Pensionistas e
pensões
I -- Rosário Gama, a presidente da Associação
de Aposentados, Pensionistas e Reformados — APRe! — dá uma entrevista que vale
a pena ler: «O Presidente da República devia ter demitido o Governo».
II -- E a sugestão de Valadares Tavares para cortar despesas no Estado, em valores superiores aos dos anunciados para os «reformados».
I
Maria do Rosário Gama
“O Presidente da República
devia ter demitido o Governo”
Rosário Gama, presidente da Associação de
Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!), diz que, neste momento, a esperança dos
mais velhos reside em Paulo Portas, ou seja, num desentendimento entre os
membros da coligação PSD/PP que faça cair o Governo.
Por Graça Barbosa Ribeiro (texto) e Adriano Miranda
(foto)
Militante do PS, Maria do Rosário Gama ganhou Protagonismo quando,
em 2008, se tornou a mais improvável dor de cabeça da então ministra da
Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Procurada pelos jornalistas a propósito do
1.º lugar no ranking da Escola Secundária D. Maria, de que era directora, fez
verdadeiros comícios contra o modelo de avaliação dos professores que o Governo
socialista estava a impor. Nessa altura, esteve entre os que puseram mais cem
mil manifestantes nas ruas. Hoje, a movimento de defesa dos aposentados,
pensionistas e reformados. Agora é dirigente da APRe!, uma associação reivindicativa
que esteve para se chamar “IRRA” — de “IRRA, que estamos fartos!”
Na última semana surgiram diariamente notícias
contraditórias sobre a forma como as novas medidas de austeridade vão afectar
os reformados e pensionistas…
Tem sido uma loucura. Matam-nos. Matam-nos mesmo. Preferia pensar
que os membros do Governo estão apenas completamente desorientados, que não
sabem o que andam a fazer, que esqueceram as pessoas, por só verem números. Isso
é gravíssimo, inconcebível. Mas é mais grave, ainda, se para além disso também
agirem por estratégia, atacando pessoas já fragilizadas e que estão a viver o
quotidiano num insuportável clima de medo, de incerteza e de insegurança em
relação ao futuro. Isto é terrorismo social. Não tem outro nome.
Qual seria o interesse do Governo?
Atirar o barro à parede a ver se estamos distraídos? Propor
soluções gravosas e, depois, tentar fazer passar outras, dando a ideia de que
generosamente cederam? Anular as pessoas, paralisá-las, pelo medo, pelo sentimento
de desconfiança em relação ao Estado? Não sei. Se o que aconteceu nos últimos
meses é inaceitável, o que se verificou esta semana, desde a intervenção do
primeiro-ministro, é inacreditável. Pelo clima que gera mas, principalmente,
claro, pelo absurdo das propostas: não temos a mínima dúvida de que a retroactividade
aplicada ao corte das pensões dos funcionários públicos é inconstitucional.
Como é que entendeu a postura de Paulo Portas,
que, dois dias depois de o primeiro-ministro anunciar a possibilidade de
avançar com a contribuição de sustentabilidade sobre as pensões, veio dizer que
aquela era uma fronteira que não podia “deixar passar”?
Entender, entendi como uma encenação. Não acredito que o primeiro-ministro
não soubesse o que um ministro do seu Governo ia dizer. Mas, para o que
interessa, não tenho de entender mais do que isto: perante o que disse o Dr.
Paulo Portas, das duas uma: ou caem os cortes (todos os cortes, retroactivos ou
não) ou cai o Governo. Qualquer solução nos agrada e, sinceramente, já é a nossa
única esperança, não resta a quem apelar.
Está a referir-se ao Presidente da República?
Também. O Presidente da República foi uma profunda desilusão.
Depois de o Governo ter tentado, pela segunda vez, fazer passar medidas
inconstitucionais, devia ter tomado uma posição política forte. Ele é o garante
da Constituição.
Devia ter demitido o Governo?
Devia. Devia ter demitido o Governo. Em vez disso, nas
comemorações do 25 de Abril, ainda desvalorizou o acto eleitoral. É uma
desilusão. Não há mais nada a esperar deste Presidente da República. Resta-nos que
um desentendimento entre os membros da coligação faça cair o Governo.
Nesse cenário, a APRe! aconselharia o voto em
quem?
Não aconselharia. A APRe! É uma associação apartidária. Na
direcção temos simpatizantes do CDS e militantes do PSD, do PS e do Bloco de
Esquerda. Aconteceu por acaso, mas ainda bem que aconteceu.
Tem dito que o poder da APRe! é o poder do voto,
que os reformados pensionistas e aposentados são quase três milhões de pessoas,
um terço da população, e que gostam de votar. Se não aconselha o voto, como é
que esse poder se manifesta?
