segunda-feira, 9 de março de 2015

Colaboração no RONCO, Jornal do C. I. M.

O ANOITECER DA TABANCA
Esta é uma tabanca como muitas outras, algures na Guiné, no meio da mata… Sentado à mesa, leio um grande texto alusivo à Guiné, «a partilha dos escravos», da Crónica dos Feitos de Guiné. Uma bela e patética cena…, um quadro inédito em Lagos… Coisas que se passam na história dos homens… Saio para a tabanca…
E vou vendo no chão ou em panos ou em cabaças, os alimentos deste povo, ao cair da tarde… Geralmente, junto estão mulheres… É milho moído, é o fundo, de grãos finíssimos. É o lalô (la… lô…, me disse pacientemente o homem), o lalô espalhado pelo chão, folhas parecidas com as folhas da figueira, cozidas e comidas em caldo…
Continuo na volta pela tabanca…: — Boa tarde! — Boa tarde. — Boa noite! — Boi nôte… — São sempre as mulheres que dizem «boi nôte», só agora o reparo…
O Alberto está ensinando um milícia a ler… Que idade tinha o milícia? Não sabia. Tornou-se a perguntar e não percebeu a pergunta. — Quantas chuvas tens?... Quantos anos tens? — Não percebe? … Mais ou menos vinte?
— Tem vinte anos e quer ir para a tropa, mas isso não depende dele…, gostava de ir para a tropa…
— Aprende a ler, aprende a ler!... Ensina-o, Alberto… — E o Alberto, que frequenta a quarta classe, fica a ensinar o amigo, os dois sentados em cima do abrigo…
— Boa tarde, mulher grande!... — A mulher grande, velha, sorri com os dentes da cola…, é a mulher grande dos dentes apodrecidos e vermelhos da cola…, dentes que me chocaram quando os vi a primeira vez… A partir daí, tenho-os evitado…, hoje encontrei-os, de novo…
Passando por outro sector da tabanca, pois fiz questão de a percorrer toda, hoje…, encontro o Braima…, vou brincar um pouco com ele. Fala crioulo com uma criatura qualquer.
— Então, quando aprendes a falar português?
— …    …    …    … — disse qualquer coisa e fez o sinal de mais ou menos, assim-assim, com as mãos…, lá vai indo…, sorri, casou há pouco, recebeu um dinheiro atrasado.
A volta pela tabanca está a terminar. Comecei-a pelo canto, desde sempre mais apetecido…, o mangueiro do Amuta. Estive lá com a mulher dele, a Maria, com a filha, Odete, com o António e a Madame, sobrinha do Nhassé…, com as duas mulheres do Bita, a Manhã e a Quinta, uma delas ou as duas, minhas lavadeiras…. Vou-me embora, até logo!... Aprende a ler, aprende a ler, ensina-o, Alberto!...
Terminado o passeio, encontro o ferreiro, ainda tive uns negócios com ele, abriu-me trinta bidons para forrar um tecto…, deu-me a terra (!!!) para fazer a casa…, é um homem sério…
— Boa tarde, Queba.
— Boa tarde. — E faz referência ao meu posto, eu sou militar… — Boa tarde, -------. Levanta a cabeça e sorri, desvendando os dentes mais ou menos sãos e brancos…, como é seu costume no cumprimento… Encontro-o sempre baixado a fazer qualquer coisa, levanta a cabeça e sorri: — Bom dia, -------; boa tarde, -------. Bom dia, Queba, boa tarde, Queba, adeus, Queba…
São seis horas, seis e picos…, ouvem-se os primeiros tiros nos postos…
(Ronco, Jornal do C.I.M., n.º 21, 1 de Julho de 1970)
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Obs.: A tabanca referida no título é a de Mampatá, a oito km de Aldeia Formosa. Eu estava no Pelotão de Caçadores Nativos, n.º 68. Os furriéis eram o Escudeiro e o Zé Alberto. Estávamos adidos à Companhia de Artilharia n.º 2519, os Morcegos de Mampatá. Só ali permaneci quatro meses, após o que retornei a Bolama.

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