domingo, 29 de março de 2015

HERBERTO HELDER

Hoje, n'O Eixo do Mal.
Mais interessante, ainda, a partir do minuto 1:16 em que o filho do Poeta diz algumas palavras. Segue pequeno vídeo, com imagens de HH e o poema «Levanto à vista/ o que foi a terra magnífica» dito por Fernando Alves. Do livro Servidões, 2013.
As palavras do filho do Poeta:
— Eu, eu nunca falei do meu pai e isso não vai mudar. Nunca falei em público do meu pai, e não vai mudar... Vou fazer, aqui, um curtíssimo, curtíssimo intervalo.
Não sou, nem vou ser, nem quero ser, o guardião da memória de ninguém. No entanto, vou, faço, não é um pedido!, é um apelo. Não dêem o nome dele a nenhuma rua, a  nenhuma praça, que não façam nenhuma estátua..., que não o incluam no protocolo literário, ou seja, que não façam ao meu pai o que ele nunca quis que lhe fizessem em vida..., não lhe façam, agora.


Levanto à vista
o que foi a terra magnífica
e as estações mais bêbedas
e estou tão leve
porque não tenho nenhum segredo
e tão oculto
porque daqui a nada
já posso dizer tudo.

Daqui a uma pouca ciência
saberei pensar que algum pouco depois
estarei morto
e só de o pensar
já nem respiro
já quase
em nada toco
já só vejo no fundo das mãos
daquilo que fica escrito
que escrevi coisa nenhuma do mundo
até ao esquecimento e movendo-me com as unhas
movo-me nos nomes inúmeros
para dizer que mal nasci
logo me deram por morto.

E não fui tido nem havido
na razão do episódio de um rosto
ter passado por um espelho e ter desaparecido.
Portanto não me venha ninguém falar de nada
sei bastante do que sabem todos
vejo a água a mover-se contra si mesma
tão marítima e acho até que é bonito
cada qual morre de quanto alcança e não alcança
e ninguém compreende
a água quebra os dedos que escreveram até às pontas
e passa, a água fácil
sem retorno
porque nada tem retorno
e tudo é dificílimo
não só o máximo, mas também o mínimo.
(De Servidões, 2013)

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