domingo, 12 de maio de 2013

      No Público de hoje

      Pensionistas e pensões
        I -- Rosário Gama, a presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados — APRe! — dá uma entrevista que vale a pena ler: «O Presidente da República devia ter demitido o Governo».

       II --  E a sugestão de Valadares Tavares para cortar despesas no Estado, em valores superiores aos dos anunciados para os «reformados».

I
Maria do Rosário Gama
“O Presidente da República devia ter demitido o Governo”

Rosário Gama, presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!), diz que, neste momento, a esperança dos mais velhos reside em Paulo Portas, ou seja, num desentendimento entre os membros da coligação PSD/PP que faça cair o Governo. 
Por Graça Barbosa Ribeiro (texto) e Adriano Miranda (foto)

Militante do PS, Maria do Rosário Gama ganhou Protagonismo quando, em 2008, se tornou a mais improvável dor de cabeça da então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Procurada pelos jornalistas a propósito do 1.º lugar no ranking da Escola Secundária D. Maria, de que era directora, fez verdadeiros comícios contra o modelo de avaliação dos professores que o Governo socialista estava a impor. Nessa altura, esteve entre os que puseram mais cem mil manifestantes nas ruas. Hoje, a movimento de defesa dos aposentados, pensionistas e reformados. Agora é dirigente da APRe!, uma associação reivindicativa que esteve para se chamar “IRRA” — de “IRRA, que estamos fartos!”

