O ANOITECER DA TABANCA
Esta é uma tabanca como muitas outras,
algures na Guiné, no meio da mata… Sentado à mesa, leio um grande texto alusivo
à Guiné, «a partilha dos escravos», da Crónica
dos Feitos de Guiné. Uma bela e patética cena…, um quadro inédito em Lagos…
Coisas que se passam na história dos homens… Saio para a tabanca…
E vou vendo no chão ou em panos ou em
cabaças, os alimentos deste povo, ao cair da tarde… Geralmente, junto estão
mulheres… É milho moído, é o fundo, de grãos finíssimos. É o lalô (la… lô…, me
disse pacientemente o homem), o lalô espalhado pelo chão, folhas parecidas com
as folhas da figueira, cozidas e comidas em caldo…
Continuo na volta pela tabanca…: — Boa
tarde! — Boa tarde. — Boa noite! — Boi nôte… — São sempre as mulheres que dizem
«boi nôte», só agora o reparo…
O Alberto está ensinando um milícia a
ler… Que idade tinha o milícia? Não sabia. Tornou-se a perguntar e não percebeu
a pergunta. — Quantas chuvas tens?... Quantos anos tens? — Não percebe? … Mais
ou menos vinte?
— Tem vinte anos e quer ir para a tropa,
mas isso não depende dele…, gostava de ir para a tropa…
— Aprende a ler, aprende a ler!... Ensina-o,
Alberto… — E o Alberto, que frequenta a quarta classe, fica a ensinar o amigo,
os dois sentados em cima do abrigo…
— Boa tarde, mulher grande!... — A
mulher grande, velha, sorri com os dentes da cola…, é a mulher grande dos
dentes apodrecidos e vermelhos da cola…, dentes que me chocaram quando os vi a
primeira vez… A partir daí, tenho-os evitado…, hoje encontrei-os, de novo…
Passando por outro sector da tabanca,
pois fiz questão de a percorrer toda, hoje…, encontro o Braima…, vou brincar um
pouco com ele. Fala crioulo com uma criatura qualquer.
— Então, quando aprendes a falar
português?
— …
… … … — disse qualquer coisa e fez o sinal de
mais ou menos, assim-assim, com as mãos…, lá vai indo…, sorri, casou há pouco,
recebeu um dinheiro atrasado.
A volta pela tabanca está a terminar.
Comecei-a pelo canto, desde sempre mais apetecido…, o mangueiro do Amuta.
Estive lá com a mulher dele, a Maria, com a filha, Odete, com o António e a
Madame, sobrinha do Nhassé…, com as duas mulheres do Bita, a Manhã e a Quinta,
uma delas ou as duas, minhas lavadeiras…. Vou-me embora, até logo!... Aprende a
ler, aprende a ler, ensina-o, Alberto!...
Terminado o passeio, encontro o
ferreiro, ainda tive uns negócios com ele, abriu-me trinta bidons para forrar
um tecto…, deu-me a terra (!!!) para fazer a casa…, é um homem sério…
— Boa tarde, Queba.
— Boa tarde. — E faz referência ao meu
posto, eu sou militar… — Boa tarde, -------. Levanta a cabeça e sorri,
desvendando os dentes mais ou menos sãos e brancos…, como é seu costume no
cumprimento… Encontro-o sempre baixado a fazer qualquer coisa, levanta a cabeça
e sorri: — Bom dia, -------; boa tarde, -------. Bom dia, Queba, boa tarde,
Queba, adeus, Queba…
São seis horas, seis e picos…, ouvem-se
os primeiros tiros nos postos…
(Ronco,
Jornal do C.I.M., n.º 21, 1 de Julho de 1970)
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Obs.: A tabanca referida no título é a
de Mampatá, a oito km de Aldeia Formosa. Eu estava no Pelotão de Caçadores
Nativos, n.º 68. Os furriéis eram o Escudeiro e o Zé Alberto. Estávamos adidos
à Companhia de Artilharia n.º 2519, os Morcegos de Mampatá. Só ali permaneci
quatro meses, após o que retornei a Bolama.
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