TANOEIROS; CHEGADA À ENCARNAÇÃO; NA IGREJA DA ENCARNAÇÃO;
PROCISSÃO; NO FINAL DA PROCISSÃO.
*
Quadros
representados no cortejo
São
doze quadros, título, imagem e pequeno texto: 1.º A origem da imagem; 2.º
Chegada da imagem à Nazaré; 3.º O milagre; 4.º O início do Círio; 5.º A
instituição da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré da Pederneira da Igreja
Nova; 6.º Cargos do Círio; 7.º As loas; 8.º Aos anjos; 9.º A berlinda; 10.º As
dezassete freguesias; 11.º Os festejos; 12.º a despedida da imagem.
*
Este
dia foi apenas parte de uma semana de actividades várias, de folguedo e
devoção. Quem não quiser esperar dezassete anos, para o ano poderá deslocar-se
à vizinha S. Pedro da Cadeira, freguesia do concelho de Torres Vedras que faz
parte das dezassete freguesias que anualmente, em sistema rotativo até
completar o giro e, depois, recomeçando, assumem a responsabilidade da festa.
*
Nota
marginal: A operação de fotografar o mais possível correu mal e, a partir de
certa altura, metade das imagens ficaram estragadas. Parte do que queria mostrar
não ficou em condições. O telemóvel foi, então, providencial, mas ficou com a memória cheia, impedindo trazer para aqui alguma beleza
das ruas iluminadas. Do telemóvel nada seleccionei.
*
Pelo texto, esta festa deve ser muito interessante e de grande tradição.....
ResponderEliminarNão conheço esta aldeia (ou pelo menos nunca saí do carro para fazer uma visita pormenorizada....., é mais uma, tal como o Ramalhal e muitas outras, onde se passa de carro e não se pára)........
Mas pelas fotos e pelo que li fiquei curiosa.....
Parabéns pela belíssima reportagem
Albertina Granja
Obrigado. É bom fotografar e escrever, mas hoje apetece-me sentar, tomar um café e ver as pessoas à minha volta. Ler o jornal e qualquer coisa, sempre deixada para trás.
EliminarBoa sexta-feira.
JL
Amigo e Sr. José Patrício
ResponderEliminarLi atentamente e até emocionado por recordar o que vi, ainda bem pequeno acompanhado pelos saudosos pais, do Círio da Prata Grande. Belíssimo texto.
As fotos, na sua grande maioria estão muito bem e como diria a nossa caríssima Direictora e amiga Albertina, são as possíveis. A fotografia eh isso mesmo, serve fundamentalmente para recordar momentos que por vezes são irrepetiveis. Então eh melhor ter algo que não seja tão bom do que nada ter.
Obrigado e muitos parabéns pelo, repito, belíssimo trabalho
Lourenço Luis
Amigo e Senhor António Luís, caro professor
EliminarÉ sempre bom ouvi-lo e ver o seu modo bem disposto e disponível. Obrigado pelas suas palavras. Fico contente por ter partilhado a sua memória de infância.
Um abraço
JL