Na última semana surgiram diariamente notícias contraditórias sobre a forma como as novas medidas de austeridade vão afectar os reformados e pensionistas…
Tem sido uma loucura. Matam-nos. Matam-nos mesmo. Preferia pensar que os membros do Governo estão apenas completamente desorientados, que não sabem o que andam a fazer, que esqueceram as pessoas, por só verem números. Isso é gravíssimo, inconcebível. Mas é mais grave, ainda, se para além disso também agirem por estratégia, atacando pessoas já fragilizadas e que estão a viver o quotidiano num insuportável clima de medo, de incerteza e de insegurança em relação ao futuro. Isto é terrorismo social. Não tem outro nome.
Qual seria o interesse do Governo?
Atirar o barro à parede a ver se estamos distraídos? Propor soluções gravosas e, depois, tentar fazer passar outras, dando a ideia de que generosamente cederam? Anular as pessoas, paralisá-las, pelo medo, pelo sentimento de desconfiança em relação ao Estado? Não sei. Se o que aconteceu nos últimos meses é inaceitável, o que se verificou esta semana, desde a intervenção do primeiro-ministro, é inacreditável. Pelo clima que gera mas, principalmente, claro, pelo absurdo das propostas: não temos a mínima dúvida de que a retroactividade aplicada ao corte das pensões dos funcionários públicos é inconstitucional.
Como é que entendeu a postura de Paulo Portas, que, dois dias depois de o primeiro-ministro anunciar a possibilidade de avançar com a contribuição de sustentabilidade sobre as pensões, veio dizer que aquela era uma fronteira que não podia “deixar passar”?
Entender, entendi como uma encenação. Não acredito que o primeiro-ministro não soubesse o que um ministro do seu Governo ia dizer. Mas, para o que interessa, não tenho de entender mais do que isto: perante o que disse o Dr. Paulo Portas, das duas uma: ou caem os cortes (todos os cortes, retroactivos ou não) ou cai o Governo. Qualquer solução nos agrada e, sinceramente, já é a nossa única esperança, não resta a quem apelar.
Está a referir-se ao Presidente da República?
Também. O Presidente da República foi uma profunda desilusão. Depois de o Governo ter tentado, pela segunda vez, fazer passar medidas inconstitucionais, devia ter tomado uma posição política forte. Ele é o garante da Constituição.
Devia ter demitido o Governo?
Devia. Devia ter demitido o Governo. Em vez disso, nas comemorações do 25 de Abril, ainda desvalorizou o acto eleitoral. É uma desilusão. Não há mais nada a esperar deste Presidente da República. Resta-nos que um desentendimento entre os membros da coligação faça cair o Governo.
Nesse cenário, a APRe! aconselharia o voto em quem?
Não aconselharia. A APRe! É uma associação apartidária. Na direcção temos simpatizantes do CDS e militantes do PSD, do PS e do Bloco de Esquerda. Aconteceu por acaso, mas ainda bem que aconteceu.
Tem dito que o poder da APRe! é o poder do voto, que os reformados pensionistas e aposentados são quase três milhões de pessoas, um terço da população, e que gostam de votar. Se não aconselha o voto, como é que esse poder se manifesta?
É um constrangimento, de facto, mas não pode ser de outra maneira. Vamos esclarecer as pessoas. Vamos pressionar os partidos para que assumam compromissos e vamos dar a conhecer os programas aos aposentados, reformados e pensionistas. Depois, cada um vota como entende, de acordo com a sua consciência.
Confia, então, que os partidos cumprirão os compromissos assumidos…
(silêncio)
Não confia?
Não. Sinceramente, neste momento e de uma forma geral, não. Custa-me dizer isto. Sou democrata e não há democracia sem os partidos. Mas as promessas não cumpridas, os sacrifícios impostos e não justificados, o afastamento em relação aos cidadãos, tudo isso tem contribuído para a perda de credibilidade dos partidos e mesmo dos sindicatos, muito conotados com os partidos. Aliás, a isso não será alheio o aparecimento e a capacidade de mobilização dos movimentos cívicos. A APRe! juntou pessoas de todos os partidos, mas também pessoas que nunca se juntariam a uma organização partidária ou a uma organização sindical.
De que valem, então, os compromissos que vão exigir?
Temos de agir como se valessem, não podemos desistir, isso seria pôr em causa a democracia. Os partidos é que têm de se renovar, de se credibilizar.
Há alguma possibilidade de a APRe! evoluir para um partido político?
Não. Isso não. Não, com toda a convicção — seria o desmoronar da APRe!, uma associação apartidária.
Está satisfeita com a oposição?
Naturalmente que sim, em relação ao PCP, ao Bloco de Esquerda, aos Verdes, à CGTP e, mais recentemente, esta semana, e em particular, com a posição assertiva dos dirigentes do PS e da UGT.
Estará na altura de acabar com a alternância dos chamados partidos do “arco do poder”?
(silêncio) Não devo pronunciar-me sobre isso.
Por ser militante do PS?
Não, por ser dirigente da APRe! E porque é muito mais importante o que na APRe! nos une do que aquilo que eventualmente nos possa desunir.
Já houve quem sugerisse que o facto de ser militante do PS descredibiliza a associação…
A situação não podia ser mais transparente. Sou militante do PS, sim, e do ponto de vista ideológico sou socialista. Mas já dei provas de que nem me deixo instrumentalizar nem me deixo tolher pelo partido. Penso pela minha cabeça e digo o que penso.
Está a falar da oposição ao Ministério de Educação de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues?