É um constrangimento, de facto, mas não pode ser de outra maneira.
Vamos esclarecer as pessoas. Vamos pressionar os partidos para que assumam
compromissos e vamos dar a conhecer os programas aos aposentados, reformados e
pensionistas. Depois, cada um vota como entende, de acordo com a sua
consciência.
Confia, então, que os partidos cumprirão os
compromissos assumidos…
(silêncio)
Não confia?
Não. Sinceramente, neste momento e de uma forma geral, não.
Custa-me dizer isto. Sou democrata e não há democracia sem os partidos. Mas as promessas
não cumpridas, os sacrifícios impostos e não justificados, o afastamento em
relação aos cidadãos, tudo isso tem contribuído para a perda de credibilidade
dos partidos e mesmo dos sindicatos, muito conotados com os partidos. Aliás, a
isso não será alheio o aparecimento e a capacidade de mobilização dos
movimentos cívicos. A APRe! juntou pessoas de todos os partidos, mas também pessoas
que nunca se juntariam a uma organização partidária ou a uma organização sindical.
De que valem, então, os compromissos que vão exigir?
Temos de agir como se valessem, não
podemos desistir, isso seria pôr em causa a democracia. Os partidos é que têm
de se renovar, de se credibilizar.
Há alguma possibilidade de a APRe! evoluir para um partido político?
Não.
Isso não. Não, com toda a convicção — seria o desmoronar da APRe!, uma
associação apartidária.
Está satisfeita com a oposição?
Naturalmente
que sim, em relação ao PCP, ao Bloco de Esquerda, aos Verdes, à CGTP e, mais
recentemente, esta semana, e em particular, com a posição assertiva dos
dirigentes do PS e da UGT.
Estará na altura de acabar com a alternância dos chamados partidos
do “arco do poder”?
(silêncio)
Não devo pronunciar-me sobre isso.
Por ser militante do PS?
Não,
por ser dirigente da APRe! E porque é muito mais importante o que na APRe! nos
une do que aquilo que eventualmente nos possa desunir.
Já houve quem sugerisse que o facto de ser militante do PS descredibiliza
a associação…
A
situação não podia ser mais transparente. Sou militante do PS, sim, e do ponto
de vista ideológico sou socialista. Mas já dei provas de que nem me deixo
instrumentalizar nem me deixo tolher pelo partido. Penso pela minha cabeça e
digo o que penso.
Está a falar da oposição ao Ministério de Educação de José
Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues?
Sim.
Na qualidade de directora da Escola Secundária Infanta D. Maria fui uma das
dinamizadoras da contestação às medidas da ministra. Luto por convicções —
todos os que fazem parte da APRe!, aliás, o fazem.
Quantos são e quem são os associados da APRe!?
Somos
uma associação muito recente. A primeira reunião, convocada por e-mail, foi em 22 de
Outubro. Neste momento já temos mais de 4000 associados pagantes (cobramos 12
euros de quota anual) e a tendência é de crescimento. Quem somos? Somos a
geração dos que que lutaram contra o fascismo, a dos que fizeram a Guerra
Colonial, a que tem mais formação académica, a primeira em que as mulheres tiveram
uma carreira contributiva completa. Pessoas que assumiram compromissos
adequados àquilo que tinham descontado para as reformas e aos quais agora não
conseguem responder; pessoas que têm os filhos, desempregados, a regressar a
casa dos pais, com as respectivas famílias; pessoas, nalguns casos,
sobreendividadas, pessoas aterrorizadas face à perspectiva de mais cortes.
Está a falar de uma franja de uma geração.
Sim,
pode dizer-se que é uma franja. Mas é uma franja com capacidade e vontade de
lutar pelos direitos de todos os pensionistas e reformados.
Esse desejo de abrangência aplica-se aos membros do Movimento
dos Reformados Indignados?
Estou
a falar das pessoas com reformas baixas, as que não têm Internet, as que vamos
contactar através das associações recreativas e das juntas de freguesia. Esse grupo
de que está a falar é o das reformas milionárias, que são uma afronta a quem
vive numa situação de miséria.
As pessoas desse grupo não têm direito às suas reformas?
Têm, o problema está a montante.
Mas a questão é outra. Olhe, gosto muito de siglas, deixe-me pôr a coisa assim:
esse movimento foi muito conveniente ao Governo para, demagogicamente, fazer
crer que, ao dar-nos razão, o Tribunal Constitucional estaria a proteger
reformas elevadíssimas. Chamo ao MRI o Movimento que o Relvas Inventou. Gosto
muito de siglas.