Sim. Na qualidade de directora da Escola Secundária Infanta D. Maria fui uma das dinamizadoras da contestação às medidas da ministra. Luto por convicções — todos os que fazem parte da APRe!, aliás, o fazem.
Quantos são e quem são os associados da APRe!?
Somos uma associação muito recente. A primeira reunião, convocada por e-mail, foi em 22 de Outubro. Neste momento já temos mais de 4000 associados pagantes (cobramos 12 euros de quota anual) e a tendência é de crescimento. Quem somos? Somos a geração dos que que lutaram contra o fascismo, a dos que fizeram a Guerra Colonial, a que tem mais formação académica, a primeira em que as mulheres tiveram uma carreira contributiva completa. Pessoas que assumiram compromissos adequados àquilo que tinham descontado para as reformas e aos quais agora não conseguem responder; pessoas que têm os filhos, desempregados, a regressar a casa dos pais, com as respectivas famílias; pessoas, nalguns casos, sobreendividadas, pessoas aterrorizadas face à perspectiva de mais cortes.
Está a falar de uma franja de uma geração.
Sim, pode dizer-se que é uma franja. Mas é uma franja com capacidade e vontade de lutar pelos direitos de todos os pensionistas e reformados.
Esse desejo de abrangência aplica-se aos membros do Movimento dos Reformados Indignados?
Estou a falar das pessoas com reformas baixas, as que não têm Internet, as que vamos contactar através das associações recreativas e das juntas de freguesia. Esse grupo de que está a falar é o das reformas milionárias, que são uma afronta a quem vive numa situação de miséria.
As pessoas desse grupo não têm direito às suas reformas?
Têm, o problema está a montante. Mas a questão é outra. Olhe, gosto muito de siglas, deixe-me pôr a coisa assim: esse movimento foi muito conveniente ao Governo para, demagogicamente, fazer crer que, ao dar-nos razão, o Tribunal Constitucional estaria a proteger reformas elevadíssimas. Chamo ao MRI o Movimento que o Relvas Inventou. Gosto muito de siglas.
Tanto quanto sei a sigla da APRe! nasceu antes do movimento…
Sim. Na verdade, preferia IRRA! Mas depois ficava Indignados Reformados Revoltados Aposentados, era uma grande confusão. Lembrei-me de APRe — Aposentados, Pensionistas e Reformados — com o ponto de exclamação, que é essencial. Diz o que interessa, que é “basta!”. Dizemos basta nos tribunais e dizemos basta na rua.
Onde andavam os membros da APRE! que agora vemos nas manifestações?
A sofrer em silêncio. Recebemos mensagens e pedidos de ajuda emocionantes e impressionantes. E damos resposta. Apesar de não termos um cariz assistencialista, temos voluntários — juristas, médicos, psiquiatras, assistentes sociais — que tentam responder às necessidades dos outros associados. Respondendo à pergunta, andávamos todos por aí, mas ninguém nos via.
Disse, há dias, que estavam dispostos a vir para a rua. Que tipo de acções vão organizar?
Não posso dizer, para não perderem o impacto.
A Grândola, na Assembleia da República, teve impacto…
Devia ter tido mais. Não percebo por que é que não foi noticiado o que aconteceu, contei aos jornalistas a humilhação que tínhamos sofrido e nada foi noticiado.
Está a referir-se a quê?
À humilhação a que fomos sujeitos antes de entrar na Assembleia da República. Um escândalo. Tínhamos decidido levar vestidas as nossas T-shirts, que têm escrito “APRe Não somos descartáveis”. A ideia era, à saída das galerias, tirarmos os casacos ou as camisas e mostrarmos as T-shirts, como forma de protesto. Mas terei sido ingénua quando fiz a sugestão por email para todos os associados. Os seguranças fizeram-nos entrar quatro a quatro: aos homens mandaram tirar as camisas, às mulheres levantar as camisolas ou os casacos. E obrigaram-nos a tirar as T-shirts — disseram que não seríamos autorizados a entrar se não o fizéssemos.
E aceitaram isso?
Protestámos. Uma pessoa recusou-se a tirá-la e levou-a. Eu fui à casa de banho e enrolei- a na cinta, por baixo das calças, por isso consegui mostrá-la. Mas não há direito. Foi uma humilhação brutal. Estamos a falar de idosos: imagina como se sentiram as senhoras a levantar a roupa e a mostrar o corpo? E entrarem com um casaquito por cima do soutien? Estávamos a ferver de raiva. Aliás, nem sequer tínhamos planeado cantar a Grândola. Foi um grito de revolta que um de nós soltou e os outros seguiram-no.
Percebeu quem deu a ordem para que vos revistassem?
Não. Sei que tivemos de deixar as carteiras, os telemóveis, tudo. E ao mesmo tempo entraram grupos de alunos, de estudantes, de mochilas às costas. Depois, ainda tivemos de ouvir a senhora presidente da Assembleia da República expulsar-nos e dizer que o que estávamos a fazer não ajudava à democracia. Cantar a Grândola não ajuda à democracia? Humilharem-nos à entrada na nossa casa — que aquela casa é a casa do povo — é que não ajuda à democracia.
Dirigiu uma carta à presidente da Assembleia da República a protestar contra essa afirmação e contra a expulsão. Por que é que não referiu o episódio das T-shirts?
Não tenho uma boa razão para isso. Era o que devia ter feito. Aconteceram muitas coisas e o facto de termos sido expulsos acabou por se sobrepor ao episódio anterior. Mas devia tê-lo feito.
Chegou a receber resposta ao protesto pela expulsão?
A senhora presidente da Assembleia da República respondeu, sim, mas não disse nada que justifique a sua atitude e terminou a carta com um incompreensível “conto convosco”. Conta connosco para quê? Não percebo. Nós não contamos com ela.

II
          Como evitar
       o corte nas pensões
       Opinião
       L. Valadares Tavares
      O Orçamento do Estado é, em qualquer Estado moderno, o seu principal instrumento de governação, pelo que deve ser preparado, verificado, negociado e aprovado antes do início do ano para que possa estruturar as políticas e actuações governativas, inspirar confiança nos mercados e nos agentes económicos, ajudando estes a planear os seus investimentos e a programar as suas acções.
      Portugal viveu nos primeiros tempos de democracia dificuldades graves de aprovação orçamental, vivendo-se no “regime dos duodécimos” com custos acrescidos para todos, mas nas últimas décadas passou a dispor de orçamentos aprovados atempadamente, embora não executados correctamente, pois em quase todos os exercícios foi necessário aprovar rectificações orçamentais, a partir do 2.º semestre, e ainda não se concluiu qualquer ano com saldo positivo!
      Infelizmente, no ano de 2013, Portugal regressa às dificuldades passadas, estando-se já em Maio sem saber qual o orçamento que vigora em 2013, o que resulta, não de dificuldades de aprovação na AR, mas sim da dificuldade de construção pelo Governo de propostas orçamentais que respeitem a Constituição
      Com efeito, as recentes declarações governamentais sobre eventuais propostas de alterações orçamentais, frisando-se que “está tudo em cima da mesa”, parecem indiciar um clima de brain storm, talvez útil numa fase muito preliminar de preparação do orçamento — a qual deveria ter ocorrido no Verão passado, mas certamente nunca em Maio do próprio ano. Este experimentalismo orçamental, ainda por cima, novamente, baseado em opções com elevada probabilidade de virem a ser consideradas inconstitucionais por quem tem competência para tal juízo – o Tribunal Constitucional –, lança o país em acrescida incerteza, aumentando a sensação de insegurança em todos os agentes económicos, especialmente consumidores e, por consequência, também nos investidores já que estes planeiam os seus desenvolvimentos em função da procura.
      Como exemplo, cenarizar novos cortes nas pensões, neste caso do sistema público, e com efeitos retroactivos (!), agudiza o pânico em centenas de milhares de consumidores que dispendem a quase totalidade do seu baixo rendimento disponível médio e gera imediata retracção no seu consumo. Ou seja, é a melhor forma que o Governo podia encontrar para acelerar a espiral recessiva, aumentar o crescimento do desemprego e retrair possíveis investimentos futuros.
      Importa agora compreender que a aflição orçamental que vem sendo vivida pelo Governo e pelo país se relaciona, principalmente, com a necessidade real de reduzir a despesa pública, o que exige, como é evidente, que os decisores conheçam muito bem a complexa máquina geradora de despesa mas, infelizmente, as evidências indiciam o oposto, pois, se assim não fosse, como compreender a convicção, rapidamente malograda, de que seria pela fusão de algumas entidades que se faria a reforma do Estado (2011e 2012)?
      Ora todas as análises comparativas feitas mostram que o nosso sistema público é dos mais complexos, pois inclui cinco administrações públicas com histórias, lógicas e quadros legais e regulamentares bem distintos: a Administração Directa (direcções-gerais), desenhada pela Reforma de 1935, as Administrações Regionais e Autárquicas, surgidas nos anos 1970, a dos Institutos Públicos (serviços e fundos autónomos), muito expandida nos anos 1980, a das Empresas Públicas (década de 1090) e a das parcerias público-privadas, já deste século.
      Eis por que quem nunca viveu a experiência de administração pública ou não a estudou tende a formar percepções erradas e a não conseguir controlar a própria despesa tal com os factos evidenciam. Talvez o melhor exemplo deste desconhecimento seja pensar que o principal problema da despesa pública seja o montante pago em salários e em pensões quando aqueles já estão aquém da média europeia e abaixo dos 10%. Pelo contrário, toda a soma das despesas contratualizadas com outras entidades (investimentos, bens, serviços e consumos intermédios) totaliza cerca de 17% do PIB, pelo que gerar aí uma poupança de 10% significa poupar quase 2% do PIB.
      Infelizmente, esta componente da despesa pública não tem vindo a ser analisada ou controlada pois, senão, como compreender que a despesa com aquisições de bens e serviços dos institutos públicos tivesse aumentado mais de 10% em 2012, no ano de todos os cortes em salários e pensões, segundo os próprios dados do Ministério das Finanças? Ou compreender o aumento de mais de 50% desta rubrica na Administração Regional da Madeira? Quais os esclarecimentos do Governo sobre este descontrole?
      Na verdade, urge não só rever toda a fundamentação desta vasta gama de despesas como também aumentar a sua transparência e eficiência. Para tal, uma das medidas mais evidentes consistirá em substituir a esmagadora maioria actual de ajustes directos, opacos, e evitando a competitividade e transparência, por procedimentos electrónicos, abertos a todos os potenciais fornecedores, o que, segundo dados recentes, permitirá reduzir a sua despesa em mais de 10%.
      Atendendo a que o primeiro-ministro convidou à apresentação de propostas alternativas ao corte das pensões, aqui fica a primeira sugestão: reduzir a despesa nas aquisições de bens e serviços dos institutos públicos, das regiões, das empresas públicas em 10%, o que irá gerar uma poupança superior à necessária, potenciando a contratação electrónica e compensando os aumentos inacreditáveis que ocorreram em 2011 e 2012.
     Professor catedrático emérito do IST, ex-presidente do INA e presidente da APMEP


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