Tanto quanto sei a sigla da APRe! nasceu antes do
movimento…
Sim. Na verdade, preferia IRRA! Mas depois ficava Indignados
Reformados Revoltados Aposentados, era uma grande confusão. Lembrei-me de APRe —
Aposentados, Pensionistas e Reformados — com o ponto de exclamação, que é
essencial. Diz o que interessa, que é “basta!”. Dizemos basta nos tribunais e dizemos
basta na rua.
Onde andavam os membros da APRE! que agora vemos nas
manifestações?
A sofrer em silêncio. Recebemos mensagens e pedidos de ajuda
emocionantes e impressionantes. E damos resposta. Apesar de não termos um cariz
assistencialista, temos voluntários — juristas, médicos, psiquiatras,
assistentes sociais — que tentam responder às necessidades dos outros associados.
Respondendo à pergunta, andávamos todos por aí, mas ninguém nos via.
Disse, há dias, que estavam dispostos a vir para
a rua. Que tipo de acções vão organizar?
Não posso dizer, para não perderem o impacto.
A Grândola, na Assembleia da República, teve impacto…
Devia ter tido mais. Não percebo por que é que não foi noticiado o
que aconteceu, contei aos jornalistas a humilhação que tínhamos sofrido e nada
foi noticiado.
Está a referir-se a quê?
À humilhação a que fomos sujeitos antes de entrar na Assembleia da
República. Um escândalo. Tínhamos decidido levar vestidas as nossas T-shirts, que têm escrito “APRe Não somos descartáveis”. A ideia era, à
saída das galerias, tirarmos os casacos ou as camisas e mostrarmos as T-shirts, como forma de protesto. Mas terei sido ingénua quando fiz a sugestão
por email para todos os associados. Os seguranças fizeram-nos entrar quatro
a quatro: aos homens mandaram tirar as camisas, às mulheres levantar as
camisolas ou os casacos. E obrigaram-nos a tirar as T-shirts — disseram que não seríamos autorizados a entrar se não o fizéssemos.
E aceitaram isso?
Protestámos. Uma pessoa recusou-se a tirá-la e levou-a. Eu fui à
casa de banho e enrolei- a na cinta, por baixo das calças, por isso consegui mostrá-la.
Mas não há direito. Foi uma humilhação brutal. Estamos a falar de idosos: imagina
como se sentiram as senhoras a levantar a roupa e a mostrar o corpo? E entrarem
com um casaquito por cima do soutien? Estávamos a ferver de raiva. Aliás, nem sequer tínhamos planeado
cantar a Grândola. Foi um grito de revolta que um de nós soltou e os outros
seguiram-no.
Percebeu quem deu a ordem para que vos
revistassem?
Não. Sei que tivemos de deixar as carteiras, os telemóveis, tudo. E
ao mesmo tempo entraram grupos de alunos, de estudantes, de mochilas às costas.
Depois, ainda tivemos de ouvir a senhora presidente da Assembleia da República
expulsar-nos e dizer que o que estávamos a fazer não ajudava à democracia.
Cantar a Grândola não ajuda à democracia? Humilharem-nos à entrada na nossa casa —
que aquela casa é a casa do povo — é que não ajuda à democracia.
Dirigiu uma carta à presidente da Assembleia da
República a protestar contra essa afirmação e contra a expulsão. Por que é que
não referiu o episódio das T-shirts?
Não tenho uma boa razão para isso. Era o que devia ter feito. Aconteceram
muitas coisas e o facto de termos sido expulsos acabou por se sobrepor ao episódio
anterior. Mas devia tê-lo feito.
Chegou a receber resposta ao protesto pela
expulsão?
A senhora presidente da Assembleia da República respondeu, sim,
mas não disse nada que justifique a sua atitude e terminou a carta com um
incompreensível “conto convosco”. Conta connosco para quê? Não percebo. Nós não contamos com ela.
II
Como evitar
o corte nas
pensões
Opinião
L. Valadares Tavares
O Orçamento do Estado
é, em qualquer Estado moderno, o seu principal instrumento de governação, pelo
que deve ser preparado, verificado, negociado e aprovado antes do início do ano
para que possa estruturar as políticas e actuações governativas, inspirar confiança
nos mercados e nos agentes económicos, ajudando estes a planear os seus investimentos
e a programar as suas acções.
Portugal viveu nos
primeiros tempos de democracia dificuldades graves de aprovação orçamental, vivendo-se
no “regime dos duodécimos” com custos acrescidos para todos, mas nas últimas
décadas passou a dispor de orçamentos aprovados atempadamente, embora não executados
correctamente, pois em quase todos os exercícios foi necessário aprovar rectificações
orçamentais, a partir do 2.º semestre, e ainda não se concluiu qualquer ano com
saldo positivo!
Infelizmente, no ano
de 2013, Portugal regressa às dificuldades passadas, estando-se já em Maio sem
saber qual o orçamento que vigora em 2013, o que resulta, não de dificuldades
de aprovação na AR, mas sim da dificuldade de construção pelo Governo de
propostas orçamentais que respeitem a Constituição
Com efeito, as
recentes declarações governamentais sobre eventuais propostas de alterações
orçamentais, frisando-se que “está tudo em cima da mesa”, parecem indiciar um clima
de brain storm, talvez útil numa fase muito preliminar de preparação do orçamento —
a qual deveria ter ocorrido no Verão passado, mas certamente nunca em Maio do
próprio ano. Este experimentalismo orçamental, ainda por cima, novamente, baseado
em opções com elevada probabilidade de virem a ser consideradas
inconstitucionais por quem tem competência para tal juízo – o Tribunal Constitucional
–, lança o país em acrescida incerteza, aumentando a sensação de insegurança em
todos os agentes económicos, especialmente consumidores e, por consequência,
também nos investidores já que estes planeiam os seus desenvolvimentos em função
da procura.
Como exemplo,
cenarizar novos cortes nas pensões, neste caso do sistema público, e com efeitos
retroactivos (!), agudiza o pânico em centenas de milhares de consumidores que
dispendem a quase totalidade do seu baixo rendimento disponível médio e gera
imediata retracção no seu consumo. Ou seja, é a melhor forma que o Governo
podia encontrar para acelerar a espiral recessiva, aumentar o crescimento do
desemprego e retrair possíveis investimentos futuros.
Importa agora
compreender que a aflição orçamental que vem sendo vivida pelo Governo e pelo país
se relaciona, principalmente, com a necessidade real de reduzir a despesa
pública, o que exige, como é evidente, que os decisores conheçam muito bem a
complexa máquina geradora de despesa mas, infelizmente, as evidências indiciam
o oposto, pois, se assim não fosse, como compreender a convicção, rapidamente malograda,
de que seria pela fusão de algumas entidades que se faria a reforma do Estado
(2011e 2012)?
Ora todas as análises comparativas
feitas mostram que o nosso sistema público é dos mais complexos, pois inclui
cinco administrações públicas com histórias, lógicas e quadros legais e regulamentares
bem distintos: a Administração Directa (direcções-gerais), desenhada pela
Reforma de 1935, as Administrações Regionais e Autárquicas, surgidas nos anos
1970, a dos Institutos Públicos (serviços e fundos autónomos), muito expandida nos
anos 1980, a das Empresas Públicas (década de 1090) e a das parcerias
público-privadas, já deste século.
Eis por que quem nunca
viveu a experiência de administração pública ou não a estudou tende a formar
percepções erradas e a não conseguir controlar a própria despesa tal com os
factos evidenciam. Talvez o melhor exemplo deste desconhecimento seja pensar que
o principal problema da despesa pública seja o montante pago em salários e em
pensões quando aqueles já estão aquém da média europeia e abaixo dos 10%. Pelo
contrário, toda a soma das despesas contratualizadas com outras entidades
(investimentos, bens, serviços e consumos intermédios) totaliza cerca de 17% do
PIB, pelo que gerar aí uma poupança de 10% significa poupar quase 2% do PIB.
Infelizmente, esta
componente da despesa pública não tem vindo a ser analisada ou controlada pois,
senão, como compreender que a despesa com aquisições de bens e serviços dos
institutos públicos tivesse aumentado mais de 10% em 2012, no ano de todos os
cortes em salários e pensões, segundo os próprios dados do Ministério das
Finanças? Ou compreender o aumento de mais de 50% desta rubrica na
Administração Regional da Madeira? Quais os esclarecimentos do Governo sobre este
descontrole?
Na verdade, urge não
só rever toda a fundamentação desta vasta gama de despesas como também aumentar
a sua transparência e eficiência. Para tal, uma das medidas mais evidentes
consistirá em substituir a esmagadora maioria actual de ajustes directos,
opacos, e evitando a competitividade e transparência, por procedimentos
electrónicos, abertos a todos os potenciais fornecedores, o que, segundo dados
recentes, permitirá reduzir a sua despesa em mais de 10%.
Atendendo a que o
primeiro-ministro convidou à apresentação de propostas alternativas ao corte das
pensões, aqui fica a primeira sugestão: reduzir a despesa nas aquisições de
bens e serviços dos institutos públicos, das regiões, das empresas públicas em
10%, o que irá gerar uma poupança superior à necessária, potenciando a
contratação electrónica e compensando os aumentos inacreditáveis que ocorreram
em 2011 e 2012.
Professor catedrático
emérito do IST, ex-presidente do INA e presidente da APMEP